Processo
0011/2022-CRI1
Relator
Catarina Castro
Primeiro Adjunto
Amadeu Carlos
Segundo Adjunto
Tânia André
Descritores:
Recurso Ordinário, Processo Penal 1ª Espécie, Tribunal da Comarca do Lubango - Roubo Qualificado
PROC. N.º0011/2022
A c ó r d ã o
Em nome do povo, acordam
em conferência os Juízes Desembargadores da Segunda Secção da Câmara Criminal
deste Tribunal da Relação:
1. RELATÓRIO:
Na Segunda Secção B 2 da Sala das Questões
Criminais do Tribunal da Comarca do Lubango, mediante processo comum do
Ministério Público, foram os recorridos A
e B, pronunciados como autores materiais de um crime de Roubo Qualificado, p. e p. pelo artigo
435.º n.º 1 do C. P. de 1886.
Realizado o julgamento e respondido os quesitos
que o integram foram, por acórdão de 26 de Novembro de 2020 de fls.132, os arguidos
condenados, na pena de:
- 3 (Três) anos e 10 (dez)
meses de prisão maior;
- Kz 50.000,00
(cinquenta mil Kwanzas) de taxa de justiça;
- Kz 3.000,00 (três
mil Kwanzas) de emolumentos ao defensor oficioso e
- Kz. 33.000.00
(trinta e três mil kwanzas) de pagamento solidário da indemnização do ofendido.
Desta decisão interpôs recurso em acta o arguido
A, por intermédio do seu Ilustre Mandatário Judicial, por inconformação do acórdão
condenatório, nos termos dos arts. 646.º e 648.º do C.P.P. de 1929.
No decurso do prazo legal apresentou as suas
alegações para fundamentar o
pedido, concluindo nos seguintes termos:
· Face aos argumentos apresentados, cabe concluir
que não estão reunidos os pressupostos para a configuração do crime de Roubo
Qualificado imputado ao recorrente A pelo que,
· O Tribunal “A Quo” fez uso injusto, e mal, da
faculdade de atenuação
· Requerer a procedência do presente Recurso e que por via deste,
seja feita a devida justiça, com a absolvição do recorrente A do crime de Roubo Qualificado por insuficiência de provas e, na
menor das hipóteses, se atenue extraordinariamente o mesmo e se suspenda a pena.
Admitido o recurso, o mesmo foi remetido à esta
instância para sua reapreciação.
Nesta instância, recebido os autos e ao ser
lavrada a nota de revisão, apontou-se ao facto de não terem sido colhidas
algumas assinaturas nas actas de audiência, discussão e julgamento e no acórdão,
bem como, outras irregularidades passiveis de serem sanadas. (fls.
121, 132 e 165)
Foram mandados seguir os termos de recurso por
nada obstar ao seu conhecimento.
Ao ter vista dos autos, o Digno Magistrado do
Ministério Público junto desta Câmara, emitiu o seu douto parecer,
consubstanciado resumidamente no seguinte:
“Por tudo exposto, pede
que o recurso do recorrente, quanto à matéria de facto e de direito seja
julgada procedente.”
Assim em conformidade com o disposto no art.º 479.º n.º 1 do C.P.P.
este Tribunal “ad quem” admitiu o recurso, por ser legal, legítimo e
tempestivo, podendo ser tramitado, em algumas fases, como de agravo em material
cível.
*
a)
Questão Prévia:
Tendo em conta a função didáctica que este Tribunal da Relação
deve necessariamente assumir, antes de nos pronunciarmos sobre o objeto do recurso
propriamente dito, incumbe-nos tecer algumas considerações quanto à tramitação
do processo na primeira instância e o formalismo essencial para a realização do
julgamento em tribunal colectivo, bem como, também, quanto aos requisitos da
sentença no cumprimento do disposto no art.º 450º do C.P.P de 1929, uma vez que
os factos aqui reportados ocorreram aquando da vigência desse diploma legal. (art.º 417º do C.P.P.)
Ao acórdão proferido
pelo Tribunal “a quo”, temos a abordar que, a estrutura externa utilizada na
elaboração da sentença obedece, minimamente,
ao estabelecido na lei, por se apresentar, um tanto ou quanto conforme
ao que aquele preceito legal solicita, designadamente, a identificação completa
dos recorridos, a indicação dos factos de que os recorridos vêm acusados, a
indicação dos factos que se julgaram provados, a indicação da lei penal
aplicável, a condenação da pena aplicada, o imposto de justiça e a data.
No entanto,
esse tribunal condenou, equivocadamente, os arguidos no pagamento de
kz.3.000.00 de emolumentos a favor do Advogado, por eles legalmente constituído
e omitiu o nome do ofendido na decisão, a quem os arguidos foram condenados a pagar
uma indemnização solidária no valor de kz.33.000.00 (trinta e três mil kwanzas).
Neste caso, este Tribunal entende tratar-se de um mero lapso material, e que na
devida altura será corrigido.
Ainda no acórdão
em questão, o tribunal “a quo” não apôs
as assinaturas de todos os Juízes que a proferiram. (fls. 132)
De igual modo como se
pode constatar das alegações, o Mmo Juiz nomeou ad hoc como representante do
Ministério Público o Oficial de diligência do próprio processo, que no
cumprimento das diligencias teve contacto com o arguido, circunstância que
subsume uma suspeição. E, embora não tendo sido impugnado nas conclusões, bem
como, não ser uma questão do conhecimento oficioso, esta instancia, ainda assim,
se pronunciará a titulo da função didática que o incumbe. (fls. 138)
Outrossim, diremos ainda que “a fundamentação das decisões judiciais
é, num Estado Democrático e de
Direito, uma verdadeira fonte de legitimação. A decisão é legítima só e na
medida em que está racionalmente fundamentada. E, porque não estamos perante um
poder arbitrário ou baseado numa lógica de autoridade indiscutível é que se
impõe a fundamentação.
O titular do poder de decisão não dispõe
deste a seu bel-prazer e presta contas do exercício deste perante os
destinatários do mesmo através da fundamentação, visto que ela desempenha
várias funções, designadamente: 1. Convencer
os destinatários da sentença e a comunidade em geral da correcção e justiça da
decisão. Pode tal objectivo não ser atingido, mas há que tentar sempre o
atingir, porque só assim se cimenta a verdadeira autoridade, que se distingue
do autoritarismo e da arbitrariedade.
2. Permitir
ao tribunal superior e aos sujeitos processuais o exame do processo lógico e
racional que lhe subjaz, o caminho mentalmente percorrido até se chegar à
decisão, possibilitando, assim, a interposição e o conhecimento dos recursos.
Viola claramente os princípios estruturantes de um Estado Democrático e de
Direito a prática de restringir ao mínimo a extensão e alcance da fundamentação
para «não abrir as portas ao recurso».
Por último, 3. Favorecer o autocontrolo e a ponderação da parte do próprio órgão que
decide. Quem tem de fundamentar o que decide, com menos probabilidade
decidirá precipitadamente e não pensará duas vezes antes de decidir.” (Drs.
António Latas, Jorge Duarte e Pedro Patto, Direito Penal e Processo Penal -
Tomo I, pag. 308, Manual de Apoio ao Curso M3, CEJ)
No caso sub
judice, verifica-se uma fundamentação deficiente no que respeita
essencialmente à circunstância de não ter se apresentado os factos como devia,
simplificando demasiado as questões ao invés de desdobrar os elementos
relevantes para a qualificação do crime e, principalmente, aqueles que
consubstanciam os elementos subjectivo do tipo do crime.
É a partir dos factos que se forma o processo
de convicção do julgador. A forma como são apresentados tem particular
relevância, aqui, em concreto, e em todos os outros casos, para que os
destinatários possam saber de que forma valorizou a prova e o porquê da maior
relevância de algumas circunstâncias.
Trata-se da fase mais importante da sentença,
porquanto, permite uma melhor sindicância da decisão por parte do julgador, que
a aprecia de acordo com a sua livre convicção. Bem como, também permite a esta
Instância Superior uma melhor avaliação do que se passou no julgamento, dada a
falta o princípio da imediação, tão importante para a valoração da prova.
O enquadramento legal também não foi
devidamente fundamentado pelo tribunal “a quo”, o que é necessário para que se
identifiquem os elementos objetivos e subjetivos da conduta dos arguidos que
tipificam o crime que lhes é imputado.
Como é sabido, os fundamentos dos
recursos devem ser claros e concretos, pois aos Tribunais Superiores não
incumbem averiguar a intenção dos recorrentes, mas sim apreciar todas as
questões submetidas ao seu exame.
*
2. OBJECTO DO RECURSO:
O âmbito do recurso é aferido e
delimitado pelas conclusões formuladas na respectiva motivação, sem prejuízo da
matéria de conhecimento oficioso do Tribunal Superior. Pois, diferentemente
dos processos cíveis, em que domina o princípio do dispositivo das partes e os
tribunais só podem conhecer das questões que lhes são submetidas, nos processos
penais, vigora o princípio do conhecimento amplo do recurso, partindo da ideia
de que o seu objecto legal é a decisão recorrida e não a questão por ela
julgada, ainda que o recorrido restrinja o objeto do recurso, devido à finalidade
de interesse público que ela visa alcançar. (art.º 464.º n.º 1 do CPP e Manuel Simas Santos,
Recursos Penais em Angola, pag.77)
Assim, embora o recurso tenha sido interposto apenas
pelo arguido A, por intermédio do seu Mandatário Judicial, nos termos do art.º
663.º do C. P. P. de 1929, este Tribunal o conhecerá, também, em relação aos
demais arguidos, pois nos cabe reapreciar o processo e a matéria do recurso na
generalidade, isto é, tanto da matéria de facto como da matéria de direito. (art.º 663º do C.P.P. de 1929, artº 464º n.º 1 do C. P. P.,
bem como, Ac. Relação do Porto, 06-12-1930, Gaz. Rel. Lx.ª 44.º-248).
Nestes termos, da leitura atenta dos autos, sem
prejuízo das nulidades ou excepções de conhecimento oficioso, permite-nos
definir como objecto de recurso as seguintes questões a conhecer:
1. Irregularidade na tramitação do processo julgado por Tribunal
Colectivo, nos
termos dos arts. 462º do C.P.P de 1929, art. 45º nº 3 e seguintes da Lei nº
2/15, de 2 de Fevereiro;
2. Nulidade processual por falta do número legal de Juízes no
julgamento, nos
termos do art. 98º nº 7 do C. P. P. de 1929 e nº1 al. a) do art. 140º do C. P.
P.
3. Nulidade por falta da assinatura dos Juízes no acórdão, nos termos do 450.º n.º 7
do C.P.P. de 1929, em conjugação com o art.º 668.º n.º 1, al. a) do C. P. C. (417.º n.º 4 al. f)
do C. P. P.).
4. Suspeição levantada da nomeação ad hoc do oficial de diligência
como representante do Ministério Publico.
5. Reapreciar o acórdão
recorrido em ordem a verificar a inexistência de prova que
permita absolver o recorrente/arguido A com respeito ao principio do In dúbio
pro Reo ou seja
faz referência ao erro na valoração da prova. E,
6. Verificar o uso indevido da atenuação extraordinária.
*
3. FUNDAMENTAÇÃO:
a)
Questões
de conhecimento oficioso.
Aqui chegados, cumpre-nos,
primeiramente, apreciar e decidir das nulidades ou excepções do
conhecimento oficioso.
1. Irregularidade
na tramitação do processo para julgamento em Tribunal Colectivo.
O Tribunal Colectivo funciona com 3 Juízes, isto é, por um Juiz de
Direito, titular do processo que a ele preside e por dois Juízes de Direito que
o assessoram. Em regra, este Tribunal julga os casos mais
graves e importantes, sendo em matéria penal, para o nosso caso, apreciar e
julgar os processos cujo crime seja punível, em abstrato, com pena de prisão
superior a 5 anos. (nºs 2 e 3 do art. 45º da Lei nº 02/2015
de 2 de Fevereiro)
Os arts. 461.º e 462.º § 4 do C.P.P. de 1929,
estabelecem que, preparado o processo para julgamento, o juiz o mandará com
vista por cinco dias a cada um dos dois juízes que com ele fazem parte do
tribunal. E, o dia designado para o julgamento será comunicado aos juízes que
fazem parte do Tribunal. (nº 1 do art.º 3º da Lei nº 20/88 de 31 de Dezembro e art.º
362º nº 9 do C.P.P.)
Ora, tratando-se os
presentes autos de um processo em que os arguidos Be Avêm acusados,
pronunciados e condenados por um crime de Roubo Qualificado do tipo p. p.
pelo art.º 435.º n.º 1 do C. P. de 1886, cuja moldura penal abstrata
corresponde a pena de prisão maior de 8 a 12 (oito a doze) anos, isto é, superior a 5 anos, o
mesmo deveria ter a tramitação processual para ser julgado em Tribunal
Colectivo, cujo regime processual caberia à empregue nos processos de querela.
(art.ºs
462º do C.P.P. de 1929 e 45º nº 2 da Lei
nº 02/15 de 2/2).
Desafortunadamente,
depois de fls. 106 dos autos, onde consta o despacho que designa data para
julgamento, não se vislumbra na tramitação processual o cumprimento do disposto
nos artigos acima mencionados, isto é, a falta do despacho de nomeação ou
indicação dos juízes assessores, a falta dos termos de vista aos Juízes
Assessores por cinco dias, nem a comunicação aos mesmos da realização do
julgamento. Assim diríamos que terá sido cometida uma mera irregularidade
processual, consistente em mandar cumprir um preceito de natureza genérico e
não o especificamente aplicável ao processo de querela.
Não sendo tal
irregularidade subsumível a nenhum dos números do art.º 98.º do C.P.P. de 1929,
mesmo com a alteração que foi imposta ao seu § 2.º pelo art.º 22.º da Lei n.º 20/88, teríamos que a integrar no
âmbito do art.º 100.º daquele código.
Desta sorte, perante
tal irregularidade, as partes deveriam ter reclamado dentro do prazo legal e,
sendo que não o fizeram, caberia ao Juiz, caso ela viesse a ser arguida
posteriormente, ver se tal nulidade teria ou não influído no exame e decisão da
causa, para a mandar suprir.
Assim, analisada
esta questão, diríamos em conclusão que se trata de uma mera irregularidade que
não foi arguida dentro do prazo legal e que não afecta a justa decisão da
causa, podendo ela ser julgada suprida, desde já.
2. Falta do número legal de Juízes no julgamento.
Como já mencionado
acima, estamos perante um processo cujo julgamento a lei impõe dever ser
realizado por um tribunal colectivo. No entanto, verificada a acta da audiência
de julgamento de fls. 118, observa-se que o Tribunal “a quo” nomeou “ad hoc” os
Assessores, Srs. Bernardino dos Santos e Jéssica Leite, mas a fls. 120v,
apercebemo-nos da falta da assinatura de um dos assessores, tal como, em fls.
133 e 133v.
Constatando a
existência de duas assinaturas, isto é, a do Juiz da Causa e a de um dos Juízes
Assessores, nomeado Ad hoc, verifica-se que há o esgotamento, em parte, do
defeito do numero legal de juízes para a constituição do tribunal colectivo,
por se ter realizado o julgamento na presenta de mais de um Juiz, o que segundo
a doutrina constitui uma nulidade relativa e não uma nulidade absoluta. (Manuel Maia Gonçalves, Código de Processo Penal
anotado, comentários do art. 98.º pag.171, nulidades absolutas)
Assim, considerando
tal omissão por parte do Tribunal “a quo”, uma nulidade relativa, este tribunal
como instância superior poderá supri-la, nos termos do parágrafo 3 do art. 99.º
do C.P.P. de 1929, por entender que tal omissão não afectou, absolutamente, a
justa decisão da causa, podendo ela ser julgada suprida, desde já. (art. 143.º n.º 5 do C.P.P.)
3. Falta da assinatura dos demais Juízes
no acórdão.
Pese embora no
tribunal colectivo, o acórdão seja lavrado e assinado pelo Juiz que preside o processo,
deve ser, também, assinado por todos os Juízes que compõem o tribunal e nele
intervieram. (art. 472.º do CPP
de 1929)
O C. P. P. de 1929
não estabelece o regime das nulidades de sentença ou acórdão, sendo-lhes
aplicáveis o regime estabelecido nos artigos 417.º a 426.º. do actual C. P. P e
o art. 668.º do C.P.C., em caso de omissão da matéria naquele código.
Os requisitos da
sentença estão estabelecidos no n.º 1 do art. 417.º do C.P.P., onde dispõe que
ela é constituída por “relatório, fundamentação e dispositivo.” No n.º 4, al.
f) deste artigo lê-se que “na parte dispositiva, remata-se a sentença, com a
data e a assinatura dos juízes que a proferiram.” E, segundo o Prof. Dr.
Alberto do Reis, a falta de qualquer um destes requisitos importa nulidade
formal ou substancial da sentença ou acórdão. (art.º 668.º do
C.P.C. anotado, vol. V, pag. 136, 137,
Prof. Alberto dos Reis)
Assim, quanto à falta
da assinatura do Juiz ou dos Juízes que proferem a sentença ou acórdão é
necessário atender ao regime estabelecido nos nºs 2 e 4 do art.º 425.º do
C.P.P., onde lemos: “É permitida ao
Tribunal, oficiosamente ou a requerimento, suprir nulidades… depois de o
recurso subir, compete ao tribunal de recurso decidir sobre as retificações ou
aclarações da sentença.”
Entretanto, nos
autos “sub judice”, verifica-se a falta das assinaturas, do Juiz principal e a
de um dos assessores nomeados ad hoc pelo Tribunal “a quo”, nos quesitos e no
acórdão proferido de fls. 127 e 132. E, até ao momento da subida dos presentes
autos à esta instância, o Tribunal “a quo” não supriu oficiosamente esta
nulidade conforme dispõe o artigo acima mencionado. Logo, por tal omissão,
acarreta a nulidade do acórdão proferido pelo tribunal “a quo”. (art.ºs 716.º n.º 1 e 668.º do C.P.C. anotado, vol. V,
pag. 136, 137, Prof. Alberto dos Reis)
Entretanto, impõe-se o suprimento das
nulidades verificadas, na medida em que, dispondo dos elementos necessários a
uma decisão justa e equitativa, este Tribunal está em condições de o fazer nos
termos dos artigos 425.º n.º 4 do C.P.P. e 715º e 753.º nº1 do C. P. Civil, em
obediência ao princípio da economia do juízo. Assim, ao invés do processo
baixar à 1.ª instância para o respectivo Juiz suprir o vício ou vícios, o que
importaria desperdício de tempo e de atividade, pois que corrigida a nulidade
os autos teriam de subir novamente à Relação. Este Tribunal julga suprida esta
nulidade, desde já.
4.
Suspeição levantada da
nomeação ad hoc do oficial de diligência do processo como representante do
Ministério Publico.
As suspeições fundamentam a recusa do Juiz, do
Ministério Público, do Escrivão ou do Oficial de Diligências pelas partes e,
também a abstenção voluntária do próprio sujeito processual. Os motivos das
suspeições são menos nítidos do que as causas do impedimento, podendo ser, por
isso, fraudulentamente invocado para afastar o sujeito processual envolvido. (Cavaleiro de
Ferreira, curso I, 237-239; Manuel Gonçalves
C. P. P. anotado, pag. 191)
Assim, constata-se em
fls. 138, nos pontos 3 e 4.º das alegações, a menção de que “na produção da prova verificou-se
inúmeras irregularidades, dentre elas, a nomeação ad hoc do oficial de
diligencias como representante do Ministério Publico. Pessoa que numa semana
antes da realização da audiência de julgamento teve contacto com o arguido A solicitando
ajuda para notificar o ofendido.”
Porém, tal circunstância
constitui uma suspeição de acordo com o disposto no art.º 45º n.ºs 1, 2 e 3 do
C. P. P., e a mesma deveria ter sido suscitada até o inicio da audiência de
julgamento em primeira instância
ou, caso os
factos alegados que a fundamentam tivessem sido praticados no decurso ou em
momento posterior, deveria ser suscitada depois do início da audiência de
julgamento.
Não sendo tal
irregularidade subsumível a nenhum dos números do art.º 98.º do C.P.P. de 1929,
tão pouco do art.º 140.º do C. P. P., teríamos que a integrar no âmbito do
art.º 100.º daquele código ou do art.º 144.º do C. P. P..
Desta sorte, neste momento, aquilo que poderia
consubstanciar uma irregularidade está sanada, por ser extemporânea, nos termos
do art.º 143.º n.º 5 do C. P. P..
*
b).
Supridas que estão as irregularidade e nulidades de conhecimento oficioso,
passamos, agora, a apreciar e decidir às questões do mérito da causa
decorrentes das conclusões.
Por parecer-nos relevante para decisão, iremos
transcrever o acórdão recorrido quanto aos factos, ao enquadramento legal e a
medida da pena.
a) Dos Factos Provados:
Em audiência de discussão e julgamento da causa ficou provado que
na madrugada do dia 23 de Março de 2020, os co-arguidos A e B e seus comparsas prófugos apenas conhecidos
por C, D e A interpelaram o
lesado X quando este se dirigia à
sua residência sita no BO 14 de Abril, saindo de um óbito;
De seguida e sem motivo aparente, os co-arguidos e companhia
começaram a agredir o ofendido X com
bofetadas, socos e pontapés tendo um dos agressores com um caco de garrafa
desferido golpes no rosto, no tórax e no casaco que ofendido trajava,
rasgando-o.
Em sua defesa, o ofendido também agarrou numa garrafa partida e desferiu
um golpe contra o co-arguido B, atingindo na orelha esquerda; tendo este
orientado os seus comparsas para abandonarem aquele local, levando com eles os pertences
do ofendido, designadamente, um telemóvel de marca que Samsung Galax S3,
avaliado em kzs. 28.000.00 (vinte e oito IUS), uma carteira de bolso valorada
em kzs. 2.000.00 (dois mil kwanzas) contendo no seu interior o valor monetário de
kzs. 3.000.00 (três mil kwanzas), ao que esses obedecendo, meteram-se então em
fuga;
O co-arguido B por um momento, foi agarrado por populares, mas conseguiu escapar
deles, vindo a ser detido, naquele mesmo dia no banco de urgência do Hospital Central
do Lubango, por ter sido reconhecido e denunciado pelo lesado que na ocasião
estava sendo assistido no mesmo Hospital, após ter sido socorrido pelo INEMA;
Os co-arguidos A e B confessaram
parcialmente os factos a si imputados;
b) Factos não provados
Ao
longo da audiência de discussão e julgamento da causa não ficou provado que o
lesado tivesse assumido uma atitude provocatória contra os co-arguidos que
justificasse a agressão que sofreu por parte deles;
c) Do enquadramento
legal e Medida da Pena:
«Aos co-arguidos A e
B, lhes foi imputada a
prática do crime de Roubo Qualificado do tipo p. p. pelo art. 435.º no 1 do C.
P. de 1886, cuja moldura penal corresponde a pena de prisão maior de 8 a 12
(oito a doze) anos, por ter sido cometido por duas ou mais pessoas fora dos
casos declarados no artigo antecedente, art. 434.º do CP de 1886.
Contra os co-arguidos imperam as circunstâncias agravantes n.ºs: 1a
(Ter sido cometido o crime com premeditação), 7a (pactuado
entre duas ou mais pessoas...), 10a (...cometido por duas ou mais
pessoas...), 11ª (surpresa...), 18a (...em estrada...), 19ª (...de
noite...) e 28a (...cometido o crime de com manifesta superioridade,
armas "cacos de garrafa) todas do art. 34.º do C.P de 1886.
A favor dos co-arguidos militam as circunstâncias atenuantes: 1ª
(bom Comportamento anterior...), 6ª (imperfeito conhecimento do mal do crime),
9ª (espontânea confissão do crime), a 23ª (...o arrependimento, a baixa
condição económica e o baixo nível de escolaridade), todas do art. 39.º do C.
P. de 1886.
Fazendo uso da atenuação extraordinária da pena, nos termos do
art. 94.º n.º 1 do C. P. de 1886, o Tribunal “a quo” condenou os arguidos B e A na pena de 3 anos e 10 meses de prisão maior, kz.50.000.00
(cinquenta mil kwanzas de taxa de justiça), kz. 3.000.00 (três mil kwanzas) de
emolumentos ao Advogado e no pagamento solidário do valor de kz. 33.000.00
(trinta e três mil kwanzas) de indemnização a favor do ofendido pelos danos
sofridos.
*
b. 1. Falta de
prova na matéria de facto que subsumem ao crime de Roubo Qualificado e violação
ao princípio in dúbio pro reo.
De
uma leitura da decisão recorrida, constata-se que na madrugada do dia 23 de Março de
2020, por volta das 01h00, o arguido A
na companhia dos seus comparsas, co-arguido B prófugos Y e Z interpelaram o ofendido X com duas valentes bofetadas da cara, nas
imediações das Bombas de Combustíveis denominada Estação Central. Isto é, de
repente, sem mais nem menos, o seu comparsa, co-arguido B, desferiu duas bofetadas da cara do ofendido. Quando o ofendido
reagiu segurando no braço daquele agressor, o arguido A e os seus outros comparsas começaram também a o agredir
fisicamente, com violentos golpes de caco de garrafa, socos, bofetadas e
pontapés. Acto contínuo, o arguido A
e seus comparsas retiraram das algibeiras do ofendido X o seu telemóvel e a sua pasta de bolso contendo os seus
documentos pessoais e o valor monetário de kz.3.000.00., e se meteram em fuga.
(fls. 16, 16v, 36)
Antes deste acto violento e censurável protagonizado contra o
ofendido X, que parece prima facie,
inexplicável, porque sem razão aparente plausível, na data dos factos, os arguidos A e B na companhia de
seus comparsas prófugos, Y e Z, se encontravam a conviver no bar da
dona Bela no bairro comercial, consumindo bebida alcoólica do tipo whisky. Quando
o whisky que consumiam acabou, ele e os seus comparsas decidiram ir ao prédio
Branco comprar uma garrafa de whisky. Ao chegarem nas imediações dos Laurianos os
arguidos A e B, na companhia de seus comparsas, ora prófugos, adquiriram dois
embrulhos de tabaco, comummente conhecido por liamba à um indivíduo não
identificado e, consumindo, fumaram todos a liamba. (fls.
34v e 119)
No entanto, terminado o consumo desse
estupefaciente, àquelas altas horas da noite, o arguido A e companhia, num grupo de 4 indivíduos, ao invés de se dirigirem, cada um à sua
residência, entenderam interpelar violentamente o ofendido X, com duas valentes chapadas da cara, quando saía da casa do óbito
de um parente, nas imediações dos Laurianos, em direcção a sua residência no
bairro 14 de Abril, retirando-o a força os seus pertences, debaixo de intensa e
violenta agressão física, isto é, golpes de caco de garrafa, socos, chapadas e
pontapé. (fls. 34v, 120)
Qual terá sido o móbil desse crime, cometido
de forma tão inesperada e violenta?
“Não existe atividade humana sem motivos. Este
é um ponto que está fora de discussão. Nós não vivemos fora do mundo. A nossa
vontade é conexa com todos os impulsos que provenham da nossa natureza física,
do nosso egoísmo, do ambiente social, etc. Porém, não é necessário confundir
estes motivos com a causa determinante do nosso agir. O motivo pode inclinar,
pode influir, mas não determina, no sentido de necessitar.
Móbeis e fins, são duas palavras diversas, que
têm significados diferentes. Móbil ou motivo é o impulso que induz o agente ao
seu acto. O fim é por seu lado, o escopo, a meta para que tende com o seu acto.
Um, é um ponto de partida, o outro, um ponto de chegada”. (expendeu o prof. Guilio Battaglini, in Teoria da Infracção
Criminal, pags. 121-171)
Dos
factos provados colhidos pelo Tribunal “a quo”, afere-se claramente que o recorrente/arguido
A e companhia andavam todos junto às
altas horas da noite (por volta das 01h00 da madrugada) quando interpelaram,
inesperadamente, o ofendido X na via
pública. E de forma conjunta, assim que o arguido B desferiu os dois intensos e violentos golpes de bofetadas contra
a cara do ofendido, este ao tentar reagir em sua defesa, agarrando-o pelo braço
o arguido B, todos os comparsas que
o acompanhavam, começaram também a bater o ofendido, agredindo-o fisicamente, deferindo-o
violentos e intensos golpes de socos, bofetadas, pontapés e três derradeiros
golpes de caco de garrafa, tendo dois destes golpes o atingido, um na região da
face e outro no peito, fazendo-o cair no chão. Tudo para enfraquecer a sua
resistência e incapacitá-lo de ver quem eram os quatros indivíduos que sob violência
física retiravam das suas algibeiras os seus pertences.
Até
porque, consta dos autos que o comparsa do recorrente/arguido A, arguido B é useiro e viseiro neste tipo de conduta, por já ter sido detido
e constituído arguido no Processo nº 1467/2017 do SIC-Huíla, no dia 10.04.2017 pela prática do
crime de roubo qualificado. Tendo sido pelo mesmo crime acusado, julgado e
condenado à pena suspensa de 2 anos de prisão e seis meses de multa, por
acórdão de 20 de Outubro de 2017. Ora, em menos de 3 anos da sua detenção
e
condenação, o arguido B, desta vez acompanhado do recorrente/arguido A, é acusado, pronunciado, julgado e
condenado na pratica de um crime da mesma natureza? Não é à toa a lição que o
brocardo antigo, nos ensina, quando diz: “diz-me
com que andas, que saberei quem tu és.” (fls.
167)
Logo,
percebe-se claramente que a actuação do recorrente/arguido A e companhia contra o ofendido X foi concertada com o ímpeto de se apropriarem ilícita e indevidamente
dos pertences dele, usando a violência física, com recurso a arma “branca” –
caco de garrafa. (fls. 120)
Eis o móbil deste roubo violento. Isto é, o
forte desejo de fazerem seus a coisa alheia a qualquer custo, ainda que desta
acção resultasse lesões graves ou até a morte do dono da coisa, induziram o recorrente/arguido
A e os seus comparsas a usarem da violência
física, com recurso a um caco de garrafa, vibrando três intensos e violentos
golpes contra a face, o casaco e o peito do ofendido e receberem as coisas
dele.
Será
que diante desses factos, é aceitável que se invoque o princípio do “in dúbio pro reo”
a favor do recorrente/arguido A?
Ora
vejamos, o que é o princípio in dúbio
pro reo?
O in dúbio pro reo é a expressão latina de um princípio jurídico no Direito
Penal que significa em caso de dúvida, a favor do acusado ou arguido. Este princípio
legal determina que se o juiz, após avaliar as provas, tiver dúvidas sobre a
culpa do acusado ele deve ser considerado inocente.
No caso em
apreço não há qualquer dúvida de que o recorrente/arguido A na companhia dos seus comparsas interpelaram o ofendido com duas
bofetadas da cara na via pública às altas horas da noite. Tão pouco de que,
eles e apenas eles, num grupo de 4 indivíduos, de forma violenta e brutal agrediram
fisicamente o ofendido para receberem os seus pertences. O facto do ofendido,
não ter conseguido ver a cara de todos os seus agressores no momento em que
estava a ser fustigado, não significa que o recorrente/arguido A, não o tenha feito. Até porque, o
ofendido ao ser surpreendido com os violentos golpes de bofetadas, socos e
pontapés, não teve qualquer oportunidade de olhar na cara de cada um dos seus
quatro agressores.
Pois, a
experiência comum indica que, em casos similares, a tendência da pessoa
agredida é que se fixe, ao menos num dos seus agressores, a não ser que já os
conhecesse de outras lides e os reconhecesse no momento da agressão. Ou então,
caso o agredido tivesse muita força e dominasse alguma técnica de luta, conseguisse
neutralizar os ataques de todos os agressores ao mesmo tempo, e, depois de
derrota-los, pudesse os identificar um por um.
Mas, como se denota
dos autos, pela vantagem numérica e a forma surpreendente em que os mesmos agiram,
o ofendido X, que afirma e reafirma
ter sido agredido pelos comparsas do recorrente/arguido A, co-arguido B e o
prófugo Y, num grupo de quatro elementos,
não conseguiu – nem teve como – ver a cara de todos eles, limitando-se a tentar
se proteger dos golpes infligidos pelos seus agressores, mas sem sucesso.
Outrossim,
foi pelas respostas do próprio recorrente/arguido A, que o tribunal a quo, assim como esta instancia tomou
conhecimento que, “eles se meteram
em fuga, depois que o seu comparsa prófugo, Y desferiu o golpe derradeiro com o caco de garrafa que atingiu o
peito do ofendido X. E que, a dada
altura, o ofendido os perseguiu até a rua da SISTEC, onde o mesmo, também,
apanhou um caco de garrafa e desferiu contra a parte esquerda da cabeça seu
comparsa, co-arguido B, atingindo-o
na região da orelha, o que fez com que se reiniciasse às agressões contra
aquele. E que, quando alguns populares acudiram àquele local conseguiram
agarrar, por uns instantes, o seu comparsa, co-arguido B, mas ele e os demais comparsas escapuliram dali, pela segunda vez.” (fls. 34v)
Para além
disso, foi o próprio recorrente/arguido A
que em suas respostas afirmou, não saber explicar se os seus comparsas
receberam os meios do ofendido, “um telefone e uma
carteira de bolso onde continha o valor monetário de kz.3.000.00. (três mil
Kwanzas)”.
Em tudo isto, nesta instância imperam as
seguintes perguntas:
Passados mais de 65 dias da data dos factos,
como o recorrente/arguido A sabia com
precisão os artigos
retirados violentamente ao ofendido?
Com que motivo é que o recorrente/arguido A, durante todo o seu interrogatório,
negou, de forma contraditória, ter agredido fisicamente o ofendido?
Ou melhor, alegando que após os seus comparsas
Y e B interpelarem o ofendido com dois intensos e violentos golpes de
bofetadas da cara que… ora, “ele ficou apenas
a observar os seus comparsas a agredirem o ofendido”, ora “ele observou os
seus comparsas a agredirem o ofendido e os aconselhou a pararem com agressão,
mas sem sucesso”, e ora “ele saiu daquele local logo que os seus comparsas começaram a
agredir o ofendido.” (fls. 34v, 115)
Desafortunadamente, o recorrente/arguido A esqueceu-se que em autos de acareação
e em plena audiência de julgamento, o ofendido X afirmou e reafirmou na frente deles, sem hesitação, ter sido agredido
e assaltado pelo comparsa do recorrente, co-arguido B e mais três indivíduos, num total de quatro pessoas e que, naquele
momento, nenhum deles ficou apenas a observar a agressão dos outros. Isto é, no
momento da agressão, naquele local haviam os 4 agressores (recorrente/arguido A, co-arguido B e os prófugos Y e Z) e 1 agredido (ofendido X). E pelas declarações dos dois
arguidos, isto é, o recorrente/arguido A
e o seu comparsa, co-arguido B, este
facto se confirma na integra.
Tanto que, confrontado com essa realidade, o
recorrente/arguido A, não tendo
outra opção, admitiu nas suas alegações, ter estado no local do crime na
companhia dos seus comparsas, arrolados ao processo. (fls. 147, alegação n.º 55.º ab initio)
Com isto,
percebe-se claramente que o recorrente/arguido A está a faltar com a verdade por se contradizer nas suas respostas.
Então,
em que situação seria admissível a invocação do princípio in
dúbio pro reo a favor do
recorrente/arguido A?
A invocação
deste princípio a favor do recorrente/arguido A seria admissível, se ele não estivesse presente no momento em que
o ofendido X foi interpelado com os
dois violentos golpes de bofetada da cara, disferido pelos seus comparsas,
co-arguido B e o prófugo Y, na via pública às altas horas da
noite, para retirarem violentamente os seus pertences. O que não é o caso.
Em tudo isto, é notável o tamanho desejo que o
recorrente/arguido A tem de não ser
responsabilizado pela sua conduta ilícita. Pois, logo que se apercebeu da
gravidade da sua actuação e de seus comparsas, o mesmo escapuliu para parte
incerta, como se nada tivesse feito ou acontecido, até ao dia em foi notificado
para ser ouvido em autos de interrogatório, isto, no dia 28 de Maio de 2020,
passados mais de 65 dias após a data dos factos. E ao ser ouvido, tudo fez para
enfraquecer a gravidade da sua actuação e ser ilibado. (fls. 34v, 37)
Assim, surgem ainda as seguintes perguntas: se
nada fez, nem de nada temia: porquê o
recorrente/arguido A fugiu após o
derradeiro golpe do caco de garrafa no peito do ofendido? O que ele fez no
momento para ajudar o ofendido ferido, todo ensanguentado? Apenas o recorrente/arguido A poderia esclarecer tais perguntas. Mas,
no entanto, o mesmo não o fez até ao preciso momento.
Entretanto, graças à boa atenção que o ofendido
X no momento do roubo, foi possível a detenção do co-arguido B, por tê-lo reconhecido no banco de
urgência do Hospital Geral Dr. A. A. Neto, quando estava a ser prestado os
primeiros socorros do ferimento resultante da agressão por si protagonizada. E,
em consequência disso, foi possível a localização e também a detenção do
recorrente/arguido A, no dia 30 de
Julho de 2020, por força do despacho de pronuncia. (fls. 72v)
Por outro
lado, embora nos factos dados como provados, nada conste sobre os autos de
apreensão, de exame directo e laboratorial elaborado ao instrumento usado pelo
comparsa prófugo do recorrente/arguido A,
Y, para atingir o ofendido X, pode-se extrair das próprias respostas
do recorrente/arguido A, e das
declarações das demais partes, que se trata de um gargalo de uma garrada de
cerveja Ngola partida. Isto é, as garrafas de
cerveja Ngola são de vidro com a capacidade de 33ml. Elas têm um gargalo estreito
ou boca (o setor de onde sai o líquido), que permite servir o seu conteúdo em
um copo ou taça com facilidade, tendo uma tampa ou rolha da garrafa que permite
ser aberta e fechada de acordo com a necessidade.
A parte do gargalo da garrafa partida, por ser afiada, é usado comummente
como instrumento de agressão física, que causa lesões corporais graves ou até a
morte da pessoa ofendida. A sua
perigosidade é manifesta e não carece de ser demostrada, pois tão comum ela é
usada nos crimes de roubo perpetrados por muitos populares desta comunidade.
Os pertences
do ofendido X retirados
violentamente pelo recorrente/arguido A e companhia não foram recuperados por
terem sido levados por eles, no momento em que se meteram em fuga. E, de acordo
com as declarações do ofendido X constou
se tratar de um telemóvel de marca Galax S3 de cor branca, avaliado em vinte e
oito mil kwanzas (kz.20.000,00) e uma carteira de bolso, avaliada em dois mil
kwanzas (kz.2.000,00). Acrescendo o valor monetário de três mil kwanzas
(kz.3.000,00) que se encontrava no interior da pasta de bolso. Tudo isto,
perfaz o valor total de trinta e três mil kwanzas (kz.33.000,00), os prejuízos materiais
causados pelo recorrente/arguido A e
companhia ao ofendido X.
A hora (por volta da
01h00 da madrugada), o local (via pública), a
brutalidade, a intensidade e a violência da agressão (golpes de socos, bofetadas e pontapés) e o instrumento usado (arma
branca - caco de garrafa) pelo
recorrente/arguido A e seus
compinchas, denunciam, sem margem para dúvida, a vontade deles quererem retirar
a força (violência e brutalidade) as coisas do ofendido. Denotando, assim terem agido com dolo.
Assim, com os factos dados como provados podemos
afirmar, com a certeza absoluta, que a conduta praticada pelo recorrente/arguido
A e companhia exige qualquer
condenação. Por isto, este tribunal
conclui que não
restam dúvidas de que a versão apresentada pelo ofendido X é a mais credível porque conseguiu, de forma coerente, provar o
facto de que o recorrente/arguido A na
companhia de seus comparsas, co-arguido B e os prófugos Y e Z, às altas horas
da noite na via pública, de forma concertada, brutal e violenta, o agrediram
fisicamente com recurso a um caco de garrafa para receberem indevida e
ilicitamente os seus pertences. (fls. 16, 16v, 17, 36, 37 e 120)
Logo, aqui chegados, resulta evidente não ter
havido por parte da decisão recorrido qualquer erro na valoração da prova, na
medida em que o acervo probatório acima transcrito, de acordo com as regras de experiência
comum e a luz do olhar de um homem médio demostram claramente a autoria do
crime por parte do recorrente/arguido A e seus comparsas.
*
b) 2. Do uso
injusto da atenuação extraordinária.
O recorrente/arguido A e o seu comparsa, co-arguido
B vêm acusados, pronunciados e condenados por um crime de Roubo Qualificado, por ter sido
cometido por mais de uma pessoa, com recurso a arma “branca” – caco de garrafa,
nos termos do art.º 435.º n.º 1 do C. P. de 1886, cuja moldura penal abstracta
corresponde a pena de prisão maior de 8 a 12 anos.
No entanto, o Tribunal “a quo” fazendo uso da
atenuação extraordinária, nos termos do art.º 94.º n.º 1 do mesmo diploma
legal, condenou-os, cada um, na pena de 3 anos e 10 meses de prisão maior.
Aqui chegados, esta instância constata que esta
questão levantada pelo recorrente/arguido A,
é, um tanto ou quanto, contraria da 1ª questão na medida em que ali requer a
sua absolvição, e aqui vem também impugnar o uso da atenuação extraordinária
pelo Tribunal a quo, que até certo ponto o beneficia. Ao que, nos caberá conhecer.
Passando
à questão em análise, ficou provado que, “na madrugada na madrugada do dia 23 de Março de 2020,
por volta das 01h00, o recorrente/arguido A
na companhia dos seus comparsas, co-arguido B e prófugos Y e Z interpelaram o ofendido X com duas valentes bofetadas da cara,
nas imediações das Bombas de Combustíveis denominada Estação Central. Acto
contínuo, o recorrente/arguido e companhia desferiram contra o ofendido,
violentos golpes de socos, bofetadas e pontapés com recurso a um caco de
garrafa, para retiraram das algibeiras do ofendido o seu telemóvel e a sua
pasta de bolso contendo os seus documentos e o valor monetário de kz.3.000.00.
e se meteram em fuga.”.
Justifica a acusação do Digno
Magistrado do Ministério Público contra o recorrente/arguido A e o seu comparsa, co-arguido B, na pratica do crime de Roubo
Qualificado, por ter sido praticado por mais de uma pessoa, com recurso a arma
branca (caco de garrafa) em lugar ermo, via pública.
Pois,
o crime de roubo com as circunstâncias do art.º 435.º do C. P. de 1886, se
consubstancia na subtração de coisa alheia, precedida ou acompanhada de
violência física ou de ameaças para com as pessoas.
Há
aqui dois elementos constitutivos neste delito complexo a considerar. Isto é, a
subtração da coisa alheia e a violência empregue pelo agente contra a pessoa,
dono da coisa. E é claramente que se verifica na actuação dos arguidos do caso
sub judice. (Ac. S.T.J, de 3
de Março de 1971; B.M.J., pag. 205, 123; art.º 432.º C. P. anotado, Maia
Gonçalves, pag. 741)
O Uso da violência
significa utilizar
a agressividade intencionalmente, ou seja, empregar a força
física e intimidação moral para ameaçar ou cometer algum ato violento que pode
acabar resultando em acidente, morte ou trauma psicológico. E, nos presentes
autos, verifica-se claramente que o recorrente/arguido A e companhia utilizaram da agressividade física intencionalmente
para retirar a força os pertences do ofendido X, quando o surpreenderam com os dois intensos golpes de bofetadas
e socos.
Assim, duvidas
não subsistem de que o recorrente/arguido A
e o seu comparsa, co-arguido B incorreram,
em co-autoria material e sob a forma consumada, na pratica de um crime de Roubo Qualificado, p. e p. pelo artigo 435.º
n.º 1 do C. P. de 1886, cuja moldura penal abstracta corresponde
a pena de prisão maior de 08 a 12 anos.
Na decisão recorrido conclui-se pelo uso
da atenuação extraordinária porquanto, para o efeito, o tribunal a quo, argumentou
que “as circunstancias agravantes superam as atenuantes, pelo que olhando para
o texto do art.º 84º do C. P. de 1886, não seria generosidade daquele tribunal
recorrer-se do art.º 94.º nº1 do mesmo diploma, atenuando extraordinariamente a
pena correspondente, substituindo-a pela menos gravosa, isto é, a de 2 a 8 anos
de prisão maior. Que apesar de se mostrar inadequada à acção por eles
protagonizada, entendeu aquele tribunal encontrar nela a pena concreta razoável
e suscetível de ressocializar os co-réus nos padrões da boa convivência,
devendo aplicar-se aos arguidos a pena de prisão maior de três anos e dez meses.”
Neste aspecto da
medida da pena, a decisão recorrida elenca como circunstâncias agravantes do
art. 34.º as dos n.ºs 1a (Ter sido cometido o crime com premeditação), 7a
(crime pactuado entre duas ou mais pessoas...) e 10ª (...cometido por
duas ou mais pessoas...).
Será que todas estas circunstâncias se
enquadram na conduta dos co-arguidos à data dos factos?
Ora vejamos. Embora o tribunal “a quo” não verificou se na
verdade tais circunstâncias se enquadram na conduta dos co-arguidos, este
tribunal constata que a circunstância agravante n.º 1.ª do art.º 34.º do C. P. de 1886
(ter sido cometido o crime com premeditação), não se verifica. Pois, embora o co-arguido B seja useiro e viseiro
neste tipo de conduta, nada há nos autos que nos conduza a afirmar ter o mesmo
e seus compinchas tomado o propósito criminoso e nele se mantiveram por, no
mínimo, 24h00, até à pratica do acto.
O acórdão do “então” Tribunal da Relação de
Luanda, exarou o seguinte:
“Era necessário
que se alegasse e se provasse ter o arguido formado o seu propósito homicida,
com pelo mesmo, a antecedência de 24 horas sobre a data do crime.”
“Nada disto consta dos autos que são omissos sobre a data da
formação do desígnio criminoso e da sua duração com continuidade em relação à
execução da conduta criminosa …”
“Uma vez que não pode ser dada como provado a existência de
premeditação, teremos que dar como assente que o arguido cometeu sem tê-lo
planificado com antecedência mínima de 24h00. (Acórdão proferido no proc. N.º
22953 de 2 de 10 de 1987)”
Realmente nos presentes autos, nada
encontramos que traduza o conceito de premeditação, nos termos expostos, porque
os factos provados de que “os co-arguidos e companhia
terem estado a conviver no bar da dona Bela, horas antes de assaltarem o
ofendido, com recurso a violência física e caco de garrafa,” não significa que eles tenham concebido e
estado com o propósito ilícito durante 24h00 de retirarem violentamente os bens
do ofendido. Os factos revelam que tudo aconteceu de repente. Os arguidos e
companhia de forma rápida e coordenada abordaram o ofendido, diferendo contra o
mesmo violentas e brutais golpes de socos, bofetadas e pontapés para retirarem
a força os pertences dele, por ter sido encontrado a andar sozinho na via
pública às altas horas da noite. Como bem diz o brocardo, “a ocasião fez os
ladrões”. Assim, descarta-se esta circunstância da conduta dos arguidos.
Quanto as circunstâncias n.º 7.ª (pactuado por
mais de uma pessoa) e 10a (...cometido por duas ou mais pessoas...), do art.º
34.º do C. P. de 1886.
O n.º 1 e § único
do art.º 40.º do mesmo diploma legal dispõe que as circunstâncias indicadas
como agravantes deixam de o ser quando a lei expressamente o considerar como
elemento constitutivo do tipo de crime.
Ora, o crime em
que os co-arguidos vêm acusados, julgados e condenados corresponde ao Roubo Qualificado
do tipo p. e p. pelo art.435.º n.º 1, por ter sido cometido por mais de umas
pessoas com recurso a arma “branca” – Caco de garrafa. Assim, as circunstâncias
7.ª e 10.ª do art.º 34.º deixam de ser agravantes da conduta dos co-arguidos
por respeito a regra do direito penal “ne bis in idem”.
E, segundo o Professor Eduardo
Correia, as regras aqui formuladas devem aplicar-se, também em relações às
circunstâncias atenuantes.
Assim,
consideram-se agravantes da conduta dos co-arguidos as circunstâncias n.ºs 11ª
(surpresa – quando de repente abordaram o ofendido com os dois valentes golpes
de bofetada...), 18a (...em estrada, via publica, próximo do Posto
de Abastecimento Central de combustíveis da Sonangol do Lubango), 19ª (...de
noite - altas horas da madrugada, por volta da 01h00 da manhã...) e 28a (...cometido
o crime de com manifesta superioridade em razão da arma “branca” "recurso
ao cacos de garrafa”) todas do art. 34.º do C. P. de 1886.
A favor dos co-arguidos militam as
circunstâncias atenuantes: 1ª (bom comportamento anterior - apenas quanto ao
recorrente/arguido A, pois nada consta
dos autos de que o mesmo já tenha sido condenado por algum ilícito criminal,
revelando ter um bom comportamento...), 6ª (imperfeito conhecimento do
mal do crime – apenas quanto ao recorrente/arguido A, por se constatar que o co-arguido B já ter sido julgado e condenado pela pratica de um crime da mesma
natureza), 9ª (espontânea confissão do crime - de forma parcial), e 23ª (...o
arrependimento, a baixa condição económica, o baixo nível de escolaridade e serem de humilde condição social), todas do art.
39.º do C. P. de 1886.
Nestes termos, contrabalançando as
circunstâncias agravantes e atenuantes acima elencada constata-se que o uso da
atenuação extraordinária nos termos do art.º 94º n.º 1 do C. P. de 1886 pelo
Tribunal a quo não foi indevido, principalmente para o recorrente/arguido A,
pois verifica-se um conjunto de circunstâncias atenuantes com apreciável
reflexo na determinação da pena.
3. Da aplicação
da lei no tempo.
Uma vez que, os factos reportados nos presentes autos, ocorreram
na vigência do C. P. de 1886, nos termos do art.º 2 n.º 1 “ab initio” do actual
C. P. P., lemos “sempre que as disposições penais vigentes no momento da pratica do
facto forem diferentes das estabelecidas em leis posteriores, aplica-se o
regime que concretamente se mostrar mais favorável ao agente”, há a
necessidade de se verificar qual o regime concretamente mais favorável.
No antigo diploma legal, a medida penal abstracta é a de prisão de
8 a 12 anos conforme determina o art.º 435º n.º 1. E, no actual, o art.º 402º
n.º 1, al. b) do actual C. P. pune o Roubo Qualificado com a pena de prisão de
3 a 10 anos.
Na determinação da medida da pena tem de se ter em consideração o
estatuído no art.º 84.º do anterior código e 70.º e 71.º do actual.
Na linha de
orientação formulado no corpo do art.º 84.º do C. Penal e também do actual art.º
71.º há que ter em consideração para aplicação da pena os seguintes elementos
subjectivos: a personalidade do agente, ao grau de culpa, ilicitude,
intensidade do dolo, exigências de prevenção geral e especial, bem como, as
circunstâncias agravantes e atenuantes exteriores ao tipo, já acima devidamente
expostas.
A personalidade do agente. Tendo em consideração a
gravidade do crime praticado pelo recorrente/arguido Ana companhia do seu
comparsa, co-arguido B, por si só, denota serem pessoas com caracter de personalidade
malformada e contrário aos valores morais e sociais, pois não pensaram duas
vezes, quando por meio da agressão física receberam a força às coisas do
ofendido X, evidenciando assim,
serem alguém de caracter violento, o que aumenta a censurabilidade das suas
condutas.
O grau de ilicitude é elevado,
considerando o bem jurídico protegido – o direito à integridade física e
a propriedade alheia, constitui uns dos direitos fundamental mais importante.
Eles encontram-se previstos na Constituição da República de Angola. A violação
do poder de facto que o detentor legitimo (ofendido) tem de guardar o objecto
do crime ou dispor dele e a substituição deste poder pelos arguidos de forma violenta,
constitui o crime de roubo. Neste caso, o que caracteriza a subtração é a
violação do poder de posse do detentor legitimo e a subsequente integração da
coisa na esfera patrimonial do agente ou terceira pessoa por meio de violência
física contra o legitimo detentor. (Prof.
Beleza dos Santos, Cód. Penal anotado pag. 691)
O grau de culpa é intenso por se tratar
de um dolo directo, além do que o Recorrente/arguido A e se comparsa,
co-arguido B, começaram por negar a sua atuação, embora, posteriormente,
tenham confessado parcialmente.
O dolo embora o consideremos dolo de
ímpeto, descontrolado em que a emoção ultrapassou a representação do crime e o
seu resultado, sendo assim directo e intenso.
A prevenção especial destaca a severidade
da conduta do recorrente/arguido e dos seus comparsas. Tal severidade é
reclamada, por se tratar de um crime que viola direitos fundamentais, gerador
de enorme alarme social e intranquilidade pública. Por isto, é necessário que
se tenha em consideração que a conduta dos arguidos provocou necessariamente um
trauma permanente à pessoa do ofendido, que de agora em diante, pensará duas
vezes em sair de casa ou honrar com determinados às altas horas da noite. Pois,
constitui expectativa legítima do cidadão, que os Tribunais garantam a integral
respeito pelos direitos fundamentais e devolvam à sociedade a merecida paz
social.
Tendo em conta aos elementos
anteriormente citados, julgar-se-ia adequada aplicação de uma pena situada
entre a média e a máxima abstractamente aplicável, isto é, a de prisão maior de
8 a 12 anos, onde se afixaria a pena concreta de 8 anos de prisão maior.
Com base aos dois diplomas, isto é, a
pena concreta de 08 anos de prisão maior, face ao antigo código e de 3 anos e
10 meses perante o código actual, que corresponde a moldura penal abstracta de
3 a 10 anos de prisão, conclui-se que a pena concreta aplicada pela primeira
instância, de 3 anos e 10 meses, se encontra dentro da moldura penal do regime
actual, o que se mostra mais favorável ao recorrente/arguido A.
Logo, ao tudo exposto, esta instância
conclui em não dar provimento ao recurso interposto pelo arguido A,
mantendo-se a decisão recorrida, com excepção do pagamento de emolumentos arbitrada
ao Mandatário Judicial constituído pelos arguidos, por violar o principio da
legalidade e acrescentar o nome completo do ofendido X na indemnização
solidária, a ser pagas pelos arguidos,
no valor de kz.33.000,00 (trinta e três mil kwanzas), que por mero lapso material
a Tribunal a quo não o mencionou. Assim, mesmo sem ter sido impugnado, esta
instância traz à colação a epigrafe da indemnização apenas para correção desse
lapso.
*
4.
D E C
I S Ã O:
Nestes termos e pelos fundamentos acima
expostos, os Juízes Desembargadores desta secção, acordam em julgar improcedente
o recurso, mantendo-se a decisão recorrida, excepto no pagamento de emolumentos
aos Ilustres Advogados.
Outrossim, determina-se que a indemnização
arbitrada na decisão da primeira instancia seja paga ao ofendido X.
Custas pelo recorrente/arguido A no mínimo, no
valor correspondente a 250 UCF. (art.º 150.º B. a) do C. C. J.)
NOTIFIQUE.
Lubango aos 16 de Junho de 2022.
Relatora:
Catarina Castro
1.º
Juiz Adjunto: Amadeu Carlos
2.º
Juíza Adjunta: Tânia André.