Processo
0073/2022
Relator
Dra. Catarina Castro
Primeiro Adjunto
Dr. Amadeu Carlos
Segundo Adjunto
Dra. Tânia André
Descritores:
Recurso Ordinário, Processo Penal 1ª Espécie, Tribunal da Comarca do Lubango - Tráfico de Menor Gravidade,
PROC.
N. º0073/2022
arguidos: AAA, m.i. fls. 4 ,15, 29
BBB, m.i. fls. 4,16,28.
A c ó r d ã o
Em nome do povo, acordam em conferência
os Juízes Desembargadores da Câmara Criminal deste Tribunal da Relação,
1. RELATÓRIO.
Na Segunda Secção B2 da Sala das Questões Criminais do Tribunal da
Comarca do Lubango, mediante processo de Querela do Ministério Público, foram os
arguidos AAA, solteiro, de 28 anos
de idade (à data dos factos), nascido aos 05 de Setembro de 1991, Negociante,
filho de XXX e de YYY, natural de Lubango, Huíla,
m. i. fls. 15, 29, 94 e BBB, casado,
de 54 anos de idade (à data dos factos), nascido aos 02 de Janeiro de 1965,
coordenador do Bairro, filho XXX e
de YYY, natural de Lunda Norte,
residente no, Lubango, Huila, m. i. fls. 16, 28 acusados e pronunciados como
autores materiais sob forma consumada na prática do crime de Tráfico de Menor Gravidade, p. e p.
pelo art.º 8.º nº 1 da Lei nº 3/99 de 6 de Agosto.
Realizado o
julgamento e respondido os quesitos que o integram foram, por acórdão
de 14 de
Julho de 2022, os arguidos condenados na pena de:
1.
Arguido: AAA
- 2 (dois)
anos de prisão;
- Kz 85.000,00 (oitenta e cinco mil
Kwanzas) de taxa de justiça;
2.
Arguido: BBB:
-
2 (dois) anos de prisão
-
KZ 85.000,00 (oitenta e cinco mil Kwanzas) de taxa de justiça
-
Kz 5.000,00 (cinco mil Kwanzas) de emolumentos a defensora oficiosa.
Desta decisão
interpôs recurso, os arguidos AAA, e BBB por intermédio
do seu Ilustre Mandatário Judicial, por inconformação da decisão condenatória.
No decurso do
prazo legal, o arguido AAA, apresentou as suas alegações para fundamentar
o pedido, concluindo nos seguintes termos:
“O tribunal “a
quo” deveria considerar a relevância do comportamento moral actual do
co-arguido e as circunstâncias atenuantes que militam a favor do co-arguido, nomeadamente
1ª” ausência de antecedentes criminais judiciários, 9ª (confissão espontânea dos factos); 22ª
(arrependimento); 23ª (encargos familiares); 23ª (humilde condição
sócio-económica) todas as do art.º 31º do Código Penal, e suspender a execução
da pena.
Todas as circunstâncias atenuantes acima
foram provadas durante a audiência de julgamento e justificam o uso do art.º
88º, do Código Penal, e consequentemente, a suspensão da execução da pena
aplicada.
Assim, requer o conhecimento e provimento
do presente recurso com a reforma da decisão do Tribunal a quo, por terem sido
dadas como provadas as circunstâncias atenuantes que militam a favor do reu,
que justificam o uso do artº. 88.º, do C.P. e, em consequência, a suspensão da
execução da pena aplicada”.
Igualmente, o arguido BBB,
por intermédio da sua representante legal, no decurso do prazo
legal, apresentou as suas alegações para fundamentar o pedido, concluindo nos
seguintes termos:
“Quando a ilicitude do facto é diminuída a
pena também será, pois se o agente abandonar voluntariamente a sua actividade,
afastar ou fizer diminuir consideravelmente o perigo por ele causado, impedir
ou se esfoçar seriamente para impedir que resultado que a lei quer evitar se
verifique ou auxiliar corretamente no caso de grupos organizações ou
associações, pode a pena ser-lhe extraordinariamente atenuada. Art.º14º da lei
33/99 de 6 de agosto.
Desta feita, que apena aplicada pelo
tribunal a quo seja revista pois trata-se de:
- Diminuídas quantidades de substancias,
- O arguido mostra-se fortemente
arrependido;
-Arguido primário;
- Presta serviços socias (coordenador do
bairro);
- Bom pai de família;
Estas atenuantes são em grande medida
superiores a quantidade e qualidade diante do único agravante, de ter sido
intermediário, pelo que o Tribunal deveria usar da benevolência e fazer o
devido enquadramento nos termos do art.º 14º parágrafo único da lei acima
referida.”
Admitido o recurso, o mesmo foi remetido à esta instância para sua
reapreciação.
Nesta instância, foram mandados seguir os termos de recurso por nada
obstar ao seu conhecimento.
Ao ter vista dos autos, o Digníssimo Magistrado Público, junto desta
Câmara, emitiu o seu douto parecer, consubstanciado resumidamente no
seguinte:
“Da matéria de facto provada com base
naquilo que se se produziu em julgamento confirma essencialmente a prática do
crime pelos arguidos BBB e AAA, tendo em conta a forma como
descreveram os factos com segurança e coerência lógica; não deferindo em nada
com os argumentos apresentados pelas testemunhas.
Assim, o facto invocado pelo arguido BBB de aparecer apenas como
intermediário, levou o Tribunal a quo a fazer a seguinte questão: por que razão
um senhor adulto, com experiência de vida como a que tem este arguido,
porquanto contava com 54 anos de idade na data dos facto, se prestaria a
adoptar um comportamento que bem sabia que era proibido e punido por lei e
ainda mais sem qualquer contrapartida?
Concluindo assim o Tribunal recorrente
que o arguido quis apresentar uma versão não verdadeira, porque a experiência
de vida nos dizque nenhuma pessoa com conhecimento e certamente experiência que
o arguido BBB adquiriu ao longo do
tempo seria capaz de adoptar aquela conduta sem qualquer contrapartida.
Pelo exposto, considera judiciosa a pena
aplicada, não havendo razões para atenuação extraordinária e nem tão pouco para
a suspensão da pena.”
Outrossim, a alusão insistente da
recorrente do arguido BBB ao art.º
14º do diploma aplicado para se fixar a pena, para justificar a atenuação
extraordinária não colhe, porque o mesmo na sua descrição não inclui o artigo.
8º.
Efectivamente apontam-se mais
atenuantes que agravantes. Porem, corroboramos com o argumento do Tribunal a
quo, quando procura justificar a pena efectiva, invocando a prevenção geral,
com a constatação de que práticas desta natureza, estão a ser frequentes na
cidade do Lubango.
Com estes fundamentos consideramos
judiciosa a pena aplicada, não havendo mais razões para a sua suspensão.”
Assim, em conformidade com as disposições
conjugadas dos art.º 460 e 463º nº 1 al. b) ambos do C. P. P., este Tribunal
“ad quem” admitiu o recurso, por ser legal, legítimo e tempestivo, devendo ser
tramitado, em algumas fases, como de agravo em material cível, subindo nos
autos com efeito suspensivo, por ter sido interposto sobre a decisão
condenatória. (469.º e 471.º, al. a) C.C.P)
a) QUESTÕES PREVIAS:
Tendo em conta a função didática
que este Tribunal da Relação deve necessariamente assumir, antes de nos pronunciarmos
sobre o objecto do recurso propriamente dito, incumbe-nos tecer
algumas considerações, quanto aos requisitos da sentença no cumprimento do
disposto no art.º 450º do C.P.P de 1929, uma vez que os factos aqui reportados
ocorreram aquando da vigência desse diploma legal. (art.º 417º do C.P.P.)
Ao acórdão
proferido pelo Tribunal da primeira instância, temos a abordar que, a
estrutura externa utilizada na elaboração da sentença obedece, minimamente, ao estabelecido na lei, por se apresentar, um
tanto ou quanto conforme ao que aquele preceito legal solicita, designadamente,
a identificação completa dos recorridos, a indicação dos factos de que os
recorridos vêm acusados, a indicação dos factos que se julgaram provados, a
indicação da lei penal aplicável, a condenação da pena aplicada, o imposto de
justiça e a data.
No entanto, esse tribunal omitiu
no acórdão a assinatura de um dos
juízes assessores que a proferiram. (fls. 94, 95 e 96) .
Outrossim, diremos ainda que "a fundamentação das decisões judiciais
é, num Estado Democrático e de
Direito, uma verdadeira fonte de legitimação. A decisão é legítima só e na
medida em que está racionalmente fundamentada. Porque não estamos perante um
poder arbitrário ou baseado numa lógica de autoridade indiscutível é que se
impõe a fundamentação.
O titular do poder de decisão não dispõe
deste, a seu bel-prazer e presta contas do exercício deste perante os
destinatários do mesmo através da fundamentação, visto que ela desempenha
várias funções, designadamente:
Primeiro: a de convencer os destinatários da sentença e
a comunidade em geral da correcção e justiça da decisão. Pode tal objectivo não
ser atingido, mas há que tentar sempre o atingir, porque só assim se cimenta a
verdadeira autoridade, que se distingue do autoritarismo e da arbitrariedade.
Segundo: a de permitir ao tribunal superior e aos
sujeitos processuais o exame do processo lógico e racional que lhe subjaz, o
caminho mentalmente percorrido até se chegar à decisão, possibilitando, assim,
a interposição e o conhecimento dos recursos. Viola claramente os princípios
estruturantes de um Estado Democrático e de Direito a prática de restringir ao
mínimo a extensão e alcance da fundamentação para «não abrir as portas ao
recurso».
E por
último, Terceiro: ao de favorecer o
autocontrolo e a ponderação da parte do próprio órgão que decide. Quem tem de
fundamentar o que decide, com menos probabilidade decidirá precipitadamente e
não pensará duas vezes antes de decidir. (Drs. António Latas, Jorge Duarte e Pedro
Patto, Direito Penal e Processo Penal - Tomo I, pag. 308, Manual de Apoio ao
Curso M3, CEJ)
No caso subjudice
verifica-se que o enquadramento legal não foi devidamente fundamentado pelo
tribunal “a quo”, o que é necessário para que se identifiquem os elementos
objetivos e subjetivos da conduta dos arguidos que tipificam o crime que lhes é
imputado.
Como é
sabido, os fundamentos dos recursos devem ser claros e concretos, pois aos
Tribunais Superiores não incumbem averiguar a intenção dos recorrentes, mas sim
apreciar todas as questões submetidas ao seu exame.
*
2. OBJECTO DO RECURSO:
O âmbito
do recurso é aferido e delimitado pelas conclusões formuladas na respectiva
motivação, sem prejuízo da matéria de conhecimento oficioso do Tribunal
Superior. Pois, diferentemente dos processos cíveis, em que
domina o princípio do dispositivo das partes e os tribunais só podem conhecer
das questões que lhes são submetidas, nos processos penais, vigora o princípio
do conhecimento amplo do recurso, partindo da ideia de que o seu objecto legal
é a decisão recorrida e não a questão por ela julgada, ainda que o recorrido
restrinja o objeto do recurso, devido à finalidade de interesse público que ela
visa alcançar. (art.º 464.º n.º 1 do CPP e Manuel Simas CCC, Recursos Penais em Angola, pag.77)
Nestes
termos, da leitura atenta dos autos, sem prejuízo das nulidades ou excepções de
conhecimento oficioso, permite-nos definir como objecto de recurso as seguintes
questões a conhecer:
1. Nulidade por falta da assinatura dos Juízes no acórdão, nos termos do 450.º n.º 7
do C.P.P. de 1929, em conjugação com o art.º 668.º n.º1, al. a) do C. P. C. (417.º n.º 4 al. f)
do C. P. P.).
2.
Apreciação do recurso por forma a verificar se há atenuação extraordinária nos termos do art.º 14.º da lei nº 3/99 de
6 de Agosto e se a ilicitude do facto é diminuída, fundamentando, no entanto,
melhor o tipo legal do crime.
*
3. FUNDAMENTAÇÃO:
Aqui chegados, cumpre-nos, primeiramente, apreciar e decidir das nulidades ou excepções do conhecimento
oficioso.
3.1. Falta da
assinatura dos demais Juizes.
Pese embora no tribunal colectivo, o acórdão seja lavrado e assinado
pelo Juiz Titular do Processo que o preside, deve ser, também, assinado por
todos os Juízes que compõem o tribunal e nele intervieram. (art.º 472.º do CPP de 1929)
O C. P. P. de 1929 não estabelece o regime das nulidades de sentença ou
acórdão, sendo-lhes aplicáveis o regime estabelecido nos artigos 417.º a 426.º.
do actual C. P. P em conjugação com o art.º 668.º do C. P. C. ., em caso de
omissão da matéria naquele código.
Como requisitos da sentença, dispõe o art.º 417.º n.º 1 do C.P.P., que
ela é constituída por relatório, fundamentação e dispositivo. No seu n.º 4 al.
f), estabelece que na parte dispositiva, remata-se a sentença, com a data e a
assinatura dos juízes que a proferiram. A falta de qualquer um destes
requisitos importa nulidade formal ou substancial da sentença ou acórdão. (art.º 668.º do C.P.C. anotado, vol. V, pag. 136,
137, Prof. Alberto dos Reis)
Assim, quanto à assinatura do Juiz ou dos Juízes que proferem a
sentença ou acórdão é necessário atender ao regime estabelecido no nº 2 “ab
initio” do art.º 425.º do C.P.P., onde lemos: “É permitida ao
Tribunal, oficiosamente ou a requerimento, suprir nulidades, nos termos do
art.º 143.º n.º 5.
Entretanto, constata-se nos autos “sub
judice”, a acta da audiência de julgamento de fls. 86, que constituem Juízes
assessores, Dr. Agnaldo Bartolomeu e Dr. Anacleto Kambuta. Mas
desafortunadamente em fls. 91 e 92, apercebemo-nos da falta da assinatura de um
dos juízes assessores, tal como, em fls. 94, 95, e 96.
A falta das assinaturas dos Juízes
Assessores no acórdão proferido, até ao momento da subida dos presentes autos à
esta instância, o Tribunal “a quo” não supriu oficiosamente esta nulidade
conforme dispõe o artigo acima mencionado.
Logo, por tal omissão, acarreta a nulidade do acórdão proferido pelo
tribunal “a quo”. (arts. 716.º n.º 1 e 668.º do C. P. C. anotado,
vol. V, pag. 136, 137, Prof. Alberto dos Reis)
No entanto,
impõe-se o suprimento das nulidades verificadas, na medida em que, dispondo dos
elementos necessários a uma decisão justa e equitativa, este Tribunal está em
condições de o fazer nos termos dos artigos 425.º n.º 2 e 143.º n.º5 do C. P.
P. e 715º e 753.º nº1 do C. P. Civil, em obediência ao princípio da economia do
juízo. Isto é, ao invés do processo baixar à primeira instância para o
respectivo Juiz suprir o vício ou vícios, o que importaria desperdício de tempo
e de actividade, pois que corrigida a nulidade os autos teriam de subir
novamente à Relação. Assim, este Tribunal julga, desde já, suprida tal
nulidade.
3. 2. Apreciação
do recurso de forma a verificar
se há atenuação extraordinária nos
termos do art.º 14.º da lei nº 3/99 de 6 de Agosto e se a ilicitude do facto é
diminuída.
Agora, cumpre-nos
apreciar e decidir o mérito da causa resultantes das conclusões.
Por parecer-nos relevante para decisão,
iremos transcrever a matéria de facto provado e não provado do acórdão
recorrido.
Dos Factos Provados:
*No pretérito dia 17 de Setembro de 2019,
por volta das 14:00, nesta cidade do Lubango, no bairro
Comercial urbano, no Edifício Agroveth, uma equipa de
policia nacional, flagrou o arguido AAA em posse de quatro porções de uma
substância sólida de cor branca, que estavam envolvidas num papel higiénico.
A
equipa da Policia era composta pelos agentes, Alfredo Tchissanda, Aldair
Rodrigues e Francisco Casimiro
Submetida a substância a exame apurou-se que se tratava de um grama da
droga do tipo crack, considerada um tipo de droga pesada capaz de alterar o
sistema nervoso central de qualquer ser humano. Fls. 10 a 14 dos autos.
Na data dos factos, o arguido AAA procedeu a entrega de para a
aquisição da droga o arguido AAA
entregava os valores monetários ao co-arguido BBB e este por sua vez, adquiria a droga a um tal individuo
identificado apenas por CCC 9.000,00
(nove mil kwanzas) foi usado na aquisição da droga, sendo que kz. 8.000,00(oito
mil kwanzas) foi usado na aquisição da droga e o valor de akz (mil kwanzas) foi
usado pelo arguido BBB para apanhar
táxi.
Cada porção da droga era adquirida ao preço de akz 2.000,00 (dois mil
kwanzas) e o arguido AAA
comercializava a akz 3000,00 (três mil kwanzas)
O
arguido BBB já adquiriu a droga para
o arguido AAA comercializar por três
vezes
Os arguidos tinham conhecimento da intermediação de venda, a venda e
consumo de drogas é proibida e punida por lei, porém movidos pela ambição de
conseguir dinheiro fácil à custa do sofrimento alheio, decidiram adotar tais
condutas de forma livre e consciente.
Os arguidos confessaram os factos e mostraram arrependimento.
Dos Facto não provados
Não constam dos autos factos dados como
não provados.
Da decisão:
Tendo sido os arguidos AAA e BBB condenados na
pena de 2 anos de prisão, kz.85.000.00 (oitenta e cinco mil kwanzas de taxa de
Justiça e o arguido BBB condenado
ainda no pagamento de kz.5.000.00 (cinco mil kwanzas de emolumentos ao defensor
oficioso.
Entretanto,
nos autos sub judice consta-se que, no dia 17 de setembro de 2019, por volta
das 14 horas na cidade do Lubango, no bairro Comercial Urbano, próximo ao
edifício Agroveth, o arguido AAA,
foi flagrado por uma equipe da policia nacional, com quatro porções de uma
substancia sólida de cor branca, envolvidas num papel higiénico, que foi
submetida ao exame tento apurando-se tratar-se de um grama de Droga do tipo Crack
cuja mesma era adquirida através do co-arguido BBB. (fls.15, 28 e 87)
a) Será que se verifica a atenuação
extraordinária nos termos do art.º 14.º da lei nº 3/99 de 6 de Agosto?
Ora vejamos.
Ao conhecermos este ponto teremos que
formular as seguintes questões: Será os
arguidos abandonaram voluntariamente sua actividade? Será que os arguidos diminuíram consideravelmente o perigo por eles
causados? Os arguidos auxiliaram
concretamente na recolha de provas decisivas para identificação ou captura de
outros responsáveis?
Quanto a
primeira questão: será que os arguidos
abandonaram voluntariamente sua actividade?
O abandono voluntário da actividade de tráfico de estupefacientes a que
se refere o art.º 14 da Lei n. 3/ 99, de 6 de Agosto, como fundamento da livre
atenuação da pena, abrange quer o abandono voluntário anterior à instauração do
processo criminal quer o posterior.
O objectivo da norma é obviar à continuação de uma actividade criminosa
que lesa interesses considerados fundamentais da vida em sociedade.
No entanto, consta
dos autos que foi graças a uma denuncia anonima, que foi possível a detenção
dos arguidos, por uma equipe de agentes da policia em serviço que flagrou o
arguido AAA nas imediações do bairro
Comercial urbano, cidade do Lubango, concretamente nas mediações do edifício agrovet,
com quatro porções de substância sólida de cor castanha, envolvidas num papel
higiénico em sua posse e, graças a detenção do arguido AAA foi possível deter o arguido BBB. (fls. 88v)
Para aquisição da droga o arguido AAA, por sua vez, fazia a entrega de
alguns valores monetários ao co-arguido BBB
e, este adquiria a droga num individuo identificado apenas por CCC. Tendo co-arguido AAA já adquirido a referida droga ao co-arguido
BBB por cerca de três vezes. (fls.
87)
Em tudo isto, denota-se claramente que
actividade dos mesmos se prolongava no tempo que apenas culminou com a detenção
dos mesmos. Logo, conclui-se que os arguidos não abandonaram a sua actividade
ilícita voluntariamente.
Quanto a
segunda questão: “Será que os arguidos diminuíram
consideravelmente o perigo por eles causados?”
A incriminação do
tráfico (de estupefacientes e precursores) e outras atividades ilícitas visa
proteger a saúde pública, “a segurança
e a qualidade de vida dos cidadãos”. Ainda que não seja objeto imediato
da proteção penal, visa também proteger “a
economia legal, a estabilidade e a segurança do Estado”.
As drogas
psicotrópicas ou psicoactivas, assim como as drogas estimulantes, criam adição
e, por isso, são especialmente daninhas para a saúde dos consumidores e,
reflexamente, para a saúde pública.
Os arguidos AAA e BBB, comercializaram “a crack, sendo que esta, pelo seu potencial
de danosidade a saúde dos consumidores e poder de adição, são tradicionalmente,
referidas como «drogas duras»”.
“Estando ao nível
do «tráfico de menor gravidade» e tendo os arguidos actuado usando um “modus
operandi” comum a este tipo de venda de estupefacientes: comunicando com os
clientes/consumidores por telemóvel, marcando encontro nos locais da cidade
onde desenvolviam a suas actividades até que foram detidos e disso
viveram. Como em qualquer mercado (no
sentido económico do termo) este tipo de tráfico não deixa de ser o que, com
grande frequência, assegura que o «produto» encontre o «consumidor», que é
justamente o que se pretende obviar com a penalização do tráfico de
estupefacientes.
Desde uma data
não concretamente apurada, mas, pelo menos, por três vezes, o arguido 0
intermediou a venda de crack ao arguido AAA
e este por sua vez colocou a disposição de seus clientes/ consumidores, com
propósito de obterem lucros resultantes da diferença existente entre o preço de
compra e o preço de venda de tais produtos.
No entanto, no
desenvolvimento da actividade de compra e venda da substância(crack), mediante
plano perviamente acordado entre ambos arguidos, de forma regular, adquiriam o produto
em causa na cidade a um individuo identificado por ambos apenas por CCC, cuja residência, afirmam, não conhecer,
mas apenas o bairro.
Assim, não se
verifica nenhuma diminuição do perigo causado pelos arguidos, tendo em conta a
perigosidade desta substância pois, actividades do género têm sindo frequentes
nas artérias da cidade, tudo para obtenção de dinheiro fácil em detrimento de
terceiros.
Quanto a
terceira questão: “Será que os arguidos auxiliaram concretamente na
recolha de provas decisivas para identificação ou captura de outros
responsáveis?”
Atento aos depoimentos, apresentados por
todos intervenientes no processo, por sua vez o co- arguido BBB referiu apenas que intermediou o
negocio, sem qualquer beneficio, servindo apenas de um meio de ligação entre o Sr.
CCC fornecedor e AAA, por este ser considerado menor. (fls.
88)
Outrossim constata-se dos autos que a
detenção do co-arguido BBB só foi
possível graças a colaboração do co-arguido AAA, que depois de efectuarem a detenção do mesmo, este ligou ao
co-arguido BBB pedindo mais substâncias,
graças as características fornecidas pelo arguido AAA conseguiram reconhecer o arguido BBB quando descia do prédio em direcção a retunda dos Laureanos,
feita a detenção foram até a fonte no bairro Dack Doy (Machiqueira) o arguido BBB ligou para fonte, passado algum
tempo a fonte apercebeu-se da presença da policia e colocou-se em fuga. (fls. 88v e 89)
Assim, vislumbra-se claramente que
estamos diante de co-arguidos confessos, desde as declarações prestadas em sede
de primeiro interrogatório até em sede de audiência de discussão e julgamento,
tendo em conta o modo e a forma como descreveram os factos, que não deferiu com
nada com os argumentos apresentados pelos declarantes e as testemunhas.
Em tudo isto, quanto a atenuação
extraordinaria das penas nos termos do art.º 14.º da lei nº 3/99 de 6 de Agosto
julga-se que não é de se
colher, porque as situações previstas no art.º 14 da lei em referência, fazem menção que: Se, nos casos previstos nos artigos 4.º,
5.º, 6.º e 11.º da presente lei, o agente abandonar voluntariamente a sua
actividade, afastar ou fizer diminuir consideravelmente o perigo por ele
causado, impedir ou se esforçar seriamente por impedir que o resultado que a
lei quer evitar se verifique, ou auxiliar concretamente na recolha de provas
decisivas para a identificação ou captura de outros responsáveis,
particularmente no caso de grupos, organizações ou associações, pode a pena ser-lhe extraordinariamente atenua.
Assim, alusão insistente
do recorrente do arguido BBB ao
artigo 14.º da lei n.º 3/99 de 6 de Agosto, para se fixar a pena e justificar a
atenuação extraordinária não colhe, pois este mesmo artigo não faz menção das
situações previstas no artigo 8.º da lei acima referida.
b) Reapreciação da decisão recorrida quanto a sua
alteração se a ilicitude de facto for diminuída.
Os arguidos AAA e BBB vêm acusados pronunciados e
condenados pela prática de um crime Tráfico
de Menor Gravidade, p. e p. pelo art.º 8.º nº 1 da Lei nº 3/99 de 6 de
Agosto, cuja moldura penal abstrata corresponde a pena de prisão maior de 2 a 8
(dois a oito) anos. Tendo sido os mesmos
condenados nas penas de 2 (dois) anos de prisão e Kz 85.000,00
(oitenta e cinco mil Kwanzas) de taxa de justiça. E, ainda o arguido BBB no
pagamento de
Kz 5.000,00 (cinco mil Kwanzas) de emolumentos a defensora oficiosa.
Do ponto de
vista legal o tráfico de menor gravidade é, um tipo privilegiado, previsto no art.º 8.º,
da lei n.º 3/99, de 06 de Agosto, que se situa entre o crime
de tráfico simples e o tráfico agravado, sempre que, nos casos descritos
nos art.ºs 4.º e 5.º, daquela lei n.º 3/99, a ilicitude se mostrar
consideravelmente diminuída, tendo, em conta, nomeadamente, os meios
utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a quantidade
ou a qualidade das plantas , substâncias ou preparações, o tráfico
é punido com prisão de 2 a 8 anos , se compreendidas nas Tabelas I a III
, V e VI ou até 2 anos ou multa correspondente se compreendidas na
Tabela IV , anexas a Lei n.º 3/99 de 6 de Agosto.
A ilicitude
exigida no tipo legal de crime de tráfico de estupefacientes de menor
gravidade é, ou tem de ser, não apenas diminuída, mas mais do que isso,
consideravelmente diminuída, pelo desvalor da acção e
do resultado, funcionando, exemplificativamente, “os meios
utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a quantidade
ou a qualidade das plantas, substâncias ou preparações” como os factos - índice a atender numa
valoração global, não isolada, de que a configuração da acção
típica não prescinde, em que a quantidade não é nem o único e nem eventualmente,
o mais relevante.
Será que a ilicitude do facto é diminuída?
Na vigente incriminação de trafico de menor gravidade o legislador
limitou-se a fornecer, exemplificativamente, alguns indicadores que podem
traduzir-se na considerável diminuição da ilicitude.
Assim, na tarefa de concretizar outros indicadores a jurisprudência
tem apontado os seguintes elementos: actuação individual ou em pequena
entreajuda; sem que sejam utilizados meios sofisticados; que não seja exercida
como modo de vida; ausência de lucros ou
vantagens; os proventos obtidos financiarem consumos próprios e de familiares
ou equiparadas; pequenas carteiras de compradores ou consumidores; curto
período de tempo ocasionalidade do tráfico; não implicação de familiares não
utilizar colaboradores; pequena e circunscrita territorialidade da actividade;
inexistência de contactos internacionais; não concorram circunstâncias que
agravam a punição do tráfico. Porém estas circunstâncias, por si só, regra
geral, não são suficientes para diminuir consideravelmente a ilicitude do
tráfico.
Entretanto, para
que o tráfico possa integrar o tipo privilegiado previsto no art.º 8.º nº 1 da
Lei nº 3/99 de 6 de Agosto, não basta que o desvalor da conduta se situe ao
nível inferior do barómetro da ilicitude do crime de tráfico e outras
actividades ilícita previsto no art.º 4.º da Lei nº 3/99 de 6 de Agosto.
É indispensável
que a ilicitude se apresente com uma diminuição de tal ordem que deva ter-se
por consideravelmente diminuída, haverá de se proceder a uma valorização global
do facto, não devendo deixar de sopesar todas e cada uma das circunstancias a
que alude aquele artigo, podendo juntar-lhe outras. Como se faz referencia
acima. Se assim não se apresentar, o grau mais baixo da ilicitude do tráfico
influirá na determinação da medida da pena.
Ora, no caso em apreço, tendo em conta as circunstâncias
em que os factos ocorreram, diminuem consideravelmente a ilicitude dos Arguidos;
O art° 8°
pressupõe por referência ao tipo fundamental, que a ilicitude do facto se
mostre "consideravelmente diminuída" em razão de
circunstâncias específicas, mas objectivas e factuais, verificadas na acção
concreta, nomeadamente os meios utilizados pelos agentes, a modalidade ou as
circunstâncias da acção, e a qualidade ou a quantidade dos produtos;
A quantidade de
droga é um dos factores determinantes de aferição da diminuição da ilicitude
prevista no art.° 8.° da lei 3/99 de 6 de Agosto que tem como fonte o Art.° 4.° do mesmo
diploma. Porém, consta dos autos que a
quantidade apreendida corresponde a 1 grama de crack e, a quantidade total de
droga vendida são diminutas.
Resultou provado que, o co-arguido BBB era apenas intermediário na
aquisição do crack cujo mesmo adquiria a um individuo identificado apenas por CCC e, na data dos factos o co- arguido
AAA procedeu a entrega de kz
9.000,00 (nove mil kwanzas) para o o arguido BBB adquirir a mesma substancia
A ilicitude do facto
consideravelmente diminuída, não releva apenas da quantidade, mas ainda da
qualidade, dos meios utilizados, da modalidade e circunstâncias da acção. Não
se vislumbra sinal exterior de riqueza, que possa deduzir que retirava grandes
proveitos da venda de droga.
A actividade dos
arguidos se prolongava no tempo, pois foi graça a uma denuncia anónima, foi
possível deter os agentes.
Os meios utilizados eram escassos, as entregas
eram feitas em casa ou em locais previamente acertados.
Analisado
os factos reportados nos autos, está claramente assente que no dia 17 de setembro de 2019, por volta das 14 horas, na cidade do Lubango,
no bairro Comercial Urbano, próximo ao edifício Agroveth, o arguido AAA, foi flagrado por uma equipe da
policia nacional, em posse de drogas envolvidas num papel higiénico.
Na data dos
factos recebeu a droga do co- arguido BBB
que por sua vez, fez a entrega de kz 9.000,00(nove mil kwanzas) para aquisição
da mesma, que lhe foi entregue pelo senhor PPP,
desta quantia monetária adquiriu as três porções de droga no valor de kz
2.000,00(dois mil kwanzas) cada, assim o remanescente de kz 3.000.00(três mil
kwanzas) era seu lucro. Portanto já adquiriu por três vezes a mesma substância
do co-arguido BBB. (fls. 87)
Atento aos
depoimentos, apresentados por todos intervenientes no processo, por sua vez o
co- arguido BBB referiu apenas que
intermediou o negocio, sem qualquer beneficio, servindo apenas de um meio de
ligação entre o Sr. CCC fornecedor e
AAA, por este ser considerado menor.
(Fls. 88)
Outrossim
consta dos autos que a detenção do co-arguido BBB só foi possível graças a colaboração do co-arguido AAA, que depois de efectuarem a
detenção do mesmo, este ligou ao co-arguido BBB pedindo mais substâncias, graças as características fornecidas
pelo arguido AAA conseguiram
reconhecer o arguido BBB quando
descia do prédio em direcção a retunda dos Laureanos, feita a detenção foram
até a fonte no bairro Dack Doy (Machiqueira) o arguido BBB ligou para fonte, passado algum tempo a fonte apercebeu-se da
presença da policia e colocou-se em fuga. (Fls 88v e 89)
Pelo
exposto, vislumbra-se claramente que estamos diante de co-arguidos confessos,
desde as declarações prestadas em sede de primeiro interrogatório até em sede
de audiência de discussão e julgamento, tendo em conta o modo e a forma como
descreveram os factos, que não deferiu em nada com os argumentos apresentados
pelos declarantes e as testemunhas.
Como reportam os autos, este tribunal constacta que não há
qualquer sombra para duvidar de que o arguido AAA e o arguido BBB realmente são intermediários no
crime em que vêm acusados e condenados.
Da medida da pena.
O crime de tráfico de
estupefaciente de menor gravidade é punido
com a pena de prisão maior de 2 a 8 anos de prisão maior.
Na linha de orientação formulado
no corpo do art.º 70.º do C. Penal, há que ter em consideração para aplicação
os seguintes elementos subjectivos: a personalidade do agente, o grau de culpa,
ilicitude, bem como, as circunstâncias agravantes e atenuantes exteriores ao
tipo. já acima devidamente expostas.
A personalidade do agente. Tendo em
consideração a gravidade do crime praticado pelos recorrentes/arguidos AAA
e BBB, por si
só, denota serem pessoas com caracter de personalidade malformada e contrário
aos valores morais e sociais, pois não pensaram duas vezes, quando movidos pela
necessidade e ambição de conseguir dinheiro fácil, praticar atos lesivos a
saúde e a própria segurança do Estado, por meio do trafico de drogas.
O grau de ilicitude é elevado, considerando que a incriminação do tráfico de estupefacientes
e outras atividades ilícitas visa proteger a saúde pública, a segurança e a qualidade de vida dos
cidadãos. Sendo que o direito a saúde
constitui uns dos direitos fundamental mais importante.
Ele encontra-se previsto na Constituição da República de Angola.
O grau de culpa é baixo, pois não se verifica qualquer agravante, além do
que, os Recorrentes/arguidos AAA e BBB, tenham confessado os factos a si imputados,
tendo demostrado arrependimento e serem de modesta condição social.
O dolo embora o consideremos dolo de ímpeto, descontrolado em que a ambição
de conseguir dinheiro fácil, elevou aqui os arguidos AAA e BBB,
optassem pela prática do tráfico.
A prevenção especial visa intimidar as pessoas
afectas a comunidade de onde os arguidos AAA
e BBB são oriundos, afastando-as das praticas de
crimes mediante ameaça penal decorrente não só dessa aplicação como da execução
da pena.
A pena aplicar
deverá servir em primeiro lugar como instrumento de actuação preventiva sobre
os arguidos AAA e BBB, para que tomem a consciência da
relevância da proibição jurídico-penal e jamais voltem a cometer crime
Em termos de prevenção geral, a severidade é reclamada, por se tratar de
um crime que viola direitos fundamentais, gerador de enorme alarme social e
intranquilidade pública.
É necessário que se tenha em consideração que as drogas
psicotrópicas ou psicoactivas, assim como as drogas estimulantes, criam adição
e, por isso, são especialmente daninhas para a saúde dos consumidores e,
reflexamente, para a saúde pública.
Constitui expectativa legítima do cidadão, que os Tribunais garantam a
integral respeito pelos direitos fundamentais e devolvam à sociedade a merecida
paz social.
Tendo em conta aos elementos anteriormente citados, julgar-se-ia adequada
aplicação de uma pena situada entre a média e a máxima abstractamente
aplicável, isto é, a de 2 a 8 anos de prisão maior.
No entanto, tendo sido o presente recurso interposto pelo arguido AAA
e pelo arguido BBB, por intermédio do seu Mandatário judicial, esta
instância vê-se limitada pelo principio da reformatio in pejus, em aplicar a pena acima mencionada, que se mostra mais ajustada e
adequada à conduta ilícita dos arguidos, porem de forma agravada.
Assim, para que os arguidos não vejam a sentença penal alterada em seu
prejuízo, esta instância entende manter a pena fixada na decisão do tribunal a
quo. Porém, considerando que o crime de
Tráfico de Estupefaciente de Menor Gravidade não está abrangido nas excepções
do disposto no n.º1 al. b) do art.º3.º em conjugação com o n.º1 do art.º 1
ambos da Lei n.º35/2022 de 23 de Dezembro, este tribunal julga em amnistiar o
crime cometido pelos arguidos.
4. D
E C I
S Ã O:
Nestes termos e pelos fundamentos aqui expostos, os Juízes Desembargadores
desta Câmara Criminal acordam em julgar
Amnistiado o crime cometido pelos arguidos BBB e AAA, nos termos do art.º1.º n.º1 da Lei n.º35/2022 de 23 de
Dezembro.
Passem mandados de soltura a favor dos arguidos AAA e BBB.
Notifique.
Lubango 24 de Janeiro de 2023.
Relatora-Dra. Catarina Castro
1.
Adjunto: Amadeu Carlos
2.
Adjunto:
Tânia André