Processo
0034/2022
Relator
Dra. Catarina Castro
Primeiro Adjunto
Dr. Amadeu Carlos
Segundo Adjunto
Dr. Adão Chiovo
Descritores:
Recurso Ordinário, Processo Penal 1ª Espécie, Tribunal da Comarca do Lubango - Homicídio Voluntário Simples
PROC.
N.º0034/2022
ARGUIdo: A M.I FLS.19
A c ó
r d ã o
Em nome do povo, acordam em
conferência os Juízes Desembargadores da Segunda Secção da Câmara Criminal
deste Tribunal da Relação,
1. RELATÓRIO:
Na 1.ª Secção da Sala das Questões Criminais do Tribunal
da Comarca do Lubango, mediante Querela do Ministério Público, foi o arguido A, solteiro, de 31 anos de idade (à
data dos factos), nascido aos 24 de Fevereiro de 1988, profissão motorista,
filho de X e de Y, natural do município Lubango, província da Huíla, residente
nesta cidade do Lubango bairro… Huila,
m. i. fls.19 e 32, acusado e pronunciado como autor material da prática de um
crime de Homicídio Voluntário Simples,
do tipo p. e p. pelo art.º 349.º do C. P. de 1886.
Realizado o julgamento e respondidos os quesitos que o
integram foi, por acórdão datado de 29 de Setembro de 2020, o arguido A condenado na seguinte pena:
- 14 anos de prisão maior;
- Kz. 50.000,00 (cinquenta mil Kwanzas) de taxa de
justiça;
- Kz 2.000.000,00 (Dois Milhões de Kwanzas) à
titulo de indeminização aos familiares da vítima;
Desta decisão interpuseram recurso em acta, o arguido A, por
intermédio do seu Ilustre Mandatário Judicial, por inconformação da decisão
condenatória, nos termos do art.º 645º e 647º nº2 do C. P. P. 1929, bem como, o
Digno Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal “a quo” por imperativo
legal, nos termos dos art.ºs 647º §1 e 473º § único ambos do C. P. P. de 1929.
No decurso do prazo legal o arguido apresentou as suas alegações para
fundamentar o pedido, nos seguintes termos:
“A pena aplicada
pelo tribunal “a quo” de 14 anos de prisão maior é severa demais, visto que não
houve premeditação da sua parte e militam a seu favor circunstâncias
atenuantes, previstas no artigo 39º do Código penal de 1886, em numero maior em
relação as agravantes, por isto a sua pena devia ser atenuada.
Outrossim, o
arguido foi provocado pela vitima, nos termos do art.º 370.º, quando ela e os
seus comparsas vandalizaram o portão da sua residência, munidos de armas
brancas, designadamente faca, pedras e chaves de fenda, numa altura em que a
primeira confusão já havia terminado.
Nessa confusão, a
vitima e companhia, num grupo de três pessoas, afirmando que foram para lá
“acabar com o arguido, começaram a agredir-lhe fisicamente, pela segunda vez.
Foi então nesse momento que o arguido se socorreu da faca, que estava na
banheira da loiça por lavar ali no quintal e, com ela, desferiu um golpe contra
a vítima, causando a sua morte.
Assim, percebe-se
que o arguido agiu com o “animus defendendi”, isto é, em legitima defesa.
Termina, rogando clemência, para que lhe seja
dada uma oportunidade, aplicando-lhe uma pena suspensa.”
O Digno Magistrado do Ministério Público do Tribunal a quo, por
imposição legal, não apresentou as alegações para fundamentar o pedido, por ser
legalmente isento de o fazer.
Admitido o pedido, os autos foram remetidos à esta instância para os
ulteriores termos do recurso.
Nesta instância, ao ter vista dos autos, o Digmo Magistrado do
Ministério Público junto desta Câmara, emitiu o seu douto parecer,
consubstanciado resumidamente no seguinte:
“Colhem
dos autos que no factídico dia 20 de Outubro de 2019, por volta das 15h00, o
arguido A, em dois momentos, brigou
com o infeliz B, bem como com os
declarantes, F e G. A segunda briga ocorreu na
residência do arguido, quando o infeliz e companhia, lá se dirigiram dizendo
que foram ali para acabar com ele (arguido).
No
momento da briga os declarantes F e G abandonaram o quintal daquela
residência, quando viram o arguido com a faca na mão. No entanto, o infeliz
entendeu enfrentar o arguido e acabou sendo atingindo pelo arguido com a faca
na região do tórax, provocando-lhe lesões graves que causaram a sua morte
momentos depois.
Nisso,
em momento algum se nota que o A
desejou a morte do infeliz Valdemiro.
A
morte dele sobreveio da veemente provocação da vítima e dos declarantes F e G, que atiçaram a ira do arguido em dois momentos. Primeiro na
cantina do H, com agressão moral e
física e, segundo, na residência do arguido com agressão física com o propósito
de acabar com ele.
Logo,
este ultimo facto configura a provocação da atenuação especial prevista no
art.º 370.º do C. P. de 1886.
Outrossim,
constata-se que o arguido não premeditou ou nem quis a morte do infeliz
Valdemiro.
Na
realidade, tal morte foi consequência da agressão protagonizada pelo infeliz e
companhia contra o arguido, da qual ele não estava obrigado a consentir nem
suportar.
Assim,
considera que a pena de 14 anos de prisão maior arbitrada ao arguido se afigura
excessiva e, em desconformidade com a verdade material descrita nos autos,
clamando por considerável atenuação, nos termos do art.º 370ºC. P.”
Colhido os vistos legais dos Juízes Adjuntos, os autos
foram conclusos à Juíza Relatora, que em conformidade com o disposto no art.º 479.º n.º 1 do CPP, da Lei nº
39/20 de 11 de Setembro este tribunal “ad quem” admitiu o recurso, por ser
legal, legítimo e tempestivo, podendo ser tramitado, em algumas fases, como de
agravo em material cível, com efeito suspensivo.
No entanto, no dia 11 de Julho de 2022, a Juíza Relatora, apercebendo-se
que os presentes autos de recurso foi interposto, primeiramente, pelo arguido
solto, nos termos do art.º 148.º em conjugação com o art.º 149.º al. a) ambos
do C.C.Jud., convidou-o a efectuar o pagamento da taxa devida pela interposição
do recurso, sob pena de considerar-se o requerimento sem efeito. Desafortunadamente,
notificado desse despacho (19.09.2022), o A,
devidamente representado pelo seu Mandatário Judicial até ao dia 27.09.22, não juntou
aos autos o comprovante do cumprimento no disposto dos artigos acima mencionados.
(art.º 161.º § único do C. C. Jud.)
Concluso os autos à Juíza Relatora (27.09.22), proferiu-se
o despacho declarando sem efeito o requerimento do recurso interposto pelo A e, em consequência, deserto o recurso
por falta de pagamento da taxa de justiça. Ao mesmo tempo ordenou a prossecução
dos trâmites dos autos em recurso, por ter sido interposto, também, pelo Digno
Magistrado do Ministério junto do Tribunal a quo, ao que o mesmo será
conhecido.
*
Questões
previas.
O Código de Processo Penal Angolano, aprovado pela Lei n.º
38/20 de 11 de Novembro, não prevê a interposição de recurso por imperativo
legal, porém à data em que este recurso foi interposto, pelo Ministério Público
do Tribunal a quo ainda vigorava o Código de Processo Penal de 1929, que dentre
outras normas, integra a que impunha ao Magistrado do Ministério Público a interposição
de recurso por imperativo legal. E foi isto, o que ocorreu no caso em apreço.
Atendo-se ao cumprimento da lei e tendo em conta o papel preponderante do
Ministério Público na busca da justiça das decisões, segundo critérios de
objetividade e não de parte, pode, se for necessário, impor uma atuação em
favor dos arguidos, para garantir o acesso ao direito e a tutela jurisdicional
efetiva, independentemente da apresentação das alegações motivadas. (art.º 473.º § único do C.P.P. de 1929).
Outrossim, tendo em conta a função didáctica que este Tribunal da Relação
deve necessariamente assumir, antes de nos pronunciarmos sobre o objeto do recurso
propriamente dito, incumbe-nos tecer algumas considerações quanto à tramitação
do processo na primeira instância e o formalismo essencial para a realização do
julgamento em tribunal colectivo, uma vez que os factos aqui reportados
ocorreram aquando da vigência desse diploma legal. (art.º 417º do C.P.P.)
Ao acórdão proferido
pelo Tribunal “a quo”, temos a abordar que, a estrutura externa utilizada na
elaboração da sentença obedece, minimamente,
ao estabelecido na lei, por se apresentar, um tanto ou quanto conforme
ao que aquele preceito legal solicita, designadamente, a identificação completa
dos recorridos, a indicação dos factos de que os recorridos vêm acusados, a
indicação dos factos que se julgaram provados, a indicação da lei penal
aplicável, a condenação da pena aplicada, o imposto de justiça e a data.
Outrossim, diremos ainda que “a fundamentação das decisões judiciais
é, num Estado Democrático e de
Direito, uma verdadeira fonte de legitimação. A decisão é legítima só e na
medida em que está racionalmente fundamentada. E, porque não estamos perante um
poder arbitrário ou baseado numa lógica de autoridade indiscutível é que se
impõe a fundamentação.
O titular do poder de decisão não dispõe
deste a seu bel-prazer e presta contas do exercício deste perante os
destinatários do mesmo através da fundamentação, visto que ela desempenha
várias funções, designadamente: 1. Convencer
os destinatários da sentença e a comunidade em geral da correcção e justiça da
decisão. Pode tal objectivo não ser atingido, mas há que tentar sempre o
atingir, porque só assim se cimenta a verdadeira autoridade, que se distingue
do autoritarismo e da arbitrariedade.
2. Permitir
ao tribunal superior e aos sujeitos processuais o exame do processo lógico e
racional que lhe subjaz, o caminho mentalmente percorrido até se chegar à
decisão, possibilitando, assim, a interposição e o conhecimento dos recursos.
Viola claramente os princípios estruturantes de um Estado Democrático e de
Direito a prática de restringir ao mínimo a extensão e alcance da fundamentação
para «não abrir as portas ao recurso».
Por último, 3. Favorecer o autocontrolo e a ponderação da parte do próprio órgão que
decide. Quem tem de fundamentar o que decide, com menos probabilidade
decidirá precipitadamente e não pensará duas vezes antes de decidir.” (Drs.
António Latas, Jorge Duarte e Pedro Patto, Direito Penal e Processo Penal -
Tomo I, pag. 308, Manual de Apoio ao Curso M3, CEJ)
No caso sub
judice, verifica-se uma fundamentação deficiente no que respeita
essencialmente à circunstância de não ter se apresentado os factos como devia,
simplificando demasiado as questões ao invés de desdobrar os elementos
relevantes para a qualificação do crime e, principalmente, aqueles que
consubstanciam os elementos subjectivo do tipo do crime, bem como, as
circunstancias objectivas e subjectivas em que os factos ocorreram que pesam
contra ou a favor do agente.
É a partir dos factos que se forma o processo
de convicção do julgador. A forma como são apresentados tem particular
relevância, aqui, em concreto, e em todos os outros casos, para que os
destinatários possam saber de que forma valorizou a prova e o porquê da maior
relevância de algumas circunstâncias.
Trata-se da fase mais importante da sentença,
porquanto, permite uma melhor sindicância da decisão por parte do julgador, que
a aprecia de acordo com a sua livre convicção. Bem como, também permite a esta
Instância Superior uma melhor avaliação do que se passou no julgamento, dada a
falta o princípio da imediação, tão importante para a valoração da prova.
O enquadramento legal também não foi
devidamente fundamentado pelo tribunal “a quo”, o que é necessário para que se
identifiquem os elementos objetivos e subjetivos da conduta dos arguidos que
tipificam o crime que lhe é imputado.
Além do que, verifica-se no acórdão a ausência
do nome da vitima, cujos familiares com direito a ela, o arguido foi condenado
a pagar uma indemnização no valor de kz. 2.000.000,00 (dois milhões de
kwanzas). Assim, há necessidade de se corrigir esse erro material que consta do
acórdão, ao que se fará no devido tempo.
Como é sabido, os fundamentos dos
recursos devem ser claros e concretos, pois aos Tribunais Superiores não
incumbem averiguar a intenção dos recorrentes pela interposição do recurso, mas
sim apreciar todas as questões submetidas ao seu exame.
*
2. Objecto do recurso.
O âmbito do recurso é aferido e
delimitado pelas conclusões formuladas na respectiva motivação, sem prejuízo da
matéria de conhecimento oficioso do Tribunal Superior. Pois, diferentemente
dos processos cíveis, em que domina o princípio do dispositivo das partes e os
tribunais só podem conhecer das questões que lhes são submetidas, nos processos
penais, vigora o princípio do conhecimento amplo do recurso, partindo da ideia
de que o seu objecto legal é a decisão recorrida e não a questão por ela
julgada, ainda que o recorrido restrinja o objeto do recurso, devido à
finalidade de interesse público que ela visa alcançar. (art.º 464.º
n.º 1 do CPP e Manuel Simas Santos, Recursos Penais em Angola, pag.77)
As conclusões da motivação não podem limitar-se apenas na mera
repetição formal de argumentos, mas constituir uma resenha clara que proporciona
ao Tribunal Superior uma correta compreensão do objecto do recurso.
Assim, tendo em conta que o presente recurso
tenha sido interposto pelo Digno Magistrado do Ministério Público junto do
Tribunal a quo, por imperativo legal, nos termos do art.º 663.º do C. P. P. de
1929, este Tribunal reapreciará o processo e a matéria do recurso na
generalidade, isto é, tanto da matéria de facto como da matéria de direito. (art.º 663º do C.P.P. de 1929, artº 464º n.º 1 do C. P.
P., bem como, Ac. Relação do Porto, 06-12-1930, Gaz. Rel. Lx.ª 44.º-248).
Nestes termos, da leitura atenta dos autos, sem
prejuízo das nulidades ou excepções de conhecimento oficioso, permite-nos
definir como objecto de recurso as seguintes questões a conhecer:
1. Irregularidade na tramitação do processo julgado por Tribunal
Colectivo, nos
termos dos arts. 462º do C.P.P de 1929, art. 45º nº 3 e seguintes da Lei nº
2/15, de 2 de Fevereiro;
2.
Existência da Legitima Defesa;
3.
Existência da provocação nos termos do art.º
370.º do C. P. de 1886;
4.
Reapreciação da decisão recorrida com vista a
sua alteração, condenado o arguido com uma pena atenuada.
*
3. FUNDAMENTAÇÃO:
Aqui chegados, cumpre-nos,
primeiramente, apreciar e decidir das nulidades ou excepções do
conhecimento oficioso.
3. 1.
Irregularidade na tramitação do processo para julgamento em Tribunal Colectivo.
O Tribunal Colectivo funciona com 3 Juízes, isto é, por um Juiz de
Direito, titular do processo que a ele preside e por dois Juízes de Direito que
o assessoram. Em regra, aqui julga-se
os casos mais
graves e importantes, que para o nosso
caso, em matéria penal, se aprecia e julga os processos cujo crime seja
punível, em abstrato, com pena de prisão superior a 5 anos. (nºs 2 e 3 do art.º 45º da Lei nº 02/2015 de 2 de Fevereiro).
Os arts. 461.º e 462.º § 4 do C.P.P. de 1929,
estabelecem que, preparado o processo para julgamento, o juiz o mandará com
vista por cinco dias a cada um dos dois juízes que com ele fazem parte do
tribunal. E, o dia designado para o julgamento será comunicado aos juízes que
fazem parte do Tribunal, por um período de 3 a 8 dias, conforme a complexidade
dos casos. (nº 1 do art.º 3º da Lei nº 20/88 de 31 de Dezembro e art.º 362º nº
9 do C.P.P.)
Ora, tratando-se os
presentes autos de um processo comum em que o arguido A vêm acusado, pronunciado e condenado por um crime de Homicídio
Voluntário do tipo p. p. pelo art.º 349.º do C. P. de 1886, cuja moldura penal
abstrata corresponde a pena de prisão maior de 8 a 12 (oito a doze) anos, isto é, superior a 5 anos, o
mesmo deveria ter a tramitação processual para ser julgado em Tribunal
Colectivo, cujo regime processual caberia à empregue, até então, nos processos
de querela. (art.ºs 462º do C.P.P. de 1929 e 45º nº 2 da Lei nº 02/15 de 2/2).
Desafortunadamente,
depois de fls. 106 dos autos e seguintes, onde consta o despacho que designa
data para julgamento, não se vislumbra na tramitação processual o cumprimento
do disposto nos artigos acima mencionados, isto é, a falta do despacho de nomeação
ou indicação dos juízes assessores, a falta dos termos de vista aos Juízes
Assessores por cinco dias, nem a comunicação aos mesmos da realização do
julgamento. Assim diríamos que terá sido cometida uma mera irregularidade
processual, consistente em mandar cumprir um preceito de natureza genérico e
não o especificamente aplicável ao processo de querela.
Não sendo tal
irregularidade subsumível a nenhum dos números do art.º 98.º do C.P.P. de 1929,
mesmo com a alteração que foi imposta ao seu § 2.º pelo art.º 22.º da Lei n.º 20/88, teríamos que a integrar no
âmbito do art.º 100.º daquele código.
Desta sorte, perante
tal irregularidade, as partes deveriam ter reclamado dentro do prazo legal e,
sendo que não o fizeram, caberia ao Juiz, caso ela viesse a ser arguida
posteriormente, ver se tal nulidade teria ou não influído no exame e decisão da
causa, para a mandar suprir.
Assim, analisada
esta questão, diríamos em conclusão que se trata de uma mera irregularidade que
não foi arguida dentro do prazo legal e que não afecta a justa decisão da
causa, podendo ela ser julgada suprida, desde já.
*
Agora cumpre-nos apreciar e decidir as questões levantadas do mérito
da causa que resultam das conclusões aferidas por este tribunal. E, por nos
parecer relevante, fazemos a transcrição da matéria de facto dadas como
provadas e não provadas.
Factos
Provados:
“Da audiência de
julgamento ficaram provadas os seguintes factos:
O A conheceu a vitima B “Julinho” há já alguns anos e, este
foi seu vizinho no bairro Joaquim Kapango “Canguinda” nesta cidade do Lubango.
Conhece igualmente o declarante G; F, por serem igualmente vizinhos ao
passo que o declarante D à data dos
factos era seu colega de Trabalho.
Assim, por volta
das 14 horas do dia 29 de Outubro do ano de 2019, ao arguido e o declarante D regressavam de viagem demais um dia de
trabalho e aquele entendeu passar pelo estabelecimento comercial do declarante H no bairro Joaquim Capango “Canguinda”
nesta cidade do Lubango.
Que na altura em
que o arguido chegou ao mencionado estabelecimento, já la estavam os
declarantes F e G a
vitima bem como o declarante D,
colega do arguido, a conviverem e a fazer consumo de bebidas alcoólicas.
A data altura entrou
o arguido para o mencionado estabelecimento, numa altura em que a vitima e os
declarantes acima mencionados estavam a conversar, na conversa que mantiveram o
G questionou ao D colega do arguido quando é que este pagar-lhes-ia algumas
bebidas.
Acontece que
naquele instante o arguido saudou o seu amigo H, proprietário do estabelecimento e do lugar onde estavam sentados
os declarantes mencionados, o G
ainda na sequência da conversa que manteve com aqueles com quem convivia
proferiu a expressão “Caralho”.
Ao ouvir tal
palavrão o arguido de imediato questionou-lhes se o insulto foi proferido para
ele, ao que questionou mais de uma vez e de seguida deu-se inicio a uma troca
de palavras ao que a vitima procurou intervir na discussão, mas acabou por ser
esbofeteada pelo arguido.
Em resposta
aquele agarrou numa grade de cerveja vazia para agredir o arguido, porém foi
impedido pelo H que procurou apazigua-los, mas o arguido e o F continuaram em luta na parte exterior
do estabelecimento, envolvendo-se numa luta corporal.
Após terem sido
apaziguados o arguido permaneceu em lagrimas sentado na parte exterior do
estabelecimento e proferia ameaças. Entretanto acabou por se dirigir para sua
residência na companhia de algumas pessoas que se encontravam naquele local.
Pouco tempo
depois, a vitima na companhia dos amigos G;
F dirigiram-se á residência do
arguido com propósito de dar continuidade a contenda. Lá chegados empurraram o
portão daquela residência e introduziram-se no interior do quintal.
Na ocasião encontravam-se
no interior do quintal a declarante J a M.
Assim o arguido
que se encontrava a tomar um banho, ao aperceber-se que aqueles estavam na sua
residência saiu questionou a vitima e amigos o que pretendiam, ao respondê-lo,
viemos para pagar a chapada, muniu-se de pedras e passou a remessa-las
Nessa,
o G e o F, abandonaram a residência, mas a vitima permaneceu dizendo para
que o arguido largasse as pedras e partissem para luta sem aquele tipo de arma
de arremesso.
Em seguida o
arguido e a vitima envolveram-se numa luta corporal e o arguido empunhou uma
faca de cozinha de 30cm e a lamina com 18cm e desferiu um violento golpe no
peito da vitima.
Após ter sido
atingida, esta caminhou para parte exterior do quintal onde acabou prostrada ao
solo, foi socorrida para o Hospital Central, mas dada a gravidade da agressão
não resistiu os ferimentos e perdeu a vida em consequência directa e necessária
do golpe sofrido. O arguido abandonou a matéria do crime no local do sucesso,
atirando para o telhado de uma residência e dirigiu-se ao Comando Municipal
onde foi apresentar-se.
Provou-se ainda
que no momento em que a vitima foi atingida com a faca mencionada, estava
desarmada. O corpo da vitima foi autopsiado, esta deu conta que a morte da
vitima teve como causa um choque hipovolémico em consequência de traumatismo torácico.
Que na altura em
que a vitima foi atingida os amigos desta já haviam abandonado a residência do
arguido.
As despesas com o
funeral daquela foram suportados pelos familiares com a comparticipação dos
familiares do arguido.
A faca utilizada pelo arguido foi apreendida e
examinada, tratando-se de uma faca de cozinha de cabo de plástico com 18cm de
cumprimento na parte laminada, um peso de 60gramas. A mesma apresentou machas
avermelhadas que ao exame correspondeu a sangue humano.
O arguido admite
a prática dos factos imputados. Agiu de modo livre com o propósito de retirar a
vida do infeliz.
Factos não provados
Como questão de
relevo a discussão da causa não resultou provado que; na altura da contenda que
ocorreu no estabelecimento do declarante H,
bem como na residência do arguido a vitima e os amigos estivessem munidos de
algum objeto corte perfurante ou armas brancas.
Não ficou provado
que a vitima caminhava em direcção ao arguido levando consigo uma faca na
cintura.
Não ficou provado
que a vitima terá arremessado contra o arguido uma pedra na região do peito.”
*
3. 2. Quanto a
existência da Legítima Defesa.
A doutrina considera a legitima defesa como sendo a figura do direito
criminal que caracteriza os actos praticados por um agente como meio necessário
para repelir uma agressão ilícita actual e eminente de quaisquer interesses
juridicamente protegidos do dito agente ou de terceiros. (Orlando Rodrigues, apontamentos de direito penal, pag-189 e Maria
Andrade e Jorge Gregório, Prática do Direito Penal pag.76)
Assim sendo, para que exista legitima defesa é indispensável a
presença dos seguintes requisitos:
·
Animus
defendendi;
·
Existência
de uma agressão actual ilícita, que não seja motivada por provocação, entende-se
aqui a lesão ou colocação em perigo de interesses ou bens juridicamente
tutelados;
·
Impossibilidade
de recorrer a força pública;
Melhor dizendo, certo sector da doutrina continua a exigir como
elemento essencial da legítima defesa, a ocorrência do animus defendendi, isto
é, a vontade ou intensão de defesa do agente, face a uma agressão ilícita e
actual. Embora, muitas vezes essa vontade possa ocorrer por outros motivos,
tais como indignação, vingança ou odio. O que não é caso dos autos, nessa ultima
parte.
Essa intensão de defesa corresponde ao estado de espírito,
inapreensível sensorialmente, resultante de factos objectivos que a indiciem. E
entende-se que tal intensão constitui o elemento subjectivo necessário para que
funcione o direito da legitima defesa.
Quanto a existência de uma agressão actual ilícita, que não seja
motivada por provocação, isto é, a pratica por alguém de um acto violador de
interesses juridicamente protegidos e a não contribuição do defendente para o aparecimento
daquele acto.
Ora vejamos.
As circunstâncias e o modo como ocorreram os factos, acolhe-se dos
autos que a contenda se desenrolou em dois momentos precisos.
O primeiro momento da briga ocorreu por volta da 13h00, na cantina de
jogos do declarante H no bairro… quando
o arguido, ao chegar, cumprimentou a vitima B e outros declarantes, que lá já se encontravam a fazer consumo de
bebida alcoólica. No entanto, o declarante G
respondeu com uma ofensa a saudação do arguido nos seguintes termos “vai pro caralho”. (fls. 186,
190)
Estupefacto, o arguido questionou aos presentes se tal palavrão foi
dirigido a si. Não obtendo qualquer resposta por parte dos declarantes, o A, sem mais nem menos, desferiu um
valente golpe de bofetada na cara da vitima Valdimiro, dando inicio a briga
entre ele, a vitima e os amigos da vitima, declarantes F e G. Nessa briga o A saiu vencido por ter apanhado uma
sova por parte da vitima e companhia, devido a vantagem numérica destes.
Embora ter sido o arguido quem provocou a confusão, essa briga foi apaziguada
pelos declarantes Sanjo e Gina, que levaram o arguido, em prantos, para sua residência.
(fls.186v, 189, 191)
O segundo momento, se desenrolou no interior do quintal da residência
do A, quando, por volta das 14h00,
sensivelmente, numa altura em que ele estava a tomar banho, ainda em prantos.
Isto é, quando o A fazia a sua
higiene na banheira que a declarante Lurdes lhe deu, na companhia de seus
familiares, foi surpreendido no quintal sua residência com a abrupta e violenta
entrada da vitima acompanhada de seus comparsas, F e G, que romperam o
portão com um golpe de pontapé. E, quando, o A os questionou do motivo da presença deles ali, responderam-no
que, sic: “viemos te acabar”. (fls. 36, 38, 39)
É nesse segundo momento, que a atitude da vitima e companhia, isto é, entrar
de forma violenta, rompendo o portão do quintal da residência do arguido com a
intensão de acabar com ele, denota ser, sem sombras de duvidas, uma acção
ilícita e actual contra o arguido, os seus familiares e o seu domicílio.
Até porque, a primeira briga já tinha sido apaziguada pelos amigos dos
arguidos e o proprietário do estabelecimento onde estavam, que de forma
insistente aconselhou a vitima e companhia para não perseguirem o arguido em
sua residência e, irem, cada um, para a sua residência. (fls.93v)
Mas como azar não custa, a vitima e companhia fizeram ouvidos de
marcador aos conselhos dados e, teimosamente, decidiram perseguir o arguido A na sua residência, com a intensão de
acabar com ele. Como iriam acabar com ele, não se sabe!... Mas, foi alí onde o
arguido A, para se defender, atingiu
a vitima com uma faca na região do peito, causando a sua morte minutos depois,
naquele local.
Por isso, nesse segundo momento, não se vislumbra na atitude do
arguido A qualquer indicio de provocação,
mas sim, que a sua atitude, se revela com a intensão de defender a si, os seus
familiares e a sua propriedade, da agressão iminente e ilícita protagonizada pela
vitima e companhia.
Entretanto, sem possibilidade de recorrer a força publica, o arguido A, vendo a sua vida e a dos seus familiares sendo ameaçada, com a entrada
violenta da vitima e seus comparsas no quintal da sua residência e, se
lembrando que, minutos antes, fora agredido e vencido por eles, não viu outra
forma de se defender, senão, recorrer ao uso da faca de cozinha, que estava no
chão daquele quintal. Ou melhor, assim que se apercebeu que a vitima e companhia
avançavam violentamente na sua direção para o agredirem novamente, o arguido
empunhando a faca desferiu um brutal e violento golpe contra ela, atingindo-a
na região peitoral, causando a sua morte naquele local. (fls. 186v)
No entanto, quando os comparsas da vitima, F e G, viram o arguido A
com a faca na mão, puseram-se em fuga daquele local, porque sabiam da
perigosidade daquele instrumento. Mas, a vítima B, entendeu continuar a avançar contra o arguido A que, de forma imediata, estendeu a
mão direita com a faca em punho, tendo violentamente atingido no lado esquerdo
do tórax da vitima, causando a morte dela minutos depois, naquele local. (fls. 35,
35v, 93v, 95, 186v)
Em tudo isto, uma verdade é certa, se a vitima e companhia
permanecessem no local da primeira briga, onde até deram uma sova e vencido o
arguido e, não fossem ao encalço dele na sua residência de forma violenta com a
intensão de acabar com ele, tudo indica, de certeza absoluta, que a ela ainda estaria
viva hoje.
Assim, percebe-se claramente que a segunda e letal atitude do A advém da
segunda agressão por parte da vitima e seus comparsas, quando arrombaram
agressivamente o portão da residência do arguido e começaram a agredir-lhe
fisicamente, desferindo contra o mesmo violentos golpes de bofetadas, constituindo
assim a legitima defesa, pese embora o meio utilizado (a faca) se mostra
excessivo, pois o arguido deveria direcionar o golpe fatal da faca que impunha
noutra região do corpo da vitima e numa parte bastante crucial do corpo dela,
isto é, na região do Tórax.
Logo, embora se verifique, na atitude do A os elementos da legitima defesa, há necessidade de saber se o
mesmo se excedeu na sua defesa.
3.2.1.
Excesso do meio
usado na legitima defesa.
Tendo sido provado o facto de que o A agiu em legitima defesa. Há a
necessidade de se averiguar se nas circunstâncias em que os factos ocorreram se
esperaria atitude diferente por parte do mesmo para verificar se houve ou não
excesso na sua defesa.
Assim, para além de outros requisitos que julgamos
estarem plenamente preenchidos da legitima defesa no caso
"sub-judice", a doutrina exige que haja "racionalidade do meio
empregado para prevenir ou suspender a agressão", visto que ela entende
que, "tendo a legitima defesa carácter de excepção, o meio deve ser apto,
excluindo-se, portanto, os meios ineficazes ou desnecessários" "e
que" a racionalidade: do meio inculca uma certa proporção a lesão e o meio
usado".
O excesso de legítima defesa se situa
entre as causas de exclusão da culpabilidade: circunstâncias que impedem que
determinado acto considerado ilícito pela lei, sejam atribuídos de forma
culposa ao seu autor, motivos que anulam o conhecimento ou a vontade do agente.
Quando tal excesso (no grau em que são
utilizados ou na sua espécie os meios necessários para a defesa) resultar
de perturbação, medo ou susto não censuráveis (art.º 31.º, n.º 2 do C. Penal)
cabe na inexigibilidade de conduta diversa, actuando no domínio da culpa. Mas
não é qualquer perturbação, medo ou susto que é susceptivel de afastar a
punição em caso de excesso de legítima defesa, o que só sucederá quando os
mesmos não forem censuráveis.
A
questão largamente debatida, tanto na doutrina como na jurisprudência, tem sido
a da exacta definição do conceito de excesso de legitima defesa, pois o art.º
337.º do C. C., carreou novos elementos para discussão. (C. P. anotado de Manuel Maia Gonçalves, pag. 120)
No concernente à racionalidade do meio, "ao julgador-apenas poderá dar-se
um critério de orientação e não uma justa medida dessa proporcionalidade, que o
meio empregado para prevenir ou suspender a agressão, não vá além do que é
razoável".
O meio deve ser, pois, idoneo, isto é, adaptado à situação, em
vista duma legítima defesa eficaz, avaliado em face circunstâncias concretas,
tanto em relação ao agressor, como em relação ao defendente, deve ser também, o
menos prejudicial, pois se houver um meio menos prejudicial do que o -
utilizado, este terá sido, então, um meio excessivo e, portanto, desnecessário,
não deverá ir para além do razoável." (acórdão ao Processo n.º 11022.096
do Tribunal da Relação de Luanda, Prof. Beleza dos Santos e Eduardo Correia).
Entretanto, pese embora a divergência de
opiniões doutrinárias, há que também ponderar os valores ou interesses em
conflito. E conferir se, a necessidade da defesa ocorreu segundo a
totalidade das circunstâncias em que aconteceu a agressão e, em particular, com
base na intensidade daquela, da perigosidade do agressor e da sua forma de
agir.
Apoiando-nos na teoria da culpa,
seguida pela nossa legislação penal, é legítimo para apreciar correctamente a
conduta do arguido, que se coloque as seguintes perguntas: seria nas
circunstâncias então existentes, exigível ao arguido outro comportamento? Dever-se-á
o excesso da sua acção à perturbação ou medo desculpável que o inibiu de
avaliar qual a justa medida do meio a utilizar para pôr termo a agressão? Terá o arguido A
se excedido no meio usado para se defender ou melhor, a arma branca foi o meio idoneo
face a situação concreta?
Quanto a primeira pergunta: Será
que nas circunstancias, então existentes, seria exigível do arguido outra
conduta?
Como se denota dos autos, a resposta é não. Porque consta que
tudo aconteceu de repente, sem qualquer planificação. Isto é, logo que o A empunhou a faca, os dois comparsas da Vitima, entenderam fugir
dali, mas a vitima B, insistente,
entendeu afrontar o A, mesmo assim.
E, conhecendo a força da vitima, por já ter sido agredido, momentos antes, o arguido
não teve outro pensamento, senão entender o braço e desferir o golpe fatal
contra a vitima B que avançava
agressivamente contra ele. Nota-se claramente nisto, porque quando o arguido
empunhou a faca a curta distancia dos seus agressores, pretendia evitar que este
e companhia continuassem a violar o seu domicílio e a agredir a si e à sua familia
como haviam feito momentos antes, por ter sido espancado no bar H pela vitima e companhia, denotando a
desproporção de forças entre ele e aqueles agressores.
Assim, percebe-se
que o A não teve qualquer
oportunidade de agir de forma diferente da que agiu para obstar à iminência da
agressão da vitima senão recorrer a arma branca que tinha na mão, desferindo,
o brutal e violento golpe contra a região do peito dela, atingindo-a
mortalmente. Pois estava perante uma agressão ilegal e em execução.
Quanto a segunda questão: O excesso da acção do arguido A se deve a perturbação ou medo
desculpável que o inibiu de avaliar qual a justa medida do meio a utilizar para
pôr termo a agressão?
O principio da proporcionalidade não
tinha como ser observado pois, os agressores eram em número largamente
superior, apresentando-se extremamente furiosos e o pior, com a intensão de
acabar com o arguido A. A violência
e a agressividade da vítima e companhia no momento em que arrombaram o portão
da residência do arguido A, criou
nele e na sua família medo. Tanto que, quando a vitima e companhia continuaram
a agredir o arguido A, deferindo
contra ele violentos golpes de socos e bofetadas, o mesmo logo que avistou a
faca no chão, não pensou duas vezes, em apossar-se dela. Pois viu aquele
instrumento como a oportunidade impar para se defender dos seus agressores. E
funcionou em parte, pois dois dos comparsas da vitima se meteram em fuga. Mas,
a afronta da vitima B para continuar
a agressão contra o arguido resultou na sua morte.
E face essa factualidade não se pode
exigir, à "presença de um espírito sereno" ou " de discernimento"
no comportamento do arguido A, pois
que está assente que ele estava perturbado devido a situação de aflição e
agressão em que se encontrava, isto é, «assustado e muito nervoso» quando «desferiu
o violento golpe contra o peito da vítima B».
(fls. 20,186v, 187).
Resulta, assim, que desde o momento em
que recorreu a arma branca, o arguido A
não visou, logo de primeira, atingir a vitima nos autos nem qualquer um dos outros
agressores, mas sim procurou pôr cobro à conduta ilícita deles. Embora, no
ultimo momento, o A tenha admitido eventualmente
que, por qualquer descuido, pudesse causar a morte de qualquer um deles, ao que
se conformou.
Quanto a terceira questão: Terá o A se excedido no meio usado para se
defender ou melhor, a arma branca foi o meio idoneo face a situação concreta?
É importante frisar que quando o A desferiu o violento golpe derradeiro
que atingira a vítima, não visava, imediatamente, atingir uma das zonas vitais
do corpo dela, pois no momento em que ele vira a vitima a caminhar na sua
direcção de forma agressiva ele estendeu o braço e acabou a atingindo com a
faca na região peitoral do lado esquerdo da vitima isto é, no lado esquerdo da
região torácica, pondo fim a vida dela.
Assim, percebe-se claramente nos autos
que, em nenhum momento, o arguido A
direcionou intencionalmente a arma branca para uma das regiões vitais do corpo
da vitima B quando o atingiu
mortalmente.
Até porque, tendo em conta o número
das pessoas (3) que em grupo invadiram o domicílio do arguido A e, furiosos, agrediram fisicamente a
si na presença da sua família e, a forma brutal e violenta que caracterizara aquelas
agressões, não se vê que fosse humumente exigível que, o mesmo pensasse
concretamente em atingir uma das pernas ou outra zona do corpo que pudessem ser
atingidos, ainda por cima depois de ter sido altamente espancado e
eminentemente afrontado pela vitima.
No entanto, no
momento da agressão, o arguido A,
embora perturbado com aquela confusão, sabia da perigosidade que aquela arma
branca representa quando desferida contra um ser vivo, pois é susceptivel de
causar um ferimento grave ou até mesmo a morte. Como aconteceu.
Verifica-se nos
autos que a arma branca usada pelo arguido
A trata-se de uma faca de uso doméstico de fabrico industrial com o cabo de
plástico de cor preta, com uma extremidade metálica, caracterizada por lamina,
com o cumprimento total 23 cm, sendo 13 cm correspondente a parte metálica e 10
a parte do punho de plástico. (fls. 58)
E como se nota,
tal instrumento representa perigo quando usado contra qualquer ser vivo, pois
até um homem médio comum sabe que um golpe violento na região do peito de um
ser humano produz ferimento grave ou até mesmo a morte.
Outrossim,
certificam os autos que o arguido A é
um homem adulto com 31 anos de idade (a data dos factos) e, melhor do que
qualquer leigo, tem pleno conhecimento da perigosidade e dos danos que uma arma
branca que empunhou representa, quando usada contra um ser vivo.
Assim, somos de concluir que nas
circunstâncias em que os factos ocorreram, o arguido A agiu em legitima defesa, mas com excesso do meio empregue, por
forma a levar a sua conduta para a previsão do art.º 31.º n.º 2 do C. Penal. Isto é, o defendente se excedeu na acção de
defesa devido a perturbação, susto ou medo não censurável, causado pela
agressão.
Há
elementos suficientes que nos façam crer que o comportamento do arguido A seja
enquadrável em uma das causas de justificação da ilicitude, (legitima defesa),
referida nos termos dos art.ºs 30.º e 31.º ambos do C. Penal.
Pese embora
se configure com o excesso dos meios usados na legitima defesa, como se
vislumbra do artigo 36.º do C. Penal, que dispõe que estamos perante o excesso
de legitima defesa, sempre que, se verifiquem os requisitos da legitima defesa
e o defendente exceda os meios necessários para repelir a agressão, estando,
assim, diante de um contra-ataque ilícito. Não se tratando, por tanto, de uma
causa de justificação da ilicitude, mas sim de uma possível causa desculpante,
passível de responsabilização criminal, de forma especialmente atenuada. Como sucede
caso sub judice.
3. 3. Quanto a existência
da provocação nos termos do art.º 370.º do C. P. de 1886.
Quanto a
este segundo ponto, importa referir que, é um facto injusto, numa ofensa que
cria ao agente um estado de perturbação emocional que pode traduzir-se em irá,
cólera, indignação e, que leva a determinar-se pela prática de um crime. Cuja o
agente nestas circunstâncias, obviamente, não só tem a sua capacidade de
representação diminuída como perde o autodomínio. (Orlando Rodrigues,
apontamentos de Direito Penal, p. 369).
Assim sendo a mesma impõe:
·
Um estado
de emoção ou motivo e;
·
resultante
de um facto injusto praticado por outrem e;
·
O crime seja cometido sob influência do estado de emoção produzido
pelo facto injusto.
Acolhe-se dos autos que, no primeiro momento,
quando o
arguido A se dirigiu ao estabelecimento
comercial do declarante H e ali, por se desentender com a vitima,
desferiu-a uma bofetada, dando inicio a luta corporal com a vitima Julino e os seus
comparsas, declarantes F e G, ele foi vencido. Pois, apanhou uma
sova da vitima e companhia, devido a vantagem numerica e ter sido ele quem deu
inicio a confusão.
Porém, essa confusão e
agressão provocada pelo arguido foi apaziguada, pelo, então, propreitário do
estabelecimentoe e alguns amigos do arguido A, que o levaram, em prantos, para sua residência. (fls. 186v)
No entanto, insatisfeitos com agressão e motivados pelos nervos, a
vitima e os seus comparsas, entraram de forma violenta no quintal da residência
do arguido A para
dar continuidade a agressão contra o mesmo. Movido pelo medo de apanhar, mais
uma vez, o
arguido A socorreu-se de uma faca que viu no
quintal da sua residência e com ela, vibrou um intenso e violento golpe contra
a vitima, atingindo-a no lado esquerda da região do tórax, causando a morte do
infeliz minutos depois, quando estava a ser transportado para o Hospital
Central do Lubango. (fls.20, 24,).
Uma vez mais, percebe-se claramente que a conduta da vitima e
companhia, deram aso a agressão com a faca por parte do arguido de que resultou
a morte da vitima nos autos. Porquanto, a primeira contenda já havia terminado
e, a vitima e companhia, com a intensão de acabar com o arguido A, arrobaram o portão do quintal da residência do
mesmo e, proferindo a seguinte expressão, sic: “viemos te acabar”. Tal
expressão, constituindo assim provocação, contra o arguido A.
Assim, verifica-se que a provocação nestes termos aparece como uma
circunstancia atenuante, conforme a prevista no nº 2 al b) do art.º 71.º do
Código Penal.
Dai que nos parece certo o parecer do Digno Magistrado do Ministério
Publico nesta instância, ao afirmar que o crime não foi premeditado mas, sim que
adveio da provocação da vitima e seus comparsas contra o arguido nos autos.
3.
4. Reapreciação da decisão recorrida quanto a sua alteração.
Enquadramento jurídico legal.
O arguido A vem acusado,
pronunciado e julgado, pela prática do crime de Homicídio Voluntario Simples na
forma consumada p. e p. pelo artigo 349.º do Código Penal de 1886, tendo sido
condenado pelo Tribunal “a quo ” na pena de 14 anos de prisão maior.
Será que esta penalidade é a mais adequada
tendo em conta as circunstancias em que os factos ocorreram?
Ora vejamos.
Será que o arguido recorreu ao uso da faca,
logo que a vitima e companhia arrombaram o portão do quintal da sua residência?
Porquê é que o arguido A recorreu a faca?
A resposta a primeira pergunta é não. Até
porque, quando a vitima e companhia entraram com agressividade no quintal da
residência do
arguido A, ele estava a tomar banho. E,
apercebendo-se da confusão no quintal, o arguido A perguntou a
vitima e companhia o que estavam a fazer ali. Foi assim que eles responderam-no
dizendo “viemos
acabar contigo”. E, em acto continuo, a vitima e companhia começaram a desferir
contra ele violentos golpes de socos e bofetadas, fazendo-o cair no chão.
Nessa altura, o arguido viu a faca no chão e
empunhou-a, mostrando aos seus agressores. Vendo o arguido com a faca na mão,
os dois comparsas da Vitima meteram-se em fuga dali, sabiam da perigosidade que
aquele instrumento representa, quando disferido contra um ser vivo. Mas a
vitima permaneceu e o disse para lutarem mão a mão. Sabendo da agressão que
sofrerá, há poucos minutos, o arguido A
empunhou a arma branca (faca) e, logo que viu a vítima avançar agressivamente
na sua direcção, disferiu a faca contra a mesma atingindo-a na região do torax,
causando a morte dela naquele local.
A atitude do arguido A
visava proteger a sua vida, a dos seus familiares e a sua propriedade que
estava a ser violadas de forma agressiva, a partir do no momento em que a
vitima e companhia arrombarem o portão do quintal daquela residência dizendo
que queriam acabar com ele, seguido de violentos golpes de bofetadas e socos. (fls. 36, 38, 38v, 39)
a)
Aplicação da lei no tempo.
Na altura em que os factos ocorreram, vigorava
o código penal de 1886, onde o crime de Homicídio Voluntario Simples aparecia
espelhado no seu artigo 349º, cuja a moldura penal abstrata correspondia a pena
de 16 a 20 anos de prisão maior.
Tendo em conta ao plasmado no nº 2 do artigo
2º do C. P. que dispõe: “sempre que as disposições penais vigentes no
momento da pratica do facto forem diferentes das estabelecidas em leis
posteriores, aplica-se o regime que concretamente for mais favorável ao agente.” Nos remetemos,
assim, ao principio da aplicação da lei no tempo.
De acordo com este principio, as normas penais
só devem aplicar-se aos factos ocorridos a partir da sua entrada em vigor e até
que sejam revogadas ou substituídas por outras. Não se aplicam a factos
anteriores nem a factos posteriores a sua vigência materializando assim o
principio da não retroatividade. (O. Rodrigues, apontamentos.de direito penal pag.
59)
Mas o nº 2 do art.º 2 do C.P. A., faz
referencia ao principio da aplicação da lei mais favorável. Rege este principio
que, havendo conflitos de normas, aplica-se aquela que for mais favorável ao
agente. No entanto é ponto assente que, mesmo no que respeita, a norma
incriminadora ou sancionadora se aplica a lei mais favorável ao agente.
Concluindo, duvidas não subsistem de que o
arguido cometeu o crime de Homicídio Voluntario Simples na forma consumada do
tipo p. e. p. pelo artigoº. 349.º do código penal de 1886, cuja moldura penal e
abstracta corresponde a pena de prisão maior de 16 a 20 anos e, no artigoº
147.º do Código Penal, o crime de Homicídio Simples, cuja moldura penal abstracta
corresponde a pena de prisão de 14 a 20 anos.
Nisso, qual será, então, o regime que
concretamente se mostra mais favorável ao arguido A?
Comete o crime de homicídio voluntário, aquele
que voluntariamente matar outrem.
O bem jurídico protegido é a vida, sendo um
Direito constitucionalmente protegido, artigoº 30.º da Constituição da
Republica de Angola.
Verifica-se alguma causa da exclusão da
ilicitude, a legitima defesa, embora consubstanciando-se no excesso do meio
empregue na legitima defesa, plasmada no artigoº 36º C. Penal.
Agravar a responsabilidade criminal do
arguido, a al. b) (superioridade em razão da arma) do artigoº 71.º, pelo facto
do arguido ter se excedido nos meios usados para repelir a agressão em sua
defesa.
Militam a favor do arguido a circunstancias
atenuantes, al b). (provocação) nº2 do art.º 71.º do C. P. mostra-se que o
arguido em nenhum momento premeditou ou quis a morte do infeliz, cuja a mesma
adveio da provocação da vitima e seus comparsas.
Tendo em conta os
factos provados o arguido deve ser condenado pelo crime de Homicídio Simples do
tipo p. e p. pelo artigo 147.º do C. Penal, por se mostrar mais favorável ao
arguido.
b) Medida concreta da pena.
O crime de
homicídio é punido com a pena de prisão maior de 14 a 20 anos.
Na linha de
orientação formulado no corpo do art.º 70.º do C. Penal, há que ter em
consideração para aplicação os seguintes elementos subjectivos: a personalidade
do agente, o grau de culpa, ilicitude, bem como, as circunstâncias agravantes e
atenuantes exteriores ao tipo, já acima devidamente expostas.
A personalidade do agente. Tendo em consideração a
gravidade do crime praticado pelo arguido, por si só, não denota ser alguém de caracter
agressivo e violento, evidenciando ter uma personalidade formada em valores
morais e sociais, o que atenua a censurabilidade da sua conduta.
O grau de ilicitude é moderadamente
elevado tendo em conta o bem jurídico protegido em causa, isto é, o bem a vida.
Mas, nas circunstancias em que os factos se deram, a vida do arguido A e de seus familiares também estava em risco, necessitando ser protegido,
embora de forma excessiva.
O grau de culpa é menos acentuada, tendo
em cota que o arguido não quis tirar a vida do infeliz, mas as circunstancias e
os factos ocorridos, levaram-no a fazer isso.
O dolo é eventual, pois podia muito bem
ter escolhido ou direcionado o golpe, numa outra região do corpo que não fosse
num local vital do corpo.
No entanto, quanto a penalização do
arguido julgar-se-ia mais justa se fosse especialmente atenuado como estabelece
o art.º31.º n.º2 do C. P., isto é, se haver excesso dos meios empregados na
legitima defesa o facto é ilícito mas a pena pode ser especialmente atenuada.
A prevenção especial
destaca essa severidade. Tal severidade é reclamada, por se tratar de um crime
que viola direitos fundamentais, gerador de enorme alarme social e
intranquilidade pública. Por isto, é necessário que se tenha em consideração
que a conduta do arguido provocou, necessariamente, um trauma permanente aos
familiares da vitima, que se veem privados da companhia do seu ente querido,
por lhe ter sido brutalmente tirada a vida, num abrir e fechar de olhos. Logo, independentemente
dos circunstancialismos em que os factos se desenrolaram, aos olhos do homem medio
comum, mostra-se evidente que a conduta do arguido é passível de qualquer
censura e condenação. Pois, constitui expectativa legítima do cidadão, que os
Tribunais garantam a integral respeito pelos direitos fundamentais e devolvam à
sociedade a merecida paz social.
São intensas as
necessidades de prevenção geral, pois o crime é gerador de grande alarme social
e repúdio geral, face à enorme intranquilidade que gera no tecido social, sendo
elevadas as exigências de reafirmação da norma violada. Noutra perspectiva, o
homicídio foi cometido mediante recurso a uma faca, sem qualquer hipótese de
defesa para a vitima, pelo que se impõe uma pena com efeito dissuasor.
No entanto, para o crime de homicídio
nos termos do art.º 147.º do c. p. cuja moldura penal corresponde a pena de 14
a 20 anos, pode ser especialmente atenuada nos termos do art.º 31.º acima
mencionado conjugado com os art.ºs 73.º n.º1 e 74.º n.º 1 als. a) e b) todos do
C.P.. Logo, teríamos como moldura penal abstracta a pena de 2,8 a 8 anos de prisão.
Assim,
esta instância entende julgar procedente o recurso interposto pelo Digno
Magistrado do Ministério Público e, consequentemente alterar parcialmente a
decisão recorrida para a pena de 7 anos de prisão, por ter sido especialmente
atenuada e, no demais se deve confirmar.
c) Indeminização;
Dispõe o
art.º 483.º do C. Civil que, “aquele que, com dolo ou mera culpa,
violar ilicitamente o direito de outrem, ou qualquer disposição legal destinada
a proteger interesses alheios, fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos
resultantes da violação”.
A
indemnização da sentença em material penal, vêm descrita
nos art.ºs 75.º a 93.º do C.P.P, que
impõe ao juiz , em caso de condenação, o dever de arbitrar a favor dos
ofendidos uma quantia como reparação por perdas e danos.
Assim sendo,
reportando ao caso dos autos é segura a existência de um nexo de causalidade
entre a acção praticada pelo arguido e o resultado, denotando que recai o
arguido a responsabilidade de indemnizar os familiares da vítima.
No entanto,
havendo necessidade de se fixar a indemnização de forma equitativa, tendo em
conta os elementos anteriormente referidos, como sejam, a situação económica do
arguido, parece-nos que a indemnização deve ser, mantida no valor de kz. 2.000.000,00 (Dois
Milhões de Kwanzas), acrescendo-se, no entanto,
o nome da vitima B a quem os
familiares com direito a ela, o arguido foi condenado a pagar a indemnização.
4. A DECISÃO.
Pelo exposto, os Juízes Desembargadores da
Câmara Criminal do Tribunal da Relação do Lubango acordam em
Julgar
procedente o recurso interposto pelo Digno Magistrado do Ministério Público e,
consequentemente, alterar parcialmente a decisão recorrida, condenando o
arguido A na pena de sete anos de
prisão.
No
demais se confirma.
Quanto
a indemnização arbitrada pelo Tribunal a quo, a mesma deverá ser entregue aos
familiares da vitima B, com direito
a ela.
Sem
custas.
Passem
mandados de captura contra o arguido A.
Notifique e cumpra-se com o demais de lei.
Lubango, 20 de Dezembro de 2022
Relatora- Dra. Catarina Castro.
1. Adjunto- Dr. Amadeu Carlos
2. Adjunto- Dr. Adão Chiovo