Processo
0001/2023-CIV1-A
Relator
Dr. Domingos Astrigildo Nahanga
Primeiro Adjunto
Dra. Marilene Camate
Segundo Adjunto
Dr. Lourenço José
Descritores:
Reclamação. Reivindicação de propriedade
Sumário do acórdão
I- A decisão cujo valor é inferir a alçada da Relação não admite recurso. E daqui não resulta qualquer desvalor do princípio de acesso ao direito e a tutela jurisdicional efectiva, consagrado no artigo 29º/ 1 da CRA.
II- Com a introdução na ordem judicial de uma nova categoria de tribunais intermédios às existentes, no caso, Tribunais da Relação, impunha-se a necessidade de o valor das alçadas ser adaptado a esta nova realidade jurisdicional. E tal, levou a alteração para mais, das alçadas dos Tribunais de Comarca, com a introdução do tribunal intermédio. E em alguns casos, tal alteração implicou a perda do direito ao recurso de acções intentadas no âmbito da alteração a lei nº 9/05, de 17 de Agosto.
III- O ter já exercido o direito de recorrer da decisão da primeira instância, sem qualquer cerceamento inutilizou qualquer hipotético direito que resultaria da invocada norma; salvo se, se quisesse fazer uma “romaria” de recursos infindáveis, em todas as instâncias; o que não é, nem pode razoavelmente ser atendido, a não ser que se pretenda visionar um direito novo, para perpetuar a incerteza e insegurança jurídicas desconformes com a justiça esperada.
ACÓRDÃO
Processo n.º: 001/2023
Relator: Desembargador Domingos Astrigildo Nahanga
Data do acórdão: 30 de Novembro de 2023
Votação: Unanimidade
Meio processual: Apelação
Decisão: Confirmado o despacho reclamado.
Palavras-chaves: valor da acção sobre imóveis, artigo 2.º da Lei
n.º 5/A/21, de 5 de Março, indeferimento do
recurso, reclamação.
Sumário do acórdão
I-
A decisão cujo
valor é inferir a alçada da Relação não admite recurso. E daqui não resulta
qualquer desvalor do princípio de acesso ao direito e a tutela jurisdicional
efectiva, consagrado no artigo 29º/ 1 da CRA.
II-
Com a introdução
na ordem judicial de uma nova categoria de tribunais intermédios às existentes,
no caso, Tribunais da Relação, impunha-se a necessidade de o valor das alçadas
ser adaptado a esta nova realidade jurisdicional. E tal, levou a alteração para
mais, das alçadas dos Tribunais de Comarca, com a introdução do tribunal
intermédio. E em alguns casos, tal alteração implicou a perda do direito ao
recurso de acções intentadas no âmbito da alteração a lei nº 9/05, de 17 de
Agosto.
III-
O ter já
exercido o direito de recorrer da decisão da primeira instância, sem qualquer
cerceamento inutilizou qualquer hipotético direito que resultaria da invocada
norma; salvo se, se quisesse fazer uma “romaria” de recursos infindáveis, em
todas as instâncias; o que não é, nem pode razoavelmente ser atendido, a não
ser que se pretenda visionar um direito novo, para perpetuar a incerteza e
insegurança jurídicas desconformes com a justiça esperada.
* * *
Os
Juízes da Câmara do Cível, Administrativo, Fiscal e Aduaneiro do Tribunal da
Relação acordam em nome do povo:
RR, solteira, filha de (…) e de (…), nascida aos 12 de
Janeiro de 1964, portador do B.I. nº (…), de 20 de Abril de 2010, residente na província
do Namibe, bairro (…);
Veio reclamar do despacho de não admissão do recurso
sobre o Acórdão que desatendeu a sua pretensão, na acção de reivindicação de
propriedade, tendo para o efeito:
1.
Recorrido do despacho
de indeferimento do requerimento de recurso;
2.
Reclamado do despacho,
depois de convidado a corrigir as omissões e incorrecções.
O argumento trazido é de que acção de que se recorre
incide sobre imóveis e neste aspecto, a norma do artigo 2º da Lei 5-A/21, de 5
de Março (sobre a actualização das custas judiciais e alçadas dos Tribunais) dá-lhe
amparo ao recurso, porque dispõe que é aplicada a lei vigente à data em que as
acções foram intentadas.
O fundamento do despacho reclamado que não admitiu o
recurso, consistiu em suma, no facto de o valor da acção de que se recorre
estar dentro da alçada do Tribunal recorrido, no caso, o da Relação do Lubango.
A
questão está em volta de saber qual é a norma de aplicação para o caso: se a 1ª
ou a 2ª parte do número 3 do artigo 2º da lei nº 5-A/21, de 5 de Março.
APRECIANDO
O cavalo de batalha escolhido pela reclamante, para atacar
o despacho de indeferimento é a doutrina fixada na 2ª parte do número 3 do
artigo 2º da Lei actual, que dispõe: “excepto quando se trate de causas relativas
a bens imóveis, que deverão ser reguladas pela lei em vigor ao tempo em que foi
instaurada a acção.
Quer na antiga lei, quer na actual, o direito de recorrer
da reclamante nunca esteve em causa, na primeira instância, porque o valor da
acção é superior ao do Tribunal de Comarca, em qualquer uma das Leis.
Se resulta da doutrina consagrada no número 3/2ª do
artigo 2º da lei vigente, o acautelamento do princípio do duplo grau de
jurisdição, estando a acção intentada em primeira instância e na fronteira da
lei anterior e a lei posterior; porém, impõe-se ao intérprete e aplicador da
lei, extrair, quer do contexto em que ela é feita, quer do texto e do espírito
da norma, a verdadeira justiça nela incorporada. E daqui resulta:
1.
A acção cuja decisão
se recorreu para esta instância, à data da interposição do recurso não estava
afectado por qualquer restrição resultante do número 3/1ª parte do artigo 2º da
Lei nº 5-A/21, de 5 de Março, que dispõe: “A admissibilidade dos recursos por efeito
das alçadas é regulada pela lei vigente à data da interposição do recurso…”;
2.
A presente acção é
marginal à protecção dada pela norma, na sua 2ª parte, que visa tão só tutelar as
expectativas de recurso, atento ao valor da acção no momento da interposição em
juízo, sendo que esta, o seu valor era superior a alçada do Tribunal recorrido;
3.
A reclamante não pode
invocar nenhum prejuízo no direito de recorrer, tendo sido este direito usado
na primeira instância. Se ela não usou desta faculdade prevista, porque não carecia,
pelo facto de o valor da acção não estar afectado; não pode vir invocar este
direito na 2ª instância, tendo aquele direito sido pensado para garantir o
duplo grau de jurisdição de acções, que tendo sido “apanhadas” no intervalo de
duas leis sobre as alçadas; a última acabe por prejudicá-la, o que não é o
caso;
4.
Este direito só é
exercitável nas acções em primeira instância, nos Tribunais de Comarca ou
Relação. E neste, só por mera hipótese, considerando o facto de que à data da
entrada em vigor da lei nº 5-A/21, de 5 de Março, os Tribunais da Relação não tinham
existência efectiva, na ordem jurisdicional angolana;
5.
O legislador
salvaguardou o direito ao recurso de decisões, mesmo nas situações em que a lei
vigente à data da interposição, o valor estivesse dentro da alçada do Tribunal
recorrido; desde que se tratasse de imóveis e o direito de recurso fosse
expectável à data da interposição da acção em primeira instância e numa altura,
em que o Tribunal Supremo era o único Tribunal de recurso, até então existente.
Quanto à isso, até onde vai o nosso entendimento, não parece suscitar dúvidas
insanáveis.
Doutro modo, a questão poderia colocar-se em se saber, se
de acordo com o número 3/2ª do artigo 2º da lei vigente, o recorrer de decisões,
quando se trate de acções sobre bens imóveis, de valor inferior a alçada do
Tribunal recorrido; ainda assim é de dar guarida na segunda instância.
Desta norma deve-se extrair o direito ao recurso pela
primeira vez e na primeira instância e, não já direito a sucessivos recursos em
instâncias superiores. O recorrer da decisão da primeira instância, esgota o
direito contido na norma. Aliás, é preciso não perder de vista que este
direito, olhando para as principais razões históricas que razoavelmente podem
ser extraídas do preâmbulo da lei, não tem consistência pelo seguinte:
a)
Com a introdução na
ordem judicial de uma nova categoria de tribunais intermédios às existentes, no
caso, Tribunais da Relação, impunha-se a necessidade de o valor das alçadas ser
adaptado a esta nova realidade jurisdicional. E tal, levou a alteração para
mais, das alçadas dos Tribunais de Comarca, com a introdução do tribunal
intermédio. E em alguns casos, tal alteração implicaria a perda do direito ao
recurso de acções intentadas no âmbito da alteração a lei nº 9/05, de 17 de
Agosto;
b)
Com vista
salvaguardar as expectativas legítimas, quanto ao direito ao duplo grau de
jurisdição, no momento da interposição da acção, o legislador introduziu na 2ª
parte do número 3, do artigo 2º da lei actual, a norma que mantem as expectativas
das partes de acederem a “2ª opinião” jurisdicional do Tribunal imediatamente
superior ao recorrido, no caso o da Relação que, se olharmos historicamente para
o artigo 1º da lei 20/88, de 31 de Dezembro-lei sobre o ajustamento das normas
processuais penal e civil, tecnicamente só veio recobrar as suas competências do
Tribunal Supremo, que era à data da interposição da acção o único tribunal de
recurso em Angola. Essa é em suma a razão de ser desta norma e não mais do que isso,
conforme pretende fazer crer a reclamante;
c)
A acção foi
instaurada na vigência da lei antiga, e a entrada em vigor da lei nova não
causava qualquer prejuízo ao direito a recorrer, porque o valor da acção era
por si só superior ao do tribunal recorrido, quer se esteja na antiga, quer na
nova lei. Por aqui vê-se que não houve prejuízo para a recorrente, ora
reclamante, de exercer o seu direito de recorrer. Tanto é assim, que o recurso subiu
e foi conhecido nesta instância e;
d)
O ter já exercido o
direito de recorrer da decisão da primeira instância, sem qualquer cerceamento
inutilizou qualquer hipotético direito que resultaria da invocada norma; salvo
se, se quisesse fazer uma “romaria” de recursos infindáveis, em todas as
instâncias; o que não é, nem pode razoavelmente ser atendido, a não ser que se
pretenda visionar um direito novo, para perpetuar a incerteza e insegurança
jurídicas desconformes com a justiça esperada.
Tal como expresso claramente no despacho reclamado, a
decisão cujo valor é inferir a alçada da Relação não admite recurso. E daqui não
resulta qualquer desvalor do princípio de acesso ao direito e a tutela
jurisdicional efectiva, consagrado no artigo 29º/ 1 da CRA;
Assim, por tudo que fica exposto acima, não assiste razão
a reclamante, quanto a pretensão vertida na presente reclamação, devendo por
esse efeito e ao abrigo do artigo 446º/1 do CPC e do artigo 38º do CCJ, sujeitar-se
às custas de incidente.
Tudo visto e ponderado;
Decisão:
Acordam
os Juízes desta Camara em manter nos precisos termos o despacho reclamado.
Junte certidão da petição inicial.
Custas pela reclamante em 1/8.
Registe e notifique.
Lubango, 30 de Novembro de 2023
Os Juízes
Desembargadores
Relator: Domingos
Astrigildo Nahanga
1.º Bartolomeu Hangalo
2.º Adjunto: Marta
Marques