Processo
0003/2022
Temática
Habeas Corpus. Requerimento de Providência de Habeas Corpus.
SENTENÇA
PROC N.º 003/22
O Juiz Desembargador Presidente, nos presentes
autos de recurso para o Tribunal da Relação do Lubango, decide:
RELATÓRIO.
SSS, devidamente
identificado nos autos, preventivamente detido,
por ele e seu ilustre mandatário judicial, vêm requerer nos termos dos artigos
68º e 175º da CRA, combinados com o artigo 290.º nº 2, e 4, alínea c) do C.P.P,
aprovado pela Lei nº 38/20 de 11 de Novembro, Providência de Habeas Corpus,
alegando em síntese, estar detido ilegalmente.
No Tribunal da Comarca da Matala, foi julgado o
requerente, SS, da sentença condenatória, a defesa interpôs tempestivamente
recurso da decisão, no dia 16 de Junho de 2021, alegando que o arguido
respondeu em liberdade e após a sentença, o mesmo foi conduzido à cadeia, (fls.
5).
Que não interpôs recurso em acta, pelo facto do
arguido encontrar-se detido em sede de um outro processo.
Tendo sido atribuído o efeito suspensivo, devendo
para tal ter sido imediatamente restituído a liberdade, o que não aconteceu,
alegando que nos termos do art.º 465º do C.P.P., o que suspende é a execução da
pena acessória, aplicada pressupondo a ver conformismo quanto a pena privativa
de liberdade.
Inconformado com esta posição do Juiz da causa, no
dia 16 de Junho de 2021, deu entrada da Providência de Habeas Corpus, alegando
em síntese que esta posição tomada pelo Mmº Juiz é contrária à jurisprudência e
à doutrina firmada pelo Tribunal Supremo, em matéria sobre efeitos suspensivo atribuído
a recursos.
O Mmº Juiz Presidente da Comarca da Matala, por
decisão datada de 23/07/2021, indeferiu o presente pedido de Habeas Corpus, com
o fundamento de que o arguido foi julgado e condenado a uma pena privativa de
liberdade de 3 (três) anos de prisão maior e igualmente condenado a uma pena
acessória de expulsão do território nacional, por se tratar de estrangeiro e
com a situação migratória ilegal.
Da decisão condenatória, veio interpor recurso, na
parte referente a pena acessória, “expulsão do território nacional” ao abrigo
da combinação dos art.ºs 465º, 469º n.º 1, 475º n.º s 3 e 5, 470º n.º 1
al. a) e 471º n.º 1 al. a), todos do C.P.P., que foi admitido com efeito
suspensivo.
Em face da referida admissão do recurso, e com
efeito referido, veio SS reclamar da sua restituição à liberdade, por entender
que o efeito suspensivo daria lugar à sua soltura, como consequência do efeito
suspensivo atribuído ao recurso da decisão recorrida.
O juiz, por entender que a decisão recorrida é a
inerente à pena acessória, conforme limitação feita nos termos do art.º 465º do
C.P.P., não deu provimento à reclamação sobre a restituição à liberdade do
requerente SS.
Insatisfeito com tal despacho, SS, veio interpor Providência
de Habeas Corpus, convencido de que a sua prisão é ilegal e por isso, clama sua
restituição à liberdade, com o fundamento ao n.º 1 do art.º 464º do C.P.P., que
dispõe “sem prejuízo da faculdade de o limitar, nos termos do artigo seguinte,
o recurso abrange todo o conteúdo da decisão recorrida.”
Na verdade, a protecção da liberdade individual nos
casos em que não haja outro meio legal de fazer cessar a ofensa ilegítima dessa
mesma liberdade é, entre nós, assegurada pela Providência de Habeas Corpus, nos
termos conjugados dos art.ºs 68º da CRA e 290º do C.P.P.
Entrementes, o requerente SS, ao se escudar da
norma do n.º 1 do art.º 464º do C.P.P., ao considerar que o recurso que
interpôs abrange toda decisão recorrida, faz uma errónea interpretação da
norma, porquanto, é nosso entendimento que o espírito da letra da norma em referência,
traduz a ideia de que “por via de regra, o recurso abrange toda decisão
recorrida, sem prejuízo da faculdade de o limitar”. Quer isto dizer que, se ao
recorrente convier recorrer de toda decisão deve e pode, mas, não o querendo
abranger toda decisão, pode limitar o seu recurso à parte da decisão que
entende que não lhe convence.
Foi nesta perspectiva em que os argumentos esgrimidos
pelo requerente desta Providência, no seu requerimento de interposição de
recurso, e nas suas alegações, apontaram para a limitação do recurso interposto
nos termos do n.º 1 do art.º 465º do C.P.P., sendo que para todos os efeitos, o
efeito suspensivo recai simplesmente na parte referente a pena acessória, cuja
execução aguarda pela confirmação ou não, da apreciação do Tribunal “Ad Quem”.
Nestes termos e fundamentos, dado que o fundamento
invocado pelo requente não se enquadra em qualquer dos taxativamente enumerados
no n.º 4 do art.º 290º do C.P.P., rejeito-o liminarmente.
O ilustre advogado foi notificado do indeferimento
do Habeas Corpus no dia 29 de Julho de 2021, fls. 14.
No dia 02 de Agosto o mandatário judicial, deu
entrada a um pedido de interposição de recurso, por não se conformar com a
decisão que indefere o pedido de Habeas Corpus nos termos do art.º 294º e 470.º
n.º 1 al. h) ambos do C.P.P.
No mesmo dia, veio apresentar as alegações do
recurso dirigido ao Venerando Juiz Presidente do Tribunal Supremo, alegando em
síntese:
Ø o Tribunal “ a quo ” ao ter admitido no seu
despacho a interposição do recurso com efeito suspensivo, não devia manter a
prisão do recorrente;
Ø o Meritíssimo juiz presidente da Comarca da Matala,
na qualidade de juiz da causa, ao manter a prisão do recorrente e ao mesmo
tempo apreciar o Habeas Corpus, violou os pressupostos do art. 290º nº 7 do
C.P. Penal;
Ø Finalmente vem pedir que se declara ilegal a
manutenção da prisão e consequentemente, ordenar a soltura imediata do mesmo.
No dia 04 de Agosto de 2021, o recurso
extraordinário de Habeas Corpus, interposto foi admitido e ordenou-se a remessa
dos autos ao Tribunal Supremo, a fls. 21 dos autos.
Acontece que, o Cartório do Tribunal da Comarca da
Matala, ao invés de remeter o processo de Habeas Corpus, para o Tribunal Supremo,
em cumprimento do despacho do Mmº Juiz Presidente, apensou ao processo
principal e, como consequência ficou todo esse tempo, ou seja, cerca de 6
(seis) meses e 15 (quinze) dias parado.
O processo deu entrada neste Venerando Tribunal da
Relação do Lubango, apenas no dia 05 de Abril de 2022, a pedido do ilustre
advogado, foi o processo de Habeas Corpus desapensado do processo principal.
Seguidamente os autos foram com vista à Digna
Magistrada do MºPº junto deste Venerando Tribunal que emitiu o seu douto
parecer, o qual transcrevemos:
O arguido SS, requereu Providência de Habeas Corpus,
tendo sido indeferida, interpôs recurso de tal decisão.
No caso dos autos, o arguido foi julgado e condenado.
Antes do julgamento, a situação carcerária do mesmo,
no processo, era de arguido solto.
Na data da leitura da sentença, não tendo sido
interposto recurso após, em acta o mesmo foi recolhido à cadeia.
O mandatário do arguido, em sua representação,
interpôs recurso da decisão condenatória, dias depois, mas apenas em relação a
medida de expulsão.
Como bem se referiu o Tribunal “a quo”, tratou-se de
recurso limitado, nos termos da alínea f), n.º 2 do art.º 465º do C.P.P, que
incidiu na não concordância da pena acessória que lhe foi aplicada.
Opera o caso julgado sob condição resolutiva.
Pelo que, concordamos com os argumentos esgrimidos
pelo Tribunal “a quo”.
Embora o mandatário do recorrente tenha junto aos
autos, cópia do acórdão do Tribunal Supremo, o certo é que, trata-se de
situações distintas, pois naquele processo o recurso foi interposto
imediatamente após a leitura do acórdão.
Por outro lado, não consta dos autos cópia do mandado
de condução.
Compulsado o processo principal denota-se não ter sido
o mesmo juiz que condenou e ordenou a prisão do arguido.
O juiz que indeferiu a Providência de Habeas Corpus,
embora ter tido intervenção no processo foi a posterior, aquando da admissão do
recurso ordinário.
Pelo exposto, entendemos não havendo, assim, violação
ao previsto nos n.ºs 4 e 7 do art.º 290º do C.P.P. e, em consequência,
requeremos que, não se dê provimento ao presente recurso.
É CHEGADO, O MEMENTO DE APRECIAR
O Poder Judicial, constitui a mais sólida salvaguarda
dos direitos individuais dos cidadãos, pelo facto de ser a garantia da própria
ordem jurídica do Estado.
A Providência de Habeas Corpus, não se substitui, nem
pode substituir-se aos recursos ordinários, ou seja, não é, e nem pode ser meio
adequado de pôr termo a todas as situações de ilegalidade da prisão. Está
reservado, quanto mais não fosse por implicar uma decisão verdadeiramente
célere, mais precisamente “num prazo nunca superior a cinco dias úteis”, art.º
292º n.º 5 e 294º n.º 3, ambos do C.P.P. Para casos de ilegalidade, porque
manifesta e indiscutível e sem margem para dúvidas como são os casos de prisões
ordenadas por entidades incompetentes, mantida para além dos prazos fixados na
lei ou mantida para além da decisão judicial.
COMPETÊNCIA DO
TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO LUBANGO.
Da competência do Juiz Presidente do Tribunal da
Relação do Lubango para conhecer deste feito.
O presente Habeas Corpus, foi endereçado ao
Venerando Juiz Conselheiro Presidente do Tribunal Supremo. Todavia, deu entrada
no Tribunal da Relação do Lubango, o que poderia suscitar dúvidas quanto à
competência deste juízo, (fls. 16).
Apesar da Constituição da República de 2010, no
capítulo referente ao Poder Judicial, estabelecer que “o sistema de organização
e funcionamento dos Tribunais compreende uma jurisdição comum encabeçada pelo
Tribunal Supremo e integrada igualmente por Tribunais da Relação e outros
Tribunais (art.º 176º, nº2, al. a) C.R.A.), ainda assim, por algum tempo
continuou a vigorar, ainda que de forma implícita, o que dispunha a Lei nº
18/88, de 31 de Dezembro, Lei do Sistema Unificado de Justiça que dispunha, no
nº 1 do seu art.º 6º que “os Tribunais estão divididos de acordo com a seguinte
hierarquia;
- Tribunal Supremo; - Tribunais Provinciais; -
Tribunais Municipais.
Foi então necessário reformar a legislação até
então vigente para conformá-la à Constituição da República de Angola, o que
levou a que fosse discutida, aprovada e entrasse em vigor a Lei nº 2/15, de 2
de Fevereiro, Lei Orgânica Sobre a Organização e Funcionamento dos Tribunais da
Jurisdição Comum, e a Lei nº 1/16, de 10 de Fevereiro, Lei Orgânica Dos
Tribunais da Relação, com as devidas alterações feitas pela Lei n.º 3/22 de 17
de Março, mais conformes à Constituição.
A esse quadro de legislação oriundo da reforma
legislativa, acresce a Lei nº 6/21, de 1 de Abril, Lei que Repristina Normas do
Código de Processo Civil em Matéria de Recursos.
Com a entrada em vigor dessa legislação,
materializou-se o imperativo constitucional, e foram instalados e entraram em
funções, os Tribunais intermédios, mais precisamente, os Tribunais da Relação
de Benguela, Luanda e Lubango, sendo este último com jurisdição na Região
Judicial IV, com sede no Lubango e que compreende as Províncias Judiciais do
Cuando Cubango, Cunene, Namibe e Huíla, de onde é oriundo o presente Habeas Corpus.
Com base na legislação indicada nos parágrafos que
antecedem, e com a entrada em vigor do Novo Código de Processo Penal, a
competência para conhecer de recursos de Habeas Corpus, é do Juiz Presidente do
Tribunal imediatamente Superior, como dispõe o art.º 68º da CRA e 294º n.º 1 do
C.P.P.
LEGITIMIDADE
A providência de “Habeas Corpus” pode ser requerida
pelo detido ou preso, ou qualquer cidadão no gozo dos seus direitos civis e
políticos, a pedido ou no interesse daquele, nos termos do nº 6 do art.º 290º
do C.P.P., sendo que no caso “subjudice” foi intentada pelo mandatário do
requerente.
OBJECTO
O requerente, compreende que pelo facto do Tribunal
“a quo” ter admitido no seu despacho a interposição de recurso com efeito
suspensivo, não devia manter a sua prisão, pelo que torna-se ilegal.
O requerente, reclama estar sujeito a uma prisão
ilegal, pelo facto de ter sido interposto recurso, admitido e atribuído o
efeito suspensivo, porém, o juiz deu cumprimento desta decisão, ao arrepio da
lei em conduzi-lo à cadeia.
Depreende a defesa que o seu constituinte deveria continuar
em liberdade, aguardar pela conformação ou alteração da decisão.
Conclui que a condução do arguido à cadeia é
contrária à jurisprudência e doutrina firmada pelo tribunal Supremo.
FUNDAMENTAÇÃO.
A pretensão formulada pelo requerente
nestes autos pressupõe, essencialmente, uma interpretação do preceituado no
art.º 68º da Constituição, de onde resulta poder o interessado requerer,
perante o Tribunal competente, a Providência de Habeas Corpus, em virtude de detenção ou prisão ilegal. Sendo o
único caso de garantia específica e extraordinária constitucionalmente prevista
para a defesa dos direitos fundamentais.
São exigidos
cumulativamente dois requisitos:
1) Abuso de poder, lesivo
do direito à liberdade, enquanto liberdade física e liberdade de movimentos e,
2) Detenção ou prisão ilegal.
Isto é, a interposição
desta Providência de Habeas
Corpus só é possível
desde que se verifiquem estes requisitos muito restritos e só pode ser deferida
se verificados um ou mais destes pressupostos.
Por sua vez, o art.º 290.º, n.º 4, do C.P.P. faz depender a Procedência da
petição de Habeas Corpus do
facto de, a prisão:
a) Ter sido efectuado
ou ordenado sem mandado de autoridade competente;
b) Estar excedido o
prazo para a entrega do arguido detido ou preso preventivamente ao Magistrado
competente para validação da detenção ou prisão preventiva;
c) Manter-se para
além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial;
d) Manter-se a
privação da liberdade fora dos locais para este efeito autorizados por Lei;
e) Ter sido a
privação da liberdade ordenada ou efectuada por entidade incompetente;
f) Haver violação dos
pressupostos e das condições da aplicação da prisão preventiva.
No caso dos autos, o recorrente entende que a sua condução à cadeia, não
obstante existir um recurso da decisão que o condenou, que foi admitido e atribuído
o efeito suspensivo, é ilegal, por violar os princípios da suspensão da decisão
objecto de recurso, não podendo, por isso, dar-se seguimento ao determinado na
decisão.
Alega ainda que o efeito suspensivo significa que a decisão não deve ser
executada, enquanto não for confirmada pelo Tribunal “ad quem”.
Vejamos.
Na verdade, sempre diremos que o efeito suspensivo consiste na suspensão
dos termos da decisão recorrida, ou seja, os termos do processo são suspensos,
seguindo somente os termos do recurso, não podendo, por isso, dar-se seguimento
ao determinado na decisão.
O efeito suspensivo significa que a decisão não deve ser executada,
enquanto não for confirmada pelo Tribunal “ad quem”, devendo o condenado ser
reconduzido à condição em que se encontrava antes do acórdão (vide acórdão n.º
654/2016-Habeas Corpus, Câmara Criminal do Tribunal Supremo).
O arguido SS,
à data dos factos, respondia em dois processos crimes, sendo um na qualidade de
detido e outro na qualidade de solto, o processo que se refere a Providência de
Habeas Corpus, respondia na qualidade de solto.
Neste
mesmo processo, se realizou o julgamento, no qual, foi condenado a uma pena
privativa de liberdade de 3 (três) anos de prisão maior e igualmente condenado
a uma pena acessória de expulsão do território nacional, por se tratar de
estrangeiro com a situação migratória ilegal.
Na data da leitura da sentença, não interpôs
recurso em acta, não tendo sido interposto recurso, o Mmº juiz ordenou que o
arguido deveria cumprir com a decisão, ou seja, os três anos de prisão.
De realçar,
que nos autos não constam mandados de condução à cadeia, pressupondo pelo facto
de estar detido no outro processo.
Dias
depois, o ilustre advogado vem interpor recurso da decisão, mas apenas em
relação a medida acessória de expulsão do território nacional.
Este
recurso foi admitido, com efeito suspensivo e até neste mesmo dia nada se
questionava a respeito do cumprimento da pena do arguido.
Entretanto,
o advogado ao aperceber-se que o arguido lhe havia sido restituído a liberdade,
no outro processo, no qual estava preso, vem então reclamar ao juiz da causa
que o condenou em 3 anos de prisão, a soltura do arguido, invocando o efeito
suspensivo atribuído ao recurso.
Ora,
facilmente se depreende que o arguido, está conforme com a condenação de 3 anos
de prisão, facto que se justifica ao delimitar o seu recurso, quanto a medida
acessória de expulsão.
Uma vez
que está conforme com a pena aplicada de 3 anos de prisão, e, porque não é
objecto do seu recurso, que delimita o alcance de apreciação em sede de
recurso, nada obsta que quanto a esta parte da decisão, o arguido começa a
cumprir a pena aplicada ou seja somos de entendimento que uma vez a defesa se
conformando com os três anos de prisão efectiva, e dela não recorreu, esta
parte da decisão, pode ser executada e o arguido aguardar apenas quanto a pena
acessória, que é objecto de recurso.
Com os
fundamentos descritos, é de concluir que não assiste razão ao recorrente.
Conforme
entendimento, como há decaimento da Providência, dá lugar a condenação na taxa
devida.
Nestes
termos, decido julgar improcedente o presente recurso de habeas corpus.
-
Notifique.
- Lubango,
13 de Abril de 2022.
O Juiz
Desembargador Presidente
Armado do
Amaral Gourgel