Processo
0020/2022-CRI1
Relator
Catarina Castro
Primeiro Adjunto
Amadeu Carlos
Segundo Adjunto
Tânia André
Descritores:
Recurso Ordinário, Processo Penal, 1ª Espécie, Tribunal da Comarca do Lubango-Homicídio Voluntário Simples e Danos Em Edificação Ou Construção Pertencente A Outrem.
PROC. N.º0020/2022
ARGUidos:
A, m.i. fls.23.
B, m.i. fls.25.
c, m.i. fls.73.
D, m.i. fls.76.
E m.i. fls.78.
F, m.i. fls.80.
G, m.i. fls.82.
H m.i. fls.83.
I, m.i. fls.85.
J, m.i. fls.86.
K, m.i. fls.88.
L, m.i. fls.89.
M, m.i. fls.91.
A c ó r d ã o
Em nome do povo,
acordam em conferência os Juízes Desembargadores da Segunda Secção da Câmara
Criminal deste Tribunal da Relação,
1. RELATÓRIO.
Na
Segunda Secção B2 da Sala das Questões Criminais do Tribunal da Comarca do
Lubango, mediante processo de Querela do Ministério Público, foram os Arguidos:
1. A, solteiro, de 50 anos de idade (à data dos factos), nascido aos 16 de Março
de 1970, Agente da Polícia Nacional, filho de X e de Y, residente no Lubango, Huíla, m. i. fls. 23;
2.
B, solteiro, de 18 anos de idade (à data dos
factos), nascido aos 29 de Novembro de 2001, S/ocupação, filho de X e de Y, natural de Lubango, residente (…), m. i. Fls. 25.
3.
C, solteira, de 21 anos de idade (à data dos
factos), nascida aos 18 de Maio de 1999, s/ocupação, filha de X e de Y, natural de Lubango, residente no bairro (…), m. i. fls. 73;
4.
D, solteira de 23 anos de idade (à data dos
factos), nascida aos 09 de Maio de 1997, S/ocupação, filho de X e de Y, natural de Lubango, residente no bairro(…) , m. i. fls.76;
5.
E, solteiro, de 20 anos de idade (à data dos
factos), nascido aos 05 de Junho de 2000, s/ocupação, filho de X e de Y, natural de Lubango, residente no bairro (…), m. i. fls.78;
6.
F, , solteiro, de 19 anos
de idade (à data dos factos), nascido aos 24 de Janeiro de 2001, s/ocupação,
filho de X e de Y, natural de Lubango, residente no bairro (…) m. i. fls. 80;
7.
G, solteiro, de 18 anos de idade (à data dos
factos), nascido aos 20 de Dezembro de 2001, s/ocupação, filho de X e de Y, natural de Lubango, residente no bairro (…) m. i. fls. 82.
8.
H, solteiro, de 22 anos de
idade (à data dos factos), nascido aos 07 de Agosto de 1998, s/ocupação, filho
de X e de Y, natural de Lubango, residente no bairro (…)m. i. fls. 83.
9.
I, solteiro, de 18 anos de idade (à data dos
factos), nascido aos 25 de Novembro de 2001, s/ocupação, filho de X e de Y, natural de Lubango, residente no bairro (…), m. i. fls. 85.
10. J, solteiro,
de 16 anos de idade (à data dos factos), nascido aos 21 de Outubro de 2003, s/ocupação,
filho de X e de Y, natural de Lubango, residente no bairro (…), m. i. fls.86.
11. K,
solteiro, de 19 anos de idade (à data dos factos), nascido aos 08 de Setembro
de 2001, s/ocupação, filho de X e de
Y natural de Lubango, residente no
bairro (…), m. i. fls. 88.
12. L, solteiro,
de 18 anos de idade (à data dos factos), nascido aos 05 de Julho de 2002, s/ocupação,
filho de X e de Y natural de Lubango, residente no bairro (…), m. i. fls. 89.
13.M,
solteiro, de 22 anos de idade (à data dos factos), nascido aos 01 de Outubro de
1997, s/ocupação, filho de X e de Y, natural de Lubango, residente no
bairro (…), m. i. fls. 91.
Acusados e pronunciados como autores materiais e
sob a forma consumada na prática dos crimes de:
Arguido A, m. i. fls.
23, no crime de Homicídio Voluntário Simples,
p. e p. pelo art.º 349.º do C. P. de 1886 e, os
Arguidos
B, m. i. fls.25, C, m. i. fls.73, D, m. i. fls.76, E m. i.
fls.78, F, m. i. fls. 80, G, m. i. fls. 82, H m. i. fls. 83, I, m. i.
fls. 85, J, m. i. fls. 86, K, m. i. fls. 88, L, m. i. fls. 89 e M, m.
i. fls. 91, nos crimes de Danos Em
Edificação Ou Construção Pertencente A Outrem, p. e p. pelo n.º1 do
art.º427.º do C. P. de 1886. (fls. 316)
Realizado o julgamento e respondido os quesitos
que o integram foram, por acórdão de 23 de Julho de 2021 de fls.423, os
arguidos B,
m. i. fls.25, C, m. i.
fls.73, D, m. i. fls.76, E m. i. fls.78, F, m. i. fls. 80, G, m.
i. fls. 82, H m. i. fls. 83, I, m. i. fls. 85, J, m. i. fls. 86, K, m.
i. fls. 88, L, m. i. fls. 89 e M, m. i. fls. 91, absolvidos do crime contra
si imputados, por ilegitimidade do Ministério Público e, ao arguido A, m. i. fls. 23, condenado na pena de:
- 3 (Três) anos de prisão, com execução da pena suspensa por
um período de 5(cinco) anos, nos termos do art.º 50. n.º 1 do C. P.;
- Kz 80.000,00 (oitenta
mil Kwanzas) de taxa de justiça;
- Kz 3.000,00 (três
mil Kwanzas) de emolumentos ao defensor oficioso e;
- Kz. 1.850.000.00
(um milhão, oitocentos e cinquenta mil kwanzas) de pagamento da indemnização aos
familiares da vítima.
Desta decisão interpôs recurso o pai da vítima, W Sr. Z, por intermédio do seu Ilustre Advogado Assistente, por
inconformação do acórdão condenatório, contra o arguido A, nos termos dos arts.º 475.º n.º 3 do C. P. P. de 1929 e, no decurso do prazo legal,
apresentou as suas alegações para fundamentar o pedido, concluindo nos seguintes termos: (fls.426, 428 a
431)
“O tribunal a quo condenou o arguido A na pena de 3 anos de prisão com
execução suspensa por 5 anos, com fundamento de que o arguido agiu em legítima defesa, nos termos
do art.º 71.º
n.º 2 do C.
P., por constatar que o arguido recorreu a sua pistola não com o intuito de
matar a vítima nos autos, mas para dispersar os co-arguidos e a vitima que estavam
a espancar a sua família e a si próprio, fazendo valer o seu direito de defesa
a sua honra e da sua família. Mas, a legitima defesa não se verifica porque
segundo as respostas dos demais co-arguidos e do próprio arguido A, quando ele recorreu a arma de fogo
do tipo pistola, a contenda no quintal já havia terminado.
Outrossim,
o tribunal a quo, fundamentou ainda a suspensão da execução da pena aplicada ao
arguido A, afirmando que a sua
atitude foi sem dolo, porque o mesmo se mostrou profundamente magoado com o que
ocorreu tanto é que fez diligencias à instituição onde trabalha para apoiar o
óbito do infeliz. será que este argumento é susceptivel de afasta o dolo? Que há
sim o dolo eventual.
Logo,
a figura da legítima defesa foi mal aplicada, porque o tribunal ignorou os
requisitos cumulativos deste instituto jurídico, nos termos do art.º 31.º do C.
P. e pede a revogação da pena aplicada pelo tribunal a quo, por uma pena mais
ajustada a gravidade do facto.”
Admitido o recurso, o mesmo foi remetido à esta instância para sua
reapreciação.
Nesta instância, foram mandados seguir os termos
de recurso por nada obstar ao seu conhecimento.
Ao ter vista dos autos, o Digno Magistrado do
Ministério Público junto desta Câmara, emitiu o seu douto parecer, consubstanciado
resumidamente no seguinte:
“O Tribunal a quo
andou bem ao proceder ao enquadramento jurídico da conduta do arguido A pelo crime de Homicídio Simples, p. e
p. pelo art.º 147.º do C. P., por se tratar da norma mais favorável ao agente,
em obediência ao disposto no art.º 2.º n.º 2 do C. P. vigente.
No entanto,
considera que a pena aplicada ao arguido A
se mostra bastante branda e, não visa atingir o fim da prevenção geral, porque
a nossa sociedade no seu dia-a-dia, tem mergulhado numa violência sagaz. Mormente,
tendo em conta a qualidade do arguido A,
dotado de formação policial especifica, pois deveria ter enveredado por um mal
de menor gravidade
contra a vitima,
“W”
(nome aqui acrescentado), apesar de se reconhecer ter havido fortes motivações
por parte da vitima, enquanto vivo, onde o seu comportamento, de certo modo,
não foi cristalino.
Assim, promove a alteração da
pena ora aplicada (de 3 anos de prisão suspensa), agravando-a.”
Assim, em conformidade com o disposto no art.º 479.º n.º 1 do C. P. P.
este Tribunal “ad quem” admitiu o recurso, por ser legal, legítimo e
tempestivo, podendo ser tramitado, em algumas fases, como de agravo em material
cível.
*
2. OBJECTO DO RECURSO:
O âmbito do recurso é aferido e
delimitado pelas conclusões formuladas na respectiva motivação, sem prejuízo da
matéria de conhecimento oficioso deste Tribunal com instância superior. Pois, diferentemente
dos processos cíveis, em que domina o princípio do dispositivo das partes e os
tribunais só podem conhecer das questões que lhes são submetidas, nos processos
penais, vigora o princípio do conhecimento amplo do recurso, partindo da ideia
de que o seu objecto legal é a decisão recorrida e não a questão por ela
julgada, ainda que o recorrido restrinja o objeto do recurso, devido à
finalidade de interesse público que ela visa alcançar. (art.º 464.º
n.º 1 do CPP e Manuel Simas F
Recursos Penais em Angola, pag.77)
Assim, embora o recurso tenha sido interposto
apenas pelo progenitor da vítima W por
intermédio do seu Mandatário Judicial, da decisão condenatória proferida contra
o arguido A, nos termos do art.º 473.º
n.º 3 do C. P. P., este Tribunal o conhecerá, também, em relação aos demais
arguidos, pois nos cabe reapreciar o processo de recurso na generalidade, isto
é, tanto da matéria de facto como da matéria de direito. (art.º 663º do C.P.P. de 1929, artº 464º n.º 1 do C. P.
P. e Ac. Relação do Porto, 06-12-1930, Gaz. Rel. Lx.ª 44.º-248).
Nestes termos, da leitura atenta dos autos, sem
prejuízo das nulidades ou excepções de conhecimento oficioso, permite-nos
definir como objecto de recurso as seguintes questões a conhecer:
1. Verificar se houve mal aplicação do instituto da legítima
defesa por excesso do meio usado;
2. Reapreciar o acórdão
recorrido em ordem a revogar
a pena aplicada de 3 anos de prisão ao arguido A, agravando-a por uma pena ajustada
a gravidade do facto.
*
3. FUNDAMENTAÇÃO:
Por parecer-nos relevante para decisão, iremos
transcrever o acórdão recorrido quanto aos factos, ao enquadramento legal e a
medida da pena.
a) Dos Factos
Provados:
Com interesse para a decisão e após a discussão da
causa, ficou provado que por volta
das 16:00 horas do dia 08.09.20, no bairro (…) os arguidos B, C, D, E, F , G, H, J, K, L,
e M, regressados de um funeral
encontravam-se em casa do avô do infeliz W em relaxe parabenizando um dos
co-arguidos aniversariante; consumiam bebida do tipo cerveja Ngola e Jady;
retiraram-se daquela residência em estado e embriaguez, passando defronte à
residência do arguido A onde encontraram a declarante N, encostada ao muro em
companhia da declarante P;
Inesperadamente
o co-arguido G tropeçou contra a
declarante O ao passo que um outro
co-arguido arremessou uma pedra contra um cãozinho de estimação da declarante P;
O
e P ao questionarem a razão daquele comportamento um dos integrantes do grupo justificou-se que estavam
frustrados por causa do falecimento do
amigo deles tendo se retratado de seguida com pedido de desculpas;
Estranhamente,
o infeliz (W)
dirigindo-se à O e disse: "estás a
olhar o quê, filha da puta, puta de merda".
O, reagindo
àqueles palavrões foi importunada por uma das irmãs do infeliz (podendo ser a
co-arguida C), insurgindo-se contra ela, mandando-lhe calar a boca e
desferiu-lhe de seguida uma bofetada;
Foi
assim que se despoletou a
confusão, em que os co-arguidos invadiram o quintal do arguido A e encorajados pelo
infeliz W começaram a agredir tudo e
todos;
A
declarante Q ao se aperceber da
confusão aproximou-se do local no intuito de abrandar os ânimos dos co-arguidos, mas sem sucesso, porquanto, foi
agredida ao ponto de ficar quase nua;
A
fúria dos co-arguidos era tanta que nem a intervenção do declarante V, vizinho do
arguido A, foi suficiente para
conter os ânimos dos co-arguidos porque estes eram em número superior;
A
dimensão da confusão era tanta que O
não encontrou outra saída que não
fosse ligar para o arguido A seu pai, que por sinal já se
encontrava próximo de casa, vindo do serviço;
Mal
chegou à casa procurou saber o que se passava e de imediato pediu aos
co-arguidos que se retirassem da sua casa, tendo sido respondido pelo infeliz W com uma bofetada seguida de uma queda
que deixou o arguido A ao chão, pois
o infeliz era dotado de artes marciais, deixando o arguido sem meios de defesa;
No
momento em que o apenas conhecido por XXX
tentava apaziguar a confusão, o arguido A
rastejou para o interior da sua residência de onde tirou a sua pistola e ao
sair, fez dois disparos para o ar no intuito de dispersar os co-arguidos que
agrediam tudo o que lhes aparecia pela frente;
O
infeliz W ao ver o arguido A de pistola em punho, evidenciando os
Seus dotes de artes marciais, gritou para os seus comparsas dizendo: "não
tenho medo de tiro, aquelas balas são de borracha";
Vendo
a determinação do infeliz em desafiá-lo com vista a desarmar-lhe fez mais dois
disparos um dos quais no
braço esquerdo e o outro no tórax;
Apesar
de ter sido prontamente socorrido, o infeliz W chegou ao Hospital sem vida;
Ficou
finalmente provado que a obstinação do infeliz em
desarmar o arguido A constituiu-lhe forte ameaça pois não
imaginava o desfecho do cenário caso
permitisse ser desarmado;
b) Dos Facto
não-provados
Ao longo da discussão e julgamento da causa, não
ficou provado declarantes O e P tivessem solto palavras provocadoras contra
os co-arguidos;
Não
ficou igualmente provado que o arguido A ao chegar a sua
casa tivesse proferido palavrões para qualquer dos elementos do grupo;
Não
ficou ainda provado que o arguido A
tivesse recorrido à sua pistola com o fim de atingir mortalmente
qualquer dos co-arguidos;
Não
ficou provado que o arguido A tenha um comportamento agressivo na
sua convivência profissional ou social.
*
Agora
passamos a apreciar e decidir às questões do mérito da causa decorrentes das
conclusões.
2.1.
Aplicação do instituto da
legítima defesa.
Em suas alegações o recorrente
menciona que “O tribunal a quo condenou o arguido A na pena de 3 anos de prisão, com execução suspensa por um período
de 5 anos, com fundamento de que o arguido agiu em legítima defesa, nos termos
do art.º 71.º n.º 2 do C. P., por constatar que o arguido recorreu a sua
pistola não com o intuito de matar a vítima nos autos, mas para dispersar os
co-arguidos e a vitima que estavam a vandalizar a sua família e a si próprio,
fazendo valer o seu direito de defesa a sua honra e da sua família. Mas, a
legitima defesa não se verifica porque segundo as respostas dos demais
co-arguidos e do próprio arguido A,
quando ele recorreu a arma de fogo do tipo pistola, a contenda no quintal já
havia terminado.”
Ora vejamos, o que é o instituto da
legítima defesa?
A legítima defesa é considerada uma das causas
exclusórias da ilicitude, que se consubstancia no exercício de um direito de
defesa, em que a actuação do agente constitui o meio necessário para repelir a
agressão actual e ilícita de interesses juridicamente protegidos. Esse direito
de legítima defesa tem, entre nós, assento na Constituição, no Código Civil e
está previsto para efeitos penais no art.º 31.º do C. Penal. (art.º 36.º n.º 3 al. a) da CRA e art.º 337.º do C. C.)
«O reconhecimento do
direito de legitima defesa parte do princípio de que a lei não tem que recuar
ou ceder, nunca, perante a ilicitude, já que a agressão, sendo ilícita, não
lesa apenas um interesse jurídico singular, mas viola também a própria ordem
jurídica, o interesse comunitário.
Assim, sempre que
alguém seja vítima de uma agressão que não é obrigado a suportar, pode
defender-se dessa agressão, repelindo-a, com a certeza de que, defendendo-se,
não comete qualquer acto ilícito.
Diz-se então que a
resposta a tal agressão ilícita está justificada porque na circunstância o
agente se limitou a exercer o direito de legítima defesa». (ac. do STJ de 18 de Abril de 2002, proc. n.º106/2001, Santos e Leal-Henriques, Noções Elementares de Direito
Penal, pág. 66.)
A capacidade exclusória da ilicitude do
direito de legitima defesa depende da verificação dos seguintes requisitos:
- Agressão que seja: a) actual
e b) ilícita;
- Defesa que seja: a) necessária e b) com intenção defensiva.
Segundo o saudoso Prof. Beleza dos F a agressão é aqui qualquer conduta
que representa uma ofensa, isto é, uma lesão ou perigo de lesão de interesses
juridicamente protegidos. E como sabemos, a agressão é constituída por um
comportamento activo um «facere».
A actualidade da agressão, significa
que ela deve estar em execução ou eminente, isto é, que existam já actos que
segundo a experiência comum conduzam a consumação.
E como vimos acima, tal agressão deve
ser ilegal, isto é, quando aquele que a recebe não é obrigado por lei a
suportá-la, visto que tal ilicitude resulta da ordem jurídica no seu conjunto,
pois vai contra as normas objectivas de valoração, onde quer que elas se
encontrem e sejam elas de direito administrativo, civil, constitucional, etc. (Prof. Eduardo Correia, Direito Criminal, II, pag. 39)
A defesa necessária significa a
ausência de provocação por parte do defendente. Esta disposição consagra o
princípio de que contra a legitima defesa não se admite legitima defesa. Isto
para se evitar que por meio da provocação se crie uma determinada situação
objectiva de legitima defesa.
E o facto da defensa ser com a
intensão defensiva, significa que o agente deve estar em posição de defesa e
não de agredir, para pressupor o “aminus
defendendi” da legitima defesa, pois quem
procede para agredir, não se defende. (Prof.
Eduardo Correia, Direito Criminal, II, pag. 44, 50)
À luz desta materialidade vejamos se
na decisão recorrida se verifica a mal aplicação do instituto da legítima
defesa, como se sustenta na motivação de recurso.
No entanto, há necessidade de se apurar
aqui a legítima defesa segundo a totalidade das circunstâncias em que ocorreu a
agressão e, em particular, com base na intensidade daquela, da perigosidade dos
agressores e da sua forma de agir. Devendo se ajuizar objetivamente e «ex
ante», na perspetiva de um terceiro prudente colocado na situação do agredido.»
Dos factos
reportados nos autos, ficou claramente assente que no dia 08 de Setembro do ano
de 2020, por volta das 16h30, sensivelmente, no bairro (…), nesta cidade do
Lubango, mais concretamente no quintal da residência do arguido A, a vitima W em vida, na companhia dos co-arguidos B, m. i. fls.25, C, m. i. fls.73, D, m. i. fls.76, E, m. i. fls.78, F, m. i. fls. 80, G, m. i. fls. 82, H, m. i.
fls. 83, I, m. i. fls. 85, J, m. i. fls. 86, K, m. i. fls. 88, L, m. i. fls. 89 e M, m. i. fls. 91, agrediram fisicamente
a filha e a vizinha do arguido A,
declarantes N e P , desferindo contra elas e qualquer um que tentou acudir e parar
a agressão, violentos e intensos golpes de bofetadas, socos e pontapés. (fls. 37, 155v, 156v, 157v, 401v, 402)
Quando o arguido A chegou à casa as pressas, por ter
sido chamado pela filha, O, também
foi recebido com um violento golpe de rasteira, protagonizado pela vítima W, valendo-se da sua força por ter sido
praticante da arte marcial do tipo capoeira. Esse comportamento da vítima W contra o arguido A incitou a agressão, fazendo com que os seus comparsas,
co-arguidos B, C, D, E, F,
G,
H, I, J, K, L e M, também se juntassem a ela e, em acto contínuo, passaram a desferir
violentos e intensos golpes de socos, bofetadas e pontapés contra o arguido A, estatelado no chão. (fls. 8, 9, 33, 153v, 157v, 179v, 402, 402v)
Vendo a agressão da
vitima W e os seus comparsas contra
o seu vizinho, arguido A, o
declarante V, interveio na briga, puxando alguns dos
agressores para que parassem de bater o arguido A, mas sem sucesso. Porque aqueles agressores irados começaram a
bater também esse declarante, disferindo-o violentos
e intensos golpes de socos, bofetadas e pontapés. Foi nesse instante que o arguido A conseguiu escapar das mãos daqueles agressores e,
sorrateiramente, rastejou até ao interior da sua residência. Ali, o arguido A retirou uma arma de fogo do tipo
pistola que estava debaixo do colchão da cama do seu quarto. E, engatilhando a arma
de fogo, o arguido A pulou a janela
do quarto, com ela em punho e se dirigiu à parte do quintal onde estavam os
agressores. (fls
.35, 37, 153v, 154)
Ao avistá-los a
curta distancia, o arguido A fez
dois disparos ao alto com intuito de afugentar e repelir a acção daqueles
agressores. O que a principio, funcionou, porque com o barulho dos disparos a
maior parte dos agressores fugiu em debandada, uns há alguns metros do quintal
daquela residência. (fls. 24, 38, 154, 158v, 179v, 236v, 258, 271, 278)
Desafortunadamente,
a vitima W, de forma insistente,
desencorajava a fuga dos seus comparsas, dizendo-os, por duas vezes, para não
fugirem, porque, segundo ela, se tratavam de balas secas que não matavam. Tanto
que, acto continuou, a vitima W
avançou furioso em direcção ao arguido A,
tentando retirá-lo a arma da mão. Mas, o arguido A a empurrou com o pé, afastando-a há escassos metros de si e,
simultaneamente, nesse momento, premiu o gatilho da pistola que tinha em punho,
efectuando novamente mais dois disparos consecutivos, que atingiram a vitima,
um, no membro superior direito e, outro, na região torácica, isto é, no lado
esquerdo do peito dela, fazendo-a cair ao solo. E, em fração de segundos, a
mesma acabou por sucumbir nos braços da sua irmã e co-arguida D. (fls.
24, 154, 159, 159v179v, 236v, 258, 271, 276)
Não há qualquer sombra de duvidas de que a
actuação da vitima e dos seus comparsas contra o arguido A foi de todo inadmissível, inaceitável e intolerável, pois o
arguido A, autor do crime de
homicídio, foi brutalmente agredido pelos seus opositores e, não obstante ter
feito dois disparos para o ar, a fim de os intimidar e os dispersar.
O arguido A vira, momentos antes, o seu domicilio invadido, violado e
danificado pelos demais co-arguidos e a vitima nos autos, que de forma brutal e
violenta, seguidamente o agrediram fisicamente, humilhando-o na presença de
seus familiares e vizinhos. Também assistira impotente à agressão protagonizada
pela vitima e companhia contra a sua filha e vizinhos. Até a altura em que ele
conseguira escapar da fúria desmedida da vitima e companhia e ir munir-se da
arma de fogo que tinha guardada nos seus aposentos. E com ela em punho, o
arguido A efectuara, primeiramente,
dois disparos para o ar, com o intuito de amedrontar e afugentar a vitima e os
demais co-arguidos, logrando com que alguns deles, amedrontados, abandonassem a
sua propriedade, fugindo há escassos metros dali.
Mas, incompreensivelmente, a vitima W, furiosa e destemida, continuou a
afrontar o arguido A, tentando
retirar, agressivamente, a arma de fogo da sua mão. No entanto, o arguido A que se encontrava à curta distância
dela, acabou disparando a arma de fogo que tinha em punho, logo após ter empurrado
a vitima W para longe de si com o pé, atingindo-a numa das zonas vitais do seu
corpo. (fls. 271),
Como bem se
vê, não corresponde a verdade a alegação do recorrente segundo a qual a
agressão já havia terminado quando o arguido A efectuou o disparo que atingiu mortalmente a vitima W. Denotando claramente a existência de
todos os requisitos exigidos na legítima defesa, ou seja, a «actualidade e
ilicitude da agressão», o animus deffendendi e a «necessidade do meio
empregado».
Assim, julgamos
que não houve mal aplicação desse instituto pelo tribunal “a quo”, embora o
tenha mencionado nos autos de forma muito resumida, quanto a sua fundamentação,
ao que aqui se faz.
2.2.
a) Excesso do meio usado na legitima defesa.
Tendo sido provado o facto de que o
arguido A agiu em legitima defesa.
Há a necessidade de se averiguar se nas circunstâncias em que os factos
ocorreram se esperaria atitude diferente por parte do mesmo para verificar se
houve excesso de legítima defesa da sua parte.
Assim,
para além de outros requisitos que julgamos estarem plenamente preenchidos da
legitima defesa no caso "sub-judice", a doutrina exige que haja
"racionalidade do meio empregado para prevenir ou suspender a
agressão", visto que ela entende que, "tendo a legitima defesa
carácter de excepção, o meio deve ser apto, excluindo-se, portanto, os meios
ineficazes ou desnecessários" "e que" a racionalidade: do meio
inculca uma certa proporção a lesão e o meio usado".
O excesso de legítima defesa se situa
entre as causas de exclusão da culpabilidade: circunstâncias que impedem que
determinado acto considerado ilícito pela lei, sejam atribuídos de forma
culposa ao seu autor, motivos que anulam o conhecimento ou a vontade do agente.
Quando tal excesso (no grau em que são
utilizados ou na sua espécie os meios necessários para a defesa) resultar
de perturbação, medo ou susto não censuráveis (art.º 31.º, n.º 2 do C. Penal)
cabe na inexigibilidade de conduta diversa, actuando no domínio da culpa. Mas
não é qualquer perturbação, medo ou susto que é susceptivel de afastar a
punição em caso de excesso de legítima defesa, o que só sucederá quando os
mesmos não forem censuráveis.
A questão largamente debatida, tanto
na doutrina como na jurisprudência, tem sido a da exacta definição do conceito
de excesso de legitima defesa, pois o art.º 337.º do C. C., carreou novos
elementos para discussão. (C. P. anotado de
Manuel Maia Gonçalves, pag. 120)
No
concernente à racionalidade do meio, "ao
julgador-apenas poderá dar-se um critério
de orientação e não uma justa medida dessa proporcionalidade, que o meio
empregado para prevenir ou suspender a agressão, não vá além do que é
razoável".
O meio deve ser, pois, idóneo, isto é, adaptado à situação, em
vista duma legítima defesa eficaz, avaliado em face circunstâncias concretas,
tanto em relação ao agressor, como em relação ao defendente, deve ser também, o
menos prejudicial, pois se houver um meio menos prejudicial do que o - utilizado,
este terá sido, então, um meio excessivo e, portanto, desnecessário, não deverá
ir para além do razoável." (acórdão ao Processo n.º 11022.096 do Tribunal
da Relação de Luanda, Prof. Beleza dos Santos e Eduardo Correia).
Entretanto,
pese embora a divergência de opiniões doutrinárias, há que também ponderar os
valores ou interesses em conflito. E conferir se na necessidade da defesa ocorreu segundo a totalidade das circunstâncias em
que aconteceu a agressão e, em particular, com base na intensidade daquela, da
perigosidade do agressor e da sua forma de agir.
Apoiando-nos na teoria da culpa, seguida pela nossa legislação
penal, é legítimo para apreciar correctamente a conduta do arguido, que se coloque
as seguintes perguntas: seria nas circunstâncias então existentes, exigível ao arguido
outro comportamento? Dever-se-á o excesso da sua acção à perturbação ou medo
desculpável que o inibiu de avaliar qual a justa medida do meio a utilizar para
pôr termo a agressão? Terá o arguido A se
excedido no meio usado para se defender ou melhor, a arma de fogo foi o meio
idóneo face a situação concreta?
Ora vejamos. Analisando
a primeira questão, “será que, nessas
circunstancias, se exigiria do arguido A
outro comportamento?”
Constata-se que
da forma em que os factos se deram, a resposta é não. Porque denota-se que tudo
ocorreu de repente, sem qualquer planificação. Isto é quando o arguido A efectuou os dois primeiros disparos com o
intuito de afastar os seus agressores e impedir que eles continuassem a
agredi-lo a si, a sua família e vizinhos. Nota-se claramente isto, porque ele
fez os disparos para o ar, pretendendo evitar que os seus agressores
continuassem a violar o seu domicílio, a agredi-lo a si, à sua filha e vizinhos
como há poucos instantes o haviam feito, visto ser muito grande a desproporção
de forças entre ele e aqueles agressores.
Assim, da
forma em que os factos ocorreram, percebe-se que o arguido A não teve qualquer oportunidade de agir de forma diferente da que
agiu para obstar à iminência da nova agressão, senão recorrer a arma que
tinha na mão, efectuando, o disparo que atingira acidentalmente uma das zonas
vitais do corpo da vitima W. Pois
estava perante uma agressão ilegal e em execução.
Quanto a segunda questão: O
excesso da acção do arguido A se
deve a perturbação ou medo desculpável que o inibiu de avaliar qual a justa
medida do meio a utilizar para pôr termo a agressão?
O principio da proporcionalidade não tinha
como ser observado pois os agressores era em numero largamente superior,
apresentando-se extremamente furiosos e o pior, um deles praticante de artes
marciais do tipo capoeira, pelo que a ultima saída que o arguido A viu foi o uso da arma de fogo, que
inicialmente disparou ao ar para afugentar os agressores e pôr fim a agressão.
Mas, a afronta da vitima W para
desarmar o arguido resultou na sua morte.
E face à mesma factualidade não se afigura
que se possa fazer apelo, como o Recorrente pretende exigir quanto, à
"presença de espírito" ao "discernimento" de que o arguido A deveria ter pois que está assente que
ele estava perturbado devido a situação de aflição em que se encontrava, isto
é, «assustado e muito nervoso» quando «disparou de novo a pistola». (fls. 430).
Resulta, assim, que desde o momento em que
recorreu a arma de fogo, o arguido A
não visou atingir a vitima nos autos nem qualquer um dos demais co-arguidos,
mas sim procurou pôr cobro à conduta ilícita deles. Embora, no ultimo momento,
o arguido A tenha admitido
eventualmente que, por algum descuido, pudesse causar a morte de qualquer um
deles, ao que se conformou.
Quanto a terceira pergunta: Terá o arguido A se excedido no
meio usado para se defender ou melhor, a arma de fogo foi o meio idóneo face a
situação concreta?
É importante frisar que quando o arguido A fez os disparos que atingiram a
vítima, não visava imediatamente atingir uma das zonas vitais do corpo dela,
pois esses disparos ocorreram, no momento em que ele empurrou a vitima com o pé
para afastá-la de si, tendo a arma de fogo na mão com o dedo no gatilho,
previamente engatilhada. Melhor dizendo, no momento em que ele empurrou a
vitima com o pé, acabou premindo o gatilho da pistola, disparando em simultâneo
dois tiros que a atingiram acidentalmente, um no membro superior direito e
outro numa das zonas vitais do seu corpo, isto é, no lado esquerdo da região
torácica, pondo fim a vida dela.
Bem, percebe-se claramente nos autos que,
em nenhum momento, o arguido A direcionou intencionalmente a arma de fogo para
a vitima W quando efectuou o disparo
letal que a atingiu mortalmente.
Até porque, tendo em conta o número das
pessoas (+ de 12) que em grupo invadiram o domicílio do arguido A e, furiosos, agrediram fisicamente a
si, a sua filha e vizinhos, e forma brutal e violenta que caracterizara as
agressões, não se vê que fosse humanamente exigível que, ainda por cima depois
de ter sido altamente espancado e eminentemente afrontado pela vitima, o mesmo visasse
concretamente uma das pernas ou outra zona do corpo que pudessem ser atingidos.
Verifica-se
nos autos que a arma de fogo usada pelo arguido A trata-se de uma pistola de marca Barack de 9x19, com um
carregador contendo sete munições de 9mm e três invólucros. (fls. 30)
No entanto,
sabe-se que o arguido A é um agente
da policia nacional. E melhor do que qualquer leigo, tem pleno conhecimento da
perigosidade e dos danos que uma arma de fogo representa, quando usada contra
um ser vivo.
A arguido A sabia as condições técnicas da arma …
Assim, impõe-se
concluir aqui que o arguido A agiu
na circunstância com excesso do meio empregue, por forma a levar a sua conduta
para a previsão do art.º 31.º n.º 2 do C. Penal, ante a verificação da legítima
defesa afirmada na decisão recorrida.
3. 2. Enquadramento jurídico legal e Medida da pena.
O arguido A foi julgado e condenado pela prática
do crime de Homicídio Simples do tipo p. e p. pelos art.º 349.º do C. P. de
1886, que estabelece que aquele que voluntariamente matar outra, será punida
com prisão maior de 16 a 20 anos.
O tribunal “a
quo”, em obediência ao principio da aplicação da lei mais favorável ao agente,
estabelecido no art.º 2, n.º 2 do C. P. vigente, aplicou ao caso “sub judice” a
qualificação jurídica do Homicídio Simples p. e p. no art.º 174.º que
estabelece quem matar voluntariamente outra pessoa é punida com prisão de 14 a
20 anos. E, tendo em conta, as circunstancias atenuantes do art.º 71.º n.º 2
als. c), e), e g) - bom comportamento anterior, assim como o exercício da
legitima defesa -, que militam a favor do arguido A, decidiu condená-lo na pena de 3 anos de prisão, com execução suspensa
por cinco anos, no pagamento de oitenta mil kwanzas de taxa de justiça e um
milhão e oitocentos e cinquenta mil de indemnização aos familiares da vítima.
Com isto, o
recorrente e o Digno Magistrado do Ministério Publico junto desta instância
requereram a revogação da decisão, devendo o Arguido A ser condenado numa pena que se ajuste a gravidade do facto, isto
é, numa pena mais grave atendendo ao bem vida que se perdeu.
Será que a
pena aplicada ao arguido A deverá
ser agravada?
É bem verdade
que a defesa da vida é um imperativo universal, por se tratar do bem mais
preciso de um ser vivo. No entanto, no caso em análise, perdeu-se uma vida de
forma néscia, pois se poderia evitar facilmente. Por isso, vale muito o antigo
brocardo “Quem evita, não é burro”.
Da apreciação
feita nos autos por esta instância, os factos revelam claramente que foi a atuação
da própria vitima W e companhia que
"estabeleceu" a necessidade do arguido A de recorrer a arma de fogo. E, quando se deu por assente que
nenhum deles fora atingido pelos projéteis dos primeiros disparados feitos pelo
arguido em causa, a vitima concluíra, erroneamente, tratar-se de uma pistola
com balas secas. Isto é, ela considerara que, ainda, que por alguma
circunstância fosse atingido com uma daquelas balas, a mesma não era
idónea de pôr fim à sua vida nem de parar a sua conduta ilícita que havia
desenvolvido e se preparava para a repetir, por se trata de bala seca ou de
borracha. O que não aconteceu. Porque quando um dos projéteis disparados pelo
arguido A atingira uma das regiões
vitais do seu corpo, o mesmo sucumbiu, para sua desgraça e infelicidade dos
seus parentes.
Outrossim, no momento em que o arguido A empurrou a vitima com o pé, acabou
premindo o gatilho da pistola, disparando em simultâneo os dois tiros que
acidentalmente, um atingira uma das zonas vitais do corpo da vitima, isto é, o
lado esquerdo da região torácica, pondo fim a vida dela.
pretendia se
defender da agressão actual e ilícita protagonizada pela vitima e os demais
co-arguidos, contra si, sua filha e vizinhos. Ou seja, em legítima defesa.
No entanto, incompreensivelmente, a vitima
incentivara em alta voz os seus comparsas a permanecerem ali e, julgando
tratar-se de uma pistola com balas secas, dissera para não fugirem porque
aquelas eram balas secas que não matam. E,
ao mesmo tempo, a vítima avançara destemida em direção ao arguido A, para desarmá-lo. Vendo a atitude da
agressiva da vitima, o arguido A
ainda tentara afastá-la de si, empurrando-o com um dos pés, e fora exactamente,
nesse instante, que, acabara por premir o gatilho da pistola, disparando dois
tiros seguidos que atingira mortalmente a vitima. (fls. 154, 179v, 271)
Pois, pela forma descrita, comprovou-se
que o arguido
Com esse
gesto, o arguido evidencia ter agido com dolo na sua forma eventual, pois
embora não quisesse disparar numa das zonas vitais do corpo da vitima, sabia da
possibilidade da ocorrência desse evento, quando com o dedo no gatilho efectuou
os disparos da arma que tinha em punho, previamente, por si, manipulada em
direcção ao corpo da vitima. Pois, como agente da polícia que é sabe que o uso de armas requer sempre o necessário cuidado por se tratarem
de um instrumento perigoso e estar em jogo vidas humanas.
No entanto, perante o circunstancialismo
apurado, verifica-se que o arguido A
agiu, na impossibilidade manifesta de recorrer à força pública, para repelir ou
paralisar a agressão iminente e ilícita da vítima W, mas excedeu-se no meio usado ao disparar a arma de fogo na
direcção em que a vítima se encontrava. Pois, importa, não esquecer dois
factores essenciais. Primeiro, a enorme desproporção de forças entre o arguido A e a vitima na companhia dos restantes
co-arguidos. Em segundo lugar, revela-se de capital importância todo o
circunstancialismo que antecedeu os disparos.
Contudo, esta instancia acredita que a persistência da vítima, em vida, W,
que sem se intimidar com os primeiros disparos feitos pelo arguido A, avançou furioso para retirar a arma
de fogo da mão dele e continuar a agressão, determinou necessariamente que o
arguido A, que tinha a pistola na
mão com o dedo no gatilho, assustado e muito nervoso, a disparasse aquela arma da
forma em que o fez, atingindo acidentalmente uma das zonas vitais do seu corpo.
Pois, a verdade é que, se a vitima, em vida, W não afrontasse o arguido armado e fugisse como alguns dos
co-arguidos o fizeram, no momento dos primeiros disparos ao alto, ele ainda
estaria vivo.
Assim sendo e nos termos do n.º 2 do art.º 31.º em consonância com
o seu n.º 1 do Código Penal, é de se manter a decisão recorrida, em virtude dos
factos terem sido praticados em legitima defesa, embora com excesso dos meios
empregados.
3. Da
Decisão:
Pelo exposto, os Juízes Desembargadores
da Segunda Secção deste Tribunal da Relação acordam em conferencia, julgar
improcedente o recurso interposto pelo progenitor da vitima W e, consequentemente, manter a decisão
recorrida nos devidos termos.
Sem custas.
Registe e notifique.
Lubango, 18.08.2022
A Relatora, Catarina Castro
1.º Juiz Adjunto, Amadeu Carlos
2.º Juiz Adjunto, Tânia André