Processo
110/2022CRI1
Relator
Catarina Castro
Primeiro Adjunto
Amadeu Carlos
Segundo Adjunto
Tânia André
Descritores:
Recurso Ordinário, Processo Penal, 1ª Espécie, Tribunal da Comarca de Moçâmedes -Transgressão;
PROC. N.º 110/2022
ARGUIDO: EMpresa A,
representaDA POR X, M. I. FLS. 05.
A
C Ó R
D Ã O
Em nome do povo acordam em
conferência os Juízes Desembargadores da Segunda Secção da Câmara Criminal
deste Tribunal da Relação,
1. RELATÓRIO:
Na Segunda
Secção - B da Sala das Questões Criminais do Tribunal da Comarca de Moçâmedes,
mediante processo especial de contravenção, movido pelo Digno Magistrado do
Ministério Público, foi arguida Empresa A,
representada pela senhora X, casada, de 34 anos de idade, natural de
Lubango, município de Lubango, província da Huíla e residente em Moçâmedes no
bairro (…) m. i. fls. 05, 06 e 54, acusada e pronunciada como autora material da
transgressão de Falta de Comparência do
Empregador p. e p. pelo art.º 279.º
da Lei nº 7/015 e o art.º 20.º do Decreto-Presidencial nº 154/016 de 5 de
Agosto, em virtude de ter violado o disposto no art.º 48.º da LGT, resultante
da multa imposta pela Inspeção Geral do Trabalho
Realizado
o julgamento e analisadas as provas foi, por acórdão datado de 01 de abril de
2022, a arguida EMpresa A em representada legalmente pela
Sra. X, condenada na seguinte pena:
- kz. 156.088,00 (cento e cinquenta e seis mil, e oitenta e oito
kwanzas.) de pagamento coercivo da multa, equivalente a e;
-KZ 25.000.00 (vinte e cinco mil Kwanzas) de taxa de justiça
Desta decisão
interpôs recurso em acta arguida Empresa A, representada legalmente
pela Sra. X por intermédio do seu Ilustre
Mandatário Judicial, nos termos do art.º 443.º n.º 2 e 435.º n.º 1 por inconformação
da decisão condenatória.
Decorrido os
prazos legais arguida, Empresa
A representada legalmente
pela Sra. X, apresentou as suas alegações
consubstanciado resumidamente nos seguintes fundamentos:
“Que
seja nula a decisão recorrida por esta apresentar deficiência, obscuridade, contradição
e, enferma de nulidade por violar o artigo 55.º da lei nº 2/15 de 2 de
fevereiro”.
Foram mandados
seguir os termos de recurso por nada obstar ao seu conhecimento.
Ao ter vista dos
autos, o Digníssimo Magistrado do Ministério Público junto desta Câmara, emitiu
o seu douto parecer, consubstanciado resumidamente no seguinte:
“Que
seja dado o provimento ao recurso e, em consequência, declarada a incompetência
material do Tribunal recorrido e a decisão por ele proferida. “
Foram colhidos
todos vistos legais.
*
2.
Objecto do recurso.
O âmbito
do recurso se afere e se delimita pelas conclusões formuladas na respetiva motivação,
sem prejuízo da matéria de conhecimento oficioso do Tribunal Superior. Pois, diferentemente
dos processos cíveis, em que domina o princípio do dispositivo das partes e os
tribunais só podem conhecer das questões que lhes são submetidas, nos processos
penais não, em regra, é admissível restrição aos recursos em vista da atividade
das partes ser dominada pelo fim de interesse público. Ainda que o recorrido
restrinja o objeto do recurso, à apreciação das questões a decidir, quanto às
infrações ou matéria de facto, há maior liberdade.
Como é sabido, os fundamentos dos recursos
devem ser claros e concretos, pois, aos Tribunais não incumbe averiguar a
intenção dos recorrentes, mas sim apreciar as questões submetidas ao seu exame.
As suas conclusões de motivações não podem
limitar-se apenas a mera repetição formal de argumentos, mas constituir uma
resenha clara que proporciona ao Tribunal Superior uma correta compreensão do
objecto do recurso.
No caso em apreço, vamos conhecer as seguintes
questões:
1.
Violação do
artigo 55.º da lei n.º 2/15, que estabelece a Incompetência material do
tribunal “a quo”;
2.
Deficiência,
obscuridade e contradição do acórdão;
3.
Reapreciação da
decisão recorrida.
3. FUNDAMENTAÇÃO.
Por nos
pareceres relevantes fazemos a transcrição da matéria dada como provada
Na audiência de julgamento ficaram provados os
seguintes factos:
A Empresa
A representada pela Sra. X, foi
arbitrada por uma multa pelos serviços de Inspeção Geral de Trabalho, nos termos
do art.º 20 do Decreto 154/16 de 05 de Agosto, no valor de 156.088, 70 kz, que
devia ser pago de forma voluntária no prazo de 5 dias, em função de não cumprimento
do disposto no artigo 48.º da lei n.º 7/15 de 15 de julho.
Ainda na
fase da mediação a arguida foi notificada para comparecer no dia seguinte para
assinar a acta, e para trazer o expediente disciplinar, o que não aconteceu.
Passado este período de 5 dias a Empresa não apresentou ao serviço de inspeção
o exigido na mediação, e nem compareceu para justificar a sua ausência, o que
fez com que fosse condenada a respectiva multa, tal como dispõe o art.º 279.º
da lei 7/15 de 15 de Agosto.
Nisto, o
serviço de inspeção por via da área administrativa ordenou que fosse notificada
a arguida nas suas instalações do valor da multa aplicada, mas os trabalhadores
da referida Empresa que já haviam sido orientados para não receber qualquer
documento na ausência da representante, assim o fizeram, ou seja, não receberam
a referida notificação.
Assim,
tendo decorrido o prazo legal de pagamento da multa, os autos passou à esfera
do Tribunal para cobrança do pagamento coercivo.
Importa
agora apreciar e decidir
3.1. Violação do artigo 55.º da lei n.º 2/15,
que estabelece a Incompetência material do tribunal “a quo”.
A doutrina estabelece que, competência é um
pressuposto processual relativo ao tribunal e tem sua razão de ser no facto de
a jurisdição estar dividida por varias salas, organizados como verdadeiros
tribunais de competências especializadas, com base em vários e diferentes
critérios, o que faz com que cada uma destas salas julgue apenas determinadas
matérias. Entres as quais se destaca a matéria que dá corpo a competência em
razão da matéria, fazendo com que os Tribunais julguem com base na natureza dos
litígios. (Osvaldo Luacuti,
Direito Processual do Trabalho, pag 219 e 246).
Nesta perspetiva, afirma Paulo Sousa Pinheiro “os
Tribunais de Trabalho têm competências especializadas, isto é, conhecem de
matérias determinadas, independentemente da forma do processo aplicável.”
Aquando da ocorrência dos factos, vigorava a lei n.º
2/15, 2 de Fevereiro, que estabelece, nos termos do n o 1 do art.º
28.º em combinação com o art.º
66.º do
C. P. C., "São da competência
dos tribunais judiciais as causas que não sejam por lei atribuídas a outra
jurisdição. "
Estes preceitos enunciam um critério geral a seguir
para solucionar o problema da determinação da competência do tribunal em razão
da matéria e que consiste em colocar no âmbito da competência dos tribunais
judiciais todas as causas que, por lei, não estejam, concretamente atribuídas à
apreciação dos tribunais especiais.
O Prof. Alberto dos Reis, in Código Processo Civil
Anotado, Vol. l, pág. 201 refere: "todas as causas
que por lei não são da competência dalgum tribunal especial pertencem ao foro
comum. De modo que a competência dos tribunais especiais se determina por
investigação directa: vai-se ver qual é, segundo a lei orgânica do tribunal, a espécie
ou espécies de acções que podem ser submetidas ao seu conhecimento.
Pelo
contrário, a competência do foro comum determina-se por exclusão apurado que a
causa de que se trata não entra na competência de nenhum tribunal
especial, conclui-se que para ela é competente o tribunal ou juízo comum.
Portanto a competência do foro comum só pode
afirmar-se com segurança, depois de se ter percorrido o quadro dos tribunais
especiais e de se ter verificado que nenhuma disposição da lei submete a acção
em vista à jurisdição de qualquer tribunal especial. Significa dizer que, para fixar a competência dos tribunais
em razão da matéria, deve atender-se, em princípio, aos termos em que o autor
propõe ao tribunal que decida a questão, definida esta pela causa de pedir e
pelo pedido.
Segundo o Juiz Desembargador Álvaro Lopes Cardoso, a
competência material do Tribunal do Trabalho pode ser dividida em três grupos:
competência Cível, competência contravencional e competência em matéria de
contra-ordenações como instancia de recurso.
No âmbito do nosso ordenamento jurídico, concordamos
com esta divisão da competência material do tribunal do trabalho e, se
conjugarmos as disposições dos artigos 177.º n.º 1 da CRA, 55.º da LOOFTJC,
33.º n.º 1 da LJL e 48.º do RLJL, acrescem-se mais duas modalidades que são: a
competência como instancia de execução em matéria de contra-ordenações e a
competência criminal, que é atribuída para julgar o crime de desobediência, no
caso de incumprimento de decisão ou acordo devidamente homologado. (Osvaldo Luacuti, Direito Processual
do Trabalho, pag. 249).
Ora, no caso em apreço, estamos diante de um conflito
laboral que emergiu pelo facto da Empresa A,
por intermedio de sua representante legal Sra. X mediante ordem verbal e contra
o disposto no artigo 48.º da Lei Geral do Trabalho, que regulam a extinção do
vinculo laboral, demitiu o Sr. B seu
trabalhador. Em função do não cumprimento do disposto no artigo 48.º da lei n.º
7/15 de Julho, lhe foi aplicada uma multa para pagamento voluntaria, pela
Inspeção Geral do Trabalho no valor de kz.156.088,70, nos termos do
art.º 20 do Decreto 154/016 de 05 de Agosto.
Pois em fase de mediação a arguida foi
notificada para comparecer no dia seguinte para assinar a acta, e para trazer o
expediente disciplinar, o que não aconteceu, nem compareceu para justificar a
sua ausência, o que fez com que fosse condenada a respectiva multa, tal como
dispõe o art.º 279.º da lei 7/15 de 15 de Agosto. Assim, tendo decorrido o praz
legal de pagamento da multa dos autos passaram-se para o pagamento coercivo,
junto do Tribunal.
Pode, pois, dizer-se que, o não cumprimento da
referida multa constitui base da causa de pedir da acção, interposta pela
Inspeção Geral do Trabalho.
Assim, facilmente se depreende que se está diante de
um conflito laboral cuja matéria é de competência exclusiva da sala do Trabalho
do Tribunal da Comarca de Moçâmedes, e não da sala Criminal daquele Tribunal, por
força do previsto no art.º 55.º al a) e h) da lei n.º 2/15 de 2 de fevereiro.
No caso sub judice, os factos ocorreram no ano de 2021
e na vigência da Lei n o 2/15, de 2 de Fevereiro. Porém, na
pendência da acção no Tribunal ad quem, foi aprovada a Lei n. 0 29
/22, de 29 de Agosto, que veio confirma essa competência à sala do trabalho ou
laboral. (art.º 65.º al. h) da Lei n.º 29/22, de 29 de Agosto)
Assim que, certifica-se que para apreciação e
resolução do presente diferendo é competente o foro laboral, ou seja, a Sala do
Trabalho do Tribunal da Comarca de Moçâmedes.
Pelo exposto conclui-se, portanto, pela procedência do recurso interposto
e, consequentemente, declarar incompetente a sala de questões criminais do
Tribunal da Comarca de Moçâmedes para julgar a presente acção, dando assim, sem
efeito o acórdão proferido pela mesma.
Logo, com a solução acima dada, o conhecimento por este tribunal das
demais questões acima levantadas fica prejudicado. (art.º 660.º n.º 2 e art.º
713.º n.º 2 ambos do C.P.C.)
*
4. D
E C I
S Ã O:
Nestes
termos e pelos fundamentos aqui expostos, os Juízes Desembargadores desta
secção acordam em conferência, julgar procedente o recurso interposto e, consequentemente, declarar
incompetente a sala de questões criminais do Tribunal da Comarca de Moçâmedes
para julgar a presente acção, dando assim, sem efeito o acórdão proferido pela
mesma.
Sem custas.
Registe e Notifique.
Lubango. 06.08.2022
Relatora, Catarina Castro
1.º Juiz Adjunto, Amadeu Carlos
2.º Juiz Adjunto, Tânia André