Processo
proc. nº 155/2022
Relator
Dr. Bento Camenhe
Primeiro Adjunto
Dr. Adão Chiovo
Segundo Adjunto
Dr. Armando do Amaral Gourgel
Descritores:
Recurso Ordinário, Processo Penal 1ª Espécie, Tribunal da Comarca do Lubango - Homicídio Qualificado em razão dos meios. .
Processo n.º 155/2022
Arguidos: DD e EE
ACORDAM, EM
CONFERÊNCIA, NA CÂMARA CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO LUBANGO, EM NOME DO
POVO:
ACÓRDÃO
I.
RELATÓRIO
Na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Comarca
do Lubango, Província da Huíla, foram pronunciados (fls. 251, 251Vº) mediante
acusação da Digna Magistrada do Ministério Público (fls. 213Vº in fine a 217),
os arguidos:
1.
DD, --------, de ------- anos
de idade, nascido a -------------- de ----------- de-----------, filho de ------------
e de ------------, Natural de ----------, Município da ---------, Província da -----------
e residente nesta cidade do -------------, bairro de ---------, próximo à --------------,
casa sem número (fls. 16 e 28); e
2.
EE, solteiro, de ------- anos
de idade, nascido a ------ de ------ de ------, filho de ----------------- e de
---------------, Natural de ---------, Município da -------, Província da -------
e residente nesta cidade do ---------, bairro ---------, próximo à -------------,
casa sem número (fls. 17 e 29 vº).
Como autores sob a forma consumada da prática
de um crime de Homicídio Qualificado em razão dos meios, p. e p. pela al. c) do
nº1 do art.º 148º do Código Penal.
Realizado o julgamento e respondidos os
quesitos que o integram, foi por acórdão de 14 de Setembro de 2022, julgada
procedente e provada a douta acusação, tendo sido condenados os arguidos na
pena de 20 (vinte anos) anos de prisão.
Foram ainda condenados no pagamento de kz.
50.000,00 (cinquenta mil kwanzas) de taxa de justiça e em kz. 4.000.000.00
(quatro milhões de kwanzas), de indemnização solidária aos herdeiros da vítima,
nos termos do art.º 89º do Código de Processo Penal.
Desta decisão interpuseram recurso os
arguidos por não conformação (fls. 333 vº), nos termos do art.º 67º da Constituição
da República de Angola, conjugado com os art.ºs 459º, 463º, 470º e 471º, todos
do Código de Processo Penal.
Admitido este (fls. 333 vº e 334), nas suas
alegações apresentadas (fls. 341 a 362), concluiram como em síntese se
transcreve:
Em fase de recurso, no processo que lhe move o Ministério Público, por não
se conformar com a douta sentença proferida pelo Tribunal “a quo”, no escopo da
reapreciação da mesma, a bem da aplicação racional e prudente da lei, através
da qual se pretende aferir uma verdadeira administração da justiça e
consequentemente justa, que se compadeça com as circunstâncias concretas do
caso e na salvaguarda de outros interesses inalcançáveis com a mera subsunção
do facto à norma e a convicção do Tribunal, a bem da justiça e do direito,
valores indissociáveis.
Questão Prévia
Antes de olhar-se no
objecto do presente recurso, face ao respeito a excelência acadêmica, bem como
a hermenêutica jurídica, para salvaguarda e solicitação do Estado Democrático e
Direito, importa entrelaçar algumas insuficiências da decisão recorrida.
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Na tomada de uma decisão pelos Magistrados Judiciais, devem os mesmos
fundamentar a sentença de maneiras a explicitar, quer quanto a matéria de
facto, a convicção do Tribunal, o enquadramento jurídico e a medida concreta da
pena.
Ora, in casu, o Tribunal "a quo", na parte respeitante aos factos
dados como provados, não mereceu fundamentação criteriosa e exaustiva, para
além de quesitar e relevar factos de certo realce, que dariam um curso
diferente da decisão ora tomada.
Outrossim, peca o Tribunal “a quo”, em afirmar na determinação da pena, que
a conduta dos acusados é censurável de culpa intensa, o dolo é direto. Em
outras palavras trouxe a figura da premeditação. Tal narrativa deve ser
afastada, por não ser fundamentada do ponto de vista objectivo, subjectivo,
doutrinal e jurisprudencial em termos de graduação, ferindo o princípio da
imediação, tão crucial para a valoração da prova e o princípio da livre
apreciação da mesma, que exige fundamentação.
Portanto, o Tribunal “a quo”, pouco ou nada relevou as circunstâncias
atenuantes para melhor determinação da pena nos termos das disposições na forma
conjugada dos artigos 70º e nº 2 do artigo 71º, bem como
a violação do disposto na al. b) do nº 1 do artigo 409º, conjugado
com a al. c) do nº 2 do artigo 417º ambos do Código Penal
Angolano,
Da decisão, os arguidos interpõem recurso, socorrendo-se das disposições
legais dos artigos acima descritos e olhando para a falta do nexo de
causalidade ou de imputação objectiva entre os agentes e o resultado morte,
dando azo a falta de intenção (dolo) que incide sobre a égide da questão, ao
que:
- A pena aplicada pelo Tribunal “a quo” ou de primeira instância é de 20
anos de prisão aos arguidos, demasiada severa, ignorando à falta de dolo
directo e sem ter a censurabilidade concreta do resultado morte. O Tribunal a
quo valorou apenas as imagens foto tábuas contidas nos autos baseando-se pura e
simplesmente nas declarações das testemunhas e a conviccão do Tribunal;
- A violação das principais técnicas, que deveriam ser usadas, para apurar
a real causa da morte in casu, Traumatismo Craniano-Menino Encefálico,
concretamente o TOMOGRAFIA e RAIO X, não foram observados no relatório médico
legal;
O Tribunal foi parcial ao colocar-se apenas a favor da vítima sem atender,
o princípio do contraditório (colocado como integrante e central nos direitos
do acusado) ao circunstancialismo factual que norteou o fatídico casualismo,
sem olhar na falta de intenção na actuação do resultado morte;
- Sem esquecer de vários paradoxos e contradições deste Juízo de primeira
instância, na apreciação do mérito da causa, em provar certos factos, mas
afastar os efeitos dos mesmos em outros casos;
- Outrossim, o Tribunal não valorou em medida proporcional, tendo em conta
os fins gerais e especiais do direito penal, não obstante a falta de quesitos
relevantes, esclarecidos pelas testemunhas, dentre outras questões, a serem
afloradas neste recurso;
Fundamentacão da realidade fáctica
1º Os arguidos supra citados, vêm acusados e pronunciados pela prática de
um Crime de Homicídio Qualificado em razão dos meios, p. e p. pela al. c) do
art.º 148º do C. Penal.
2º O Tribunal "a quo" após a discussão da causa em audiência de
julgamento, na emissão do acórdão, inferiu que os arguidos são culpados e
condenou-os, numa pena de 20 anos de prisão, pelo crime a que vêm acusados,
previsto e punível pelo acima referido. Tal preceito legal, faz menção da
moldura penal abstrata de 20 a 25 anos como limites mínimo e máximo de sua
aplicabilidade;
3º Os arguidos são confessos parcialmente, dando como reproduzidos nos
autos como reza o prolóquio latino, habemus confidentem reum, mas não
atribuindo o efeito a que deu lugar a condenação em primeira instância, bem
como de alguns factos tidos como provados de forma presuntiva e convicta,
ignorando factos relevantes emitidos sob juramento pelas testemunhas, por via
disso, apresentam a sua versão da seguinte forma;
4º No dia 15 de Janeiro de 2022, o arguido DD, encontrava-se em sua residência, descansando e, no espaço das
21 h às 22h, quando de forma estranha apercebeu-se do latir dos cães e de vozes
de pessoas no exterior do seu Quintal, o arguido de imediato saiu do interior
de casa e dirigiu-se ao Quintal, vendo em primeira instância, o seu filho EE (co-arguido) e mais outros sujeitos,
in casu, o FF em voIta da vítima, ao
que este aproximou-se, apercebendo-se que tratava-se de um gatuno, por que
assim gritavam é gatuno, gatuno . . . gatuno. Aquele aconselhou que deixasse-a
ir embora, pelo facto de não ter concretizado o roubo.
5º Assim, não corresponde a verdade de que o arguido DD terá desferido golpes a mesma no exterior do quintal, facto
provado em sede da audiência de julgamento.
Como é possível o Tribunal provar que o arguido DD e o EE, agiram com intenção de matar, quando o primeiro aconselhou que
deixassem a vítima ir embora sem tocar-lhe?
6º É bem verdade que DD, terá
aconselhado o co-arguido EE e os
outros que soltassem o ora malogrado e se retirassem do seu Quintal. Também é
verdade que foi ele que subtraiu as pulseiras de borracha no braço do De cujus.
7º Porém, não é verdade que tenha tirado a roupa deste e muito menos ter
queimado a mesma. O seu espanto, surge na manhã do dia seguinte, isto é, dia 15
de Janeiro de 2022, quando este despertou ao preparar-se para ir ao serviço, posto
no pátio da casa, deparou-se com algumas gotas de sangue e terá ouvido um
tumulto de pessoas fora do mesmo, aproximando-se, constactou que havia pessoas
aglomeradas na rua, ao que questionou: o que se passava? Foi neste exacto
momento que lhe foi informado que havia na rua um cadáver de um cidadão,
estatelado na via pública.
8º Minutos depois, os agentes do SIC, aproximaram-se dele, na qualidade de
colegas, informando-o do sucedido, seguidamente o arguido dirigiu-se ao
cadáver, acabou por não o reconhecer, por que nunca o tinha visto.
9º Cumpre ressaltar neste episódio todo, que o arguido DD, não ameaçou em momento algum uma das testemunhas aqui nos
autos, para além deste ter afirmado categoricamente e repetidas vezes nas
suas declarações, que apenas desferiu dois golpes com a pá e nada mais, além
disso, as testemunhas que figuravam na qualidade de co-arguidos, asseveraram
livremente que o "DD" não agrediu a vítima nos autos;
10º O que realmente aconteceu foi que o co-arguido e por sinal seu filho,
coagido psicologicamente, com perguntas capciosas e sugestivas no seu
interrogatório inicial, alegou que o seu pai (arguido DD) agredira também a vítima com uma chapada e uma pá várias vezes,
o que desde já carecia de arguição de nulidade, nos termos do nº 4
do artigo 170º do C. P. Penal.
Em sede da audiência de julgamento, o arguido DD assumiu que agrediu com a
pá sim, duas vezes nas nádegas do malogrado.
11º Ao que leva-nos a questionar:
Porque razão os demais co-arguidos, isto é FF, GG, HH, II, JJ, afirmaram categoricamente que
o Sr. DD não agrediu a vítima? Será que estes foram coagidos e ameaçados?
- Destarte que, um dos co-arguidos e agora
testemunha, foi voluntariamente aos serviços de investigação criminal, junto do
Magistrado do Mº Pº, apresentar-se, que ele havia agredido o infeliz, mas que
em nenhum momento o co-arguido DD, terá participado da mesma. O co-arguido DD
já estava na cela, quem terá ameaçado este para apresentar-se voluntariamente e
proferir tais declarações junto do Digno Magistrado?
- De lembrar que se encontravam em celas
separadas ou seja o co-arguido DD estava numa, diferente dos demais
co-arguidos, o que não permitiria alguma concertação possivel.
12º
Assim, não manteve contacto nenhum com os co-arguidos, para influenciá-los a
prestarem estas declarações, mais é lamentável o facto de o Tribunal ter
valorado tais declarações, que as testemunhas não agrediram em momento algum.
Estas declarações tidas como provadas, foram
afastadas pelo Mº Pº junto do Tribunal na fase de acusação e este, também
corroborou, o que traduz a violação do princípio da imediacão e da igualdade de
oportunidade.
13º Facto curioso é
que os demais intervenientes só alteraram suas declarações acusando os
co-arguidos DD e EE, após as audições supervenientes em sede de instrução,
concretamente na acareação. Por que
será? É óbvio que para verem-se livres tinham que defender-se de certa
forma;
14º Já em relação ao co-arguido, EE,
este na verdade, confessa os factos de que agrediu a vítima, dando a sua versão
da seguinte forma:
- Na data em referência, este encontrava-se nas
imediações de sua residência, vindo de suas rotinas, quando eram
aproximadamente 21h para às 22h, ao chegar em sua residência, viu um cidadão a
pendurar-se no seu portão, com intuito de entrar no Quintal;
15º Este aproximou-se, questionando-o, o que fazia
e pretendia fazer ao pendurar-se no Portão com intenção de entrar? Tendo
respondido em uma língua que o ora arguido não percebia, “Amé Amé”, mais fruto dos consequentes assaltos na sua residência,
presumiu que se tratava de um gatuno, antevisão esta que se comprovou quando
este tentou colocar-se em fuga, o agarrou na perna e este caiu, já no chão a
vítima apossou-se de uma metade de bloco de cimento e com ela alvejou o
arguido, causando escoriações aparentes ou visíveis no rosto.
16º Este facto terá sido provado em sede das
declarações das testemunhas, de que se encontrava ferido até ao primeiro
interrogatório, ainda era visível. O curioso e que constitui um fraco
apuramento da verdade material encontra-se no relatório resultante do exame a
que foi submetido, que reza ao contrário, tudo pelo facto, de ser realizado
após 10 dias do sucedido.
O Tribunal recorrido não valorou tal facto, mesmo
ter sido provado em sede da audiência de julgamento, violando desta feita o
princípio da livre apreciação da prova.
17º Ficou provado que o co-arguido EE, deixou a ora vitima sob custódia da
testemunha FF, para procurar a sua chinela que tinha desaparecido pela luta com
o De -cujus.
A questão que se impõe é de saber, se o FF não terá desferido algum golpe ao ora
malogrado, se apenas limitou-se em segurar este? Salvo, melhor entendimento e
pela experiencia
comum, na sociedade angolana, quando se trata de "gatuno" qualquer um
que estiver de perto e principalmente nestas localidades a tendência é de todos
agredirem.
18º Ainda
assim, o Tribunal não valorou e muito menos procurou aprofundar este facto. Um elemento
superveniente, incide sobre o lugar onde o co-arguido EE, terá deixado o malogrado
ainda em vida, rezam declarações de pessoas que não querem envolver-se neste
processo, muito menos prestarem declarações, que durante à noite viram pessoas
a agredirem o mesmo, diferentes dos arguidos:
19º Ademais, dos factos narrados pelos arguidos,
traduzem a real circunstância dos acontecimentos na ocasião, o que torna os
arguidos confessos, mas estes não assumem
apenas o resultado morte, ou seja das agressões praticadas por eles, não
são as únicas causas da morte do de cujus, pelo facto das testemunhas aqui
presentes, que figuravam na qualidade de arguidos na instrução, também
desferirem golpes ao mesmo.
Como aferir que os golpes que terão provocado a
morte do de cujus sejam os desferidos pelos arguidos? Ignorando o facto de que
o co-arguido EE, agiu em legitima
defesa, por este ter sido agredido em primeiro lugar por aquele com uma metade
de bloco de cimento, que produziu escoriações no rosto, facto assente e visível
e o Tribunal “a quo” não valorou as mesmas declarações mesmo sendo
relevantes.
Um outro elemento que o Tribunal “a quo” ignorou
não valorando para a descoberta da verdade material, foram as declarações da
testemunha FF, de que a vítima
correu para o quintal na tentativa de fugir e chegando mesmo a cair e bateu com
a cabeça e perdeu os sentidos.
O que demostra que o ora infeliz terá perdido a
fala pela queda e não por ter sido agredido. Facto este que o Tribunal “a quo”,
ignorou violando o princípio da investigação ou da verdade material.
20º
Curiosamente o exame médico legal, faz menção como causa da morte as lesões Politraumáticas
crânio- meningo- encefálico e apendiculares pulmonares produzidas por
mecanismos de accão de natureza contundente. Porém, o Tribunal não colocou de
forma imparcial a possibilidade da queda que o mesmo sofreu, ser a causa da
morte?
O Tribunal manteve-se parcial,
neste facto e muito menos quesitou .... O que Traduz erro notório na apreciação
da prova, al. d) do nº 3 do artigo 476º do C.P.P.A.
Portanto, dever-se-ia valorar
esta declaracão como prova, dando o curso diferente na actual decisão.
Da contradicão dos
factos e defesa de mérito
24º Em sede de instrução preparatória, foi
confirmado e asseverado pelas testemunhas que haviam agredido a vítima nos
autos. Tal facto, deu lugar a aplicação de medida de coação privativa de
liberdade. O paradoxo surge na fase da acusação, quando o Mº Pº que legalizou a
prisão preventiva, o mesmo absteve-se de acusar os co-arguidos FF, GG, HH, II, JJ, “alegando que os
mesmos, não tinham participado da agressão”
25º
Ora, tal fundamentação, considera-se exígua e prematura, violando desta feita
os princípios processuais penais, princípios da
acusação, princípio da vinculação temática, princípio da igualdade de
oportunidade e o princípio da investigação ou da verdade material;
26º
Para melhor descoberta da verdade material, o Mº Pº devia promover a
estabilidade dos factos de modos a manter-se estáveis desde a acusação até ao
trânsito em julgado da sentença tratando de uma condição essencial da defesa
dos arguidos;
27º
Desta feita houve um quanto tanto imensurável erro, por parte do Mº Pº em
abster-se de acusar os ora testemunhas, o que de certa forma inviabilizou a
descoberta da verdade material, em prejuízo dos aqui arguidos;
28º
Daí que orienta a doutrina penal e nova politica criminal, que a vinculação
temática funciona num duplo sentido: impede o
Tribunal de conhecer para lá do facto e obriga-o a pronunciar-se até ao limite
do facto sendo este narrado pelo Ministério Público na instrução, acusação e na
contestação, bem como o que resultar da discussão da causa com relevância para
a decisão;
29º
Com este procedimento o Mº Pº em abster-se de acusar, simplesmente por provas
em declarações em acareação, não é suficiente para concluir-se que estes não
terão agredido o De cujos, como reza a máxima latina ad maius ad nnnus,
Outrossim;
30º
Não foi presente nos autos um relatório médico legal, que narra a história
fisiológica ou antecedentes do estado fisiológico do infeliz, que descreve-se
com certo rigor de certas doenças que este padecia ou sofria. Isto por que, em
ciência médico legal é crucial. Não obstante, ser de certeza e como barómetro
para conduzir o médico e um juízo razoável sobre as reais causas da morte;
31º A ciência penal, orienta aos jurisconsultos
máxima ponderação e equidade na aplicabilidade de uma pena e consequentemente
uma exigência lógica sempre que esteja em causa a descoberta real da causa
essendi, entre o nexo de causalidade adequada e o resultado morte, como causa
própria perpetrada pelos agentes, daí o aforismo popular, felixis rerum
cognoscer causas “feliz aquele que conhece a causa das coisas ...”.
32º Não queremos com isto, chamar a colação o
princípio latino: Non Est spoliandus petrus ut vestiatur paúlos (não se deve
despir a Pedro para vestir a Paulo) mas sim, demonstrar que não foram as
agressões dos arguidos que produziram lesões ao ponto de pôr fim a vida do De
cujos nos autos, ainda que sejam em outra hipótese, nunca houve intenção o que
traduziria o dolo directo do qual sustenta o Tribunal devendo-se para o efeito,
serem responsabilizados em outro tipo criminal;
33º A prova a que se faz alusão nos autos, é
insuficiente para dar cobro ou sustentação do crime em causa, por faltar o
elemento crucial que é o exame por radiografia ou raio X, segundo a orientação
de profissionais médicos, sendo a única forma de aferir a causa da morte por traumatismo
crâniano meningo- encefálico .
É desiderato constitucional e Processual Penal, que
na dúvida, beneficia-se o réu, in casu, estamos diante de uma grande dúvida,
nos termos dos artigos 67º da CRA, que é o princípio in dúbio pro
réu;
34º No acolhimento doutrinal de Maia Gonçalves,
Miguez Garcia, Figueiredo Dias e Paulo Albuquerque, são unânimes em clarificar
que a conduta dos agentes que pugnem por agressões à um certo sujeito e este
venha perder a vida, não de forma imediata, mais sim a posterior a sua
qualificação é naturalmente diferente do Homicídio Qualificado.
Se não Vejamos;
35º A agressão
perpetrada pelos arguidos, não foi causa imediata da morte, ou seja, o
resultado morte, verificou-se a posterior, desconhecendo-se de concreto o
estado fisiológico anterior do de cujos nos autos. Isto releva-se tanto quanto
lógico, de que num olhar de um homem médio e numa avaliação prognose póstuma
objectiva5 ou uma perspectiva ex ante,
Daí que;
36º
Acrescenta, a doutrina de João Palmá Ramos, que de acordo a imputação
objectiva, para que seja atribuído a alguém, um resultado de censura da sua
conduta, deve ser feito de um risco proibido criado ou incrementado pelo
agente... Pelos factos as chapadas, pontapés ou o uso da pá empregadas pelo
arguido DD nas nádegas, o resultado
morte não teria se efectivado, aliás, ainda que assim sucedesse, não houve
intenção de tirar a vida do pacato cidadão, logo é afastado o dolo directo ou
intencional;
37º Exmos. Juízes
Desembargadores, na peça exordial e durante a discussão da causa, constatou-se
que os factos que deram lugar a acusação, e consequentemente a decisão a ser
recorrida, encontram-se eivados de dúvidas, com a pouca produção de prova,
exclusão de provas relevantes, para que se tenha condenado os arguidos , sem ter
em conta o elemento fulcral que norteia o direito à liberdade que na dúvida dá-se primazia a quem beneficia,
no caso em realce não se solicita absolvição, mais uma qualificação diferente
da que deu lugar a presente decisão,
Sem prescindir;
Do Direito
38º Data vénia, Juízes Desembargadores, Angola é um
Estado Democrático de Direito, que tem como fim último o dever de promover e
defender os direitos e liberdades fundamentais do homem, quer como indivíduo,
quer como membro de grupos sociais organizados, e assegura o respeito e a
garantia do efectivação pelos poderes, executivos e judiciais, seus órgãos e
instituições, bem como por todas pessoas singulares e colectivas, a luz dos
artigos 2º da CRA.
39º Partindo deste pressuposto constitucional da
doutrina e da jurisprudência, o reconhecimento da liberdade de uma pessoa pelos
outros membros da sociedade significa aceitação de um direito natural, isto é,
um direito inerente à sua individualidade e anterior a qualquer contrato
social, e é, condição de sociabilidade, pois dela depende também a integração
do homem no meio social em que está inserido, como defendem actualmemte os
cânones da Política Criminal, entre eles a Tereza Beleza, Fernanda Palma e João De Brito, cfr. Anotações e Comentários do
Direito Penal;
40º Não obstante, enquanto princípio fundamental, o
respeito pela liberdade é um comando de aplicação directa e imediata e, vincula
juridicamente o Estado, podendo ser invocado directamente pelos cidadãos a luz
do nº 1 do artigo 28º da CRA;
41º Assim, mesmo quando se pretende evitar a
prática de novos crimes ou garantir a responsabilização criminal dos
delinquentes ou infractores, as sociedades modernas, têm vindo cada vez mais,
adoptar meios menos invasivos das liberdades individuais, sujeitando a
aplicação das medidas de coerção a certos princípios, da proporcionalidade, da adequação, da ponderação e tipicidade na
aplicação das penas privativas de liberdades;
42º Diga-se em abono da verdade que, à vida é bem
mais precioso que existe e deve ser valorado e protegido a todos níveis;
43º Permissa vénia Meritíssimos, partindo do
prolóquio latino que diz: Quid quid moveto abale moveto Vincit omnia veritas (a
verdade tudo vence) conjugado este com o
princípio da livre apreciação da prova, subscrevemos o seguinte:
44º Os arguidos, foram acusados na prática de Crime
de Homicídio Qualificado, a luz do dispositivo retro referendado, quanto à
subsunção à acarreta dúvidas, por falta de elementos do tipo legal, sem
descurar a qualificação subjectiva. Para se aferir que determinado
comportamento de um agente, é causa necessária de um resultado, terá que se
observar o grau de actuação do agente, a agressividade permeada do desejo,
pressupondo-se no entanto, não somente o acto por parte do agente, mas a
representação que dele tem aquele aquém ele se dirige;
45º Em sede
factual, descarta-se a possibilidade dos arguidos terem agido de forma a
desejarem o resultado morte, olhando por aquilo que foi à actuação dos mesmos
ou seja não houve dolo (intenção de querer o resultado morte).
O direito Penal, é aquele que orienta-se pelos
princípios da legalidade (nullum crimen sine lege), tipicidade, dentre outros.
Assim, em direito Penal, para se aferir que determinado sujeito é o autor de um
crime, deve-se:
46º Em primeira instância, apurar se há um cadáver,
produzido por uma acção humana ou dito de outro modo é, necessário que se
preencham os elementos constitutivos do tipo legal do Crime, designadamente, uma acção humana, Típica, Ilícita Culposa e Censurável
a um agente e punível;
47º No enquadramento jurídico da matéria de facto,
dada como provada, os arguidos são acusados de terem agredido a vítima nos
autos e da agressão foi a causa necessária da morte,
Porém;
48º No caso em análise falar de uma acção,
constitui verdade parcial, até por que os arguidos são confessos, sempre
afirmaram que desferiram golpes sim. Mas, sem intenção de ceifar a vida do De
cujus nos autos;
49º Nestes termos, a doutrina penal, é mister em
afirmar que deve existir o nexo de causalidade, isto é, em saber se um determinado
resultado pode ser imputado a uma conduta do agente ou se aquilo que se
verifica pode ser efectivamente considerado como obra daquela actuação típica
do agente;
50º Entretanto, infere-se que não se vislumbra
nenhum nexo de causalidade que tenha provocado o resultado morte, o que
leva-nos a afirmar que a causa imediata da morte do de cujus, advém de varia
ordem; ou pela queda que este sofreu
embatendo contra o chão e perdido sentido ou por uma patologia anterior aos
factos, mais agravado pelas agressões . Neste último posicionamento,
assenta a nossa tese de que o crime cometido por estes, é de ofensas simples à integridade física, p.p. pelos artigos na forma
conjugada do nº 1 do artigo 159º, e al. a) do nº 1, do
artigo 161º, ambos do C.P.A, para o co-arguido EE e o crime de ofensas simples
à integridade física, p. p. pelo nº1 do artigo 159º, do C.P.A, para o arguido DD;
51º Seguidamente, cumpre analisar a figura da
tipicidade, que é a correspondência necessária entre o preceito incriminador e
o acto praticado pelo agente ou seja é a descrição da situação de facto de que
se extraem certas consequências jurídicas, correspondendo desta feita duas
subdivisões: o tipo objectivo e o subjectivo;
52º In casu, não há prova bastante e completa
fundamentada, que tenha sido os arguidos únicos autores da agressão da vítima,
o que temos é a mera presunção e convicção pelo facto das testemunhas em sede
da audiência de julgamento afirmarem que os únicos que agrediram o infeliz são
os a que arguidos. Os mesmos acrescentam que viram o infeliz ter escorregado e
caído ao chão, até perder os sentidos, foi a testemunha FF em sede da audiência de julgamento que terá avançado com esta
declaração (o Tribunal não valorou);
53º O inédito neste senário todo é o Tribunal recorrido,
é o facto do deste apenas se ater nas declarações das testemunhas, sem ir para
além do que a experiência comum exige;
Se não vejamos:
Corresponderia verdade, pessoas que estiveram
presentes na data dos factos apenas olharem para o infeliz sem desferir qualquer
golpe? e porque razão o co-arguido EE teria
dito que "ninguém bate no meu
gatuno"? Só terá avançado com esta advertência por que os demais também
batiam, facto que traduz insuficiência na prova produzida;
54º Assim, entende-se que o elemento constitutivo
do tipo e fundamental à ser analisado é a culpabilidade, interessa clarificar
que, para que haja culpabilidade, é imperioso e crucial verificar se aquela
pessoa que figura como agente ou sujeito, preenche os elementos qualificativos
de culpabilidade, e se lhe pode atacar um juízo de desvalor ou de censura na
acção ou no facto que praticou, no caso sub judice, não se coloca, por razões
subjectivas e não houve a vontade e nem a previsão por não se encontrarem
presentes em todo o processo volitivo todos elementos do tipo;
Ou seja;
55º Enquadra-se no tipo subjectivo o dolo, em
síntese doutrinal, a vontade consciente de realizar os elementos objectivos do
tipo penal. Sua essência reside na conduta, a finalidade que se tem para
mover... é a intenção do agente praticar certo acto que traduza um evento
noutrem, ou seja a intenção do agente praticar o crime…vide in dicionário
jurídico; para que se possa afirmar que houve dolo directo, é necessário que
haja uma antevisão por parte do agente em querer um certo resultado;
56º Dolo é conhecer e
querer, é a representação e vontade de realizar o facto típico. Para haver dolo,
é suficiente que o agente conheça e queira, não é necessário demonstrar que ele
conhecia a ilicitude do facto praticado.
O dolo não é a intenção.
No dolo há dois elementos: Elemento
volitivo e Elemento intelectual.
E em função da diferença de intensidade do grau
entre o elemento intelectual e o elemento volitivo, que no artº 12º do
Código Penal angolano, subdivide tridimensionalmente: dolo directo/intencional,
dolo necessário e dolo eventual.
57º Importa discorrer sobre estes conceitos, de
modos a clarificar e afastar o dolo directo que tanto se exige:
Dolo directo: aquele em que o fim subjectivo do
agente é o próprio facto tipicamente ilícito. O facto representado é o querido
e o agente actua com vontade de realizar esse mesmo facto, nos termos do nº 1
do artigo 12º do CPA;
58º Dolo Necessário: o facto tipicamente ilícito
não constitui o fim que o agente se propõe, mas é consequência necessária da
realização pelo agente do fim que se propõe, nos termos do nº 2 artigo 12º
do CPA. Para a realização do fim que se propõe, que pode ser um facto
lícito, representa como consequência necessária da sua conduta a perpetração de
um facto ilícito, mas não o impede de agir.
Dolo eventual; o agente prevê o facto como
consequência possível da sua conduta e mesmo assim age, assumindo o risco,
conformando-se sua realização.
O facto típico é representado como consequência
possível da conduta do agente e não como facto certo, sendo que o grau de
possibilidade é muito variável.
Portanto, numa visão integrativa dos factos é
clarividência que se denota que não estamos em presença de um dolo directo, mais o
eventual, por que os arguidos agirem sem premeditação e muitos menos desejavam
o resultado que adveio de forma superveniente. Destarte que, o arguido DD é
oficial militar, com mais de 30 anos de experiencia militar. Se a vontade dele
fosse retirar a vida do infeliz, teria feito com muito profissionalismo, de
formas a ocultar às evidências e não só;
Da insuficiência de prova
59º A Investigacão, Instrucão e o Ministério Público,
não conseguiu juntar nos autos um histórico patológico da vítima. Afastou-se os
elementos factuais conducentes a uma nova apreciação em detrimento da que se
recorre;
60º Nestes termos, dúvidas não restam que também
violou-se o princípio relativo a prossecução processual, concretamente ao
princípio do inquisitório ou da investigação. Na doutrina Processual Penal do
Professor Grandão Ramos, diz que
compete ao Tribunal oficiosamente inquirir ou investigar a verdade sobre os
factos, objectos do processo e a pessoa que os cometeu, sendo que o dever do
Juiz, não se deve limitar nas provas que lhe são apresentadas pelas partes, no
caso o Ministério Público, mais deve ir mais além, é um Juiz activo por esta
ratio;
61º Investigar é proceder a produção da prova
necessária à descoberta da verdade, sem necessidade de as partes lho
requererem, ao que o Tribunal “a quo” decidiu pura e simplesmente, baseando-se
na matéria trazida nos autos pela acusação, bem como a imagens ou foto tábuas
juntas aos autos;
62º Excelências, atendo aos factos supra
esgrimidos, leva-nos num outro prisma de que não foi provado, que os arguidos
foram os únicos que agrediram a vítima, sendo que já que a verdade material é aquela que terá de chegar-se através de
um exame exaustivo de provas, da investigação dos factos e das circunstancias
reais e concretas em que ocorreram, verdade esta que não se vislumbra neste
processo;
63º Porém, é um facto assente e inquestionável, de
que os arguidos desferiram golpes agredindo o infeliz, mais não é causa real da
morte, sendo certo que o mesmo terá caído e perdido os sentidos como referimos
acima. Das agressões nunca houve uma antevisão
ou premeditação intencional destes quererem o resultado morte.
64º Olhando, neste senário todo, poderia considerar-se que ao invés, dos
arguidos serem acusados no Crime de Homicídio Qualificado, p.p. pelo artigo
148º do C.P.A, em que respondem, dever-se-ia convolar nos termos do nº 3
do artigo 408º do C.P.P.A, nos crimes
de Ofensas Simples à integridade Fisica, p.p. pelos artigos na forma conjugada
do nº 1 do artigo 159º e al. a) do nº 1 do artigo 161º, todos do
C.P.A. para o co-arguido EE e o
crime de Ofensas Simples à integridade Física, p.p. pelo nº 1 do
artigo 159º do C.P.A, para o arguido DD;
65º Esta qualificação é a mais acertada no caso em
concreto, por falta de elementos para qualificar o crime como sendo Homicídio
Qualificado, socorria-se neste;
66º Tenha-se em atenção que, a finalidade das penas
funda-se na terapêutica jurídica da recuperação do homem nas falhas que
eventualmente possam contrariar a lei, que é por excelência o fim das penas na
sua variante geral e especial;
67º É importante
frisar que a doutrina moderna aponta para a recuperação do homem de maneira socialmente
útil e eficaz, do que recorrer às penas severas de privação de liberdade tão
pouco em condenar com pouquíssima prova gue in casu é o que aconteceu e sem
observar à circunstâncias atenuantes;
68º Reiteramos e sublinhamos que independentemente
do sucedido, os arguidos demonstraram o desvalor de tal conduta em praticar o
crime e no mérito, estes provaram a ausência de dolo directo em suas
condutas e do próprio resultado;
69º Ainda assim, rogamos a este Tribunal superior e
sendo causa necessária da recorribilidade, partindo do princípio latino que
diz: Summum Jus, Summa Injuria (Um
direito unicamente orientado por valores de justiça não passaria de pia intenção, impotente na sua ineficácia);
Daí que o direito para ser eficaz, além da justiça, tem de ter as seguintes
exigências: a seguranca e a certeza jurídica, para além da própria tipicidade.
70º Deste modo, solicitamos a este Tribunal “ad quem”, na pessoa dos Juízes
Desembargadores, maior ponderação e apuramento dos factos tidos como provas, que por sinal é o cerne do nosso recurso,
convolando o crime em que foram acusados condenados em primeira instância, pela
falta de prova suficiente e bastante, afastando
a presunção fundada em convicção que serviu de fundamento para a decisão do Tribunal
“a quo”.
Ao que em sede do Direito Penal moderno, dá-se
prevalência a prova material produzida com instrumentos científicos do que a presunção
e a convicção;
71º Vale fazer referência, que independentemente
dos factos que espelham e vislumbram a acusação dos arguidos e a sua
condenação, atento aos fins do Direito Penal, é crucial elencar-se as
circunstâncias atenuantes legais que norteiam a favor do mesmo, todos previsto
a luz no nº 2 do artigo 72º do Código Penal, tais como:
Sendo arguidos primários
A humilde condição social e cultural dos arguidos;
O bom comportamento anterior;
Possuir uma conduta socialmente positiva;
Prestação de serviços relevantes à sociedade no
caso do coarguido DD;
Apresentação voluntária às autoridades;
O arrependimento;
Colaboração com as autoridades para descoberta da
verdade material;
Pai de 5 filhos menores, para o arguido DD.
72º Rogamos
ainda à este Juízo que na reapreciação da causa tenham em conta a falta de nexo causalidade entre o facto e o
resultado morte, à falta de culpabilidade, as circunstâncias que nortearam o
crime que são irrisórias se não mesmo não clarificadas, em face do que já foi
aludido acima, acrescido ao facto de serem arguidos primários, chefe de família
e pai de filhos menores, que dele unicamente dependem e condenado este arguido
DD, no crime acusado, estaríamos sem sombra de dúvida a condenar toda
família deste, pelo facto do filho (EE) maior estar na cadeia, obedecendo
os critérios de justiça e de legalidade, concomitantemente a salvaguarda da
certeza e a segurança jurídica dos cidadãos;
73º
Permitam-nos, salientar que a doutrina e a jurisprudência penal, espelham
que, sempre que as circunstancias atenuantes sejam superior em grau e em
quantidade em relação as agravantes, ou se verifique a inexistência de
agravantes, estás diminuem ou mitigam enormemente a culpabilidade ou por que,
concorrendo agravantes gerais, estas não têm valor e força agravativa
suficiente para neutralizar as atenuantes, que continuam, não obstante, a
marcar um quadro atenuativo muito favorável ao condenado, como se refere a
doutrina Penal do Professor Grandão
Ramos e Maya Gonçalves.
74º No caso vertente, não há clarificação
suficiente entre a causa da morte e as lesões produzidas pelos aqui arguidos,
ou seja, inexiste o nexo de causalidade elemento fundamental, para a imputação
de alguém como culpado, apenas declarações, imbuídas de inverdades e o
relatório que também não é esclarecedor, eivado de dúvidas;
75º Reza o direito penal, que por sinal em nosso
entender deve ser o barómetro e o epicentro de qualquer decisão condenatória,
que dá-se prevalência em sede de declarações factuais, as declarações de
pessoas que viram e em segunda instância as que ouviram, como dizem os latinos auribus
oculi fidelires sunt, os olhos merecem mais fé que os ouvidos, em
direito os olhos têm fé que os ouvidos da concretização das provas.
76º No caso sob Júdice, olhando aos argumentos
acima esgrimidos e os respectivos fundamentos, o facto de que os arguidos têm
um agregado familiar que unicamente dele depende, roga-se a este juízo superior,
melhor apreciação;
77º Assim, prostramo-nos diante de vós, rogando a
vossa benevolência e o saber jurídico, pautando pelo primado da boa
administração da justiça, para salvaguardar a certeza a segurança jurídica aos
cidadãos que se possa usar da
prorrogativa legal processual penal nos termos do nº 3 do artigo
408º CPPA, isto é, convolando o tipo legal do crime de Homicídio
Qualificado, para os crimes supra elencados;
78º Por tudo quanto acima se disse, a política de
recuperação do homem, nem sempre é alcançada com recurso à condenação mais sim
com absolvição ou uma pena média;
Quanto a indemnização
O valor, em que foi arbitrado nos autos é sim
aceitável, olhando na jurisprudência das decisões anteriores e vigentes em
Angola, mas no caso em concreto, não é a mais assertiva pelo facto de o único
que possui uma remuneração permanente é o arguido DD, o coarguido EE, é
desempregado, por esta via, que seja reduzida à metade;
Os factos tidos como provados não
traduzem fidelidade, por basearem-se na presunção e convicção do Tribunal e não
em factos realmente probatórios, assim encontram-se provados parcialmente;
Que se valor a prova concreta e
real e na dúvida beneficie os arguidos;
Que se pugne pela qualificação
concreta, olhando para os factos e não a presunção, valorando o princípio do
contraditório, interpretado como exigência de equidade, para proporcionar aos
arguidos a capacidade de defender-se, em igualdade da acusação, facto este que
não foi tido e observado pelo Tribunal a quo, ao valorarem apenas as
declarações das testemunhas ao invés de outras pertinentes;
Por fim, sejam valorados todos os
princípios do direito processual penal aqui violados, pelo Tribunal recorrido;
Nestes termos e nos demais de Direito sempre com mui
douto suprimento de V. Ex.a e omnisciência jurídica, requer-se que
as presentes alegações sejam consideradas procedentes, no sentido de se
garantir maior e melhor justiça, tendo em atenção a utilidade prática de todos os
preceitos penais e a consideração de outros interesses sociais não menos
relevantes, pelo que:
a) Seja
convolado o crime de Homicídio Qualificado, p. e p. pelo art.º 148º do
Código Penal, para o crime de Ofensa Simples à
Integridade Física, p. e p. pela conjugação dos artigos art.º 159º, nº 1 e al.
a) do nº 1 do art.º 161º, ambos do Código Penal Angolano, para o co-arguido EE e no crime de Ofensa Simples à
integridade Física, p. p. pelo nº 1 do art.º 159º do Código Penal, para o
arguido DD.
Notificado o Mº Pº (fls. 363) este não contra-alegou.
Nesta instância, ordenado o
conhecimento do objecto de recurso e continuados os autos com vista ao Digno
Magistrado do Ministério Público, expendeu seu douto parecer nos termos a
seguir transcritos de forma resumida (fls. 372 a 376):
O acórdão de fls. 327 a 332, condenou os arguidos DD e EE, pela prática de um crime de Homicídio Qualificado em
Razão dos Meios, p. e p. pela al. c) do nº 1, do art.º 148º do Código
Penal, na pena de 20 anos de prisão, em Kz. 50.000.00 (Cinquenta mil kwanzas)
de taxa de justiça, não se sabendo se tal valor é para cada um dos arguidos e
em Kz. 4.000.000.00 (Quatro milhões de kwanzas) de indemnização comparticipada,
aos herdeiros do infeliz, por força do art.º 89º do C.P.P.
Dele, interpôs Recurso a Defesa dos arguidos, por não conformação
com a decisão final, nos termos dos artºs 459º e 463º, nº 1 al. b) do C.P.P.
Tudo aconteceu no dia
15 de Janeiro de 2022, quando a vítima que em vida atendia pela graça de KK, no período nocturno foi à residência
do arguido DD.
Quando o co-arguido EE, na qualidade de filho do arguido DD, se dirigia para a casa,
deparou-se com a ora vítima, quando em vida, nos arredores da casa e quis meter-se
em correrias, tendo-a agarrado pelo braço o que provocou de imediato a sua
queda para o solo causando-lhe uma epístase.
A vítima, por formas de se livrar das garras deste, socorreu-se de uma
pedra e atestou o arguido, envolvendo-se em uma luta titânica, acorreram ao
local os demais curiosos que chegaram de aconselhar os arguidos, para que,
deixassem de desferirem golpes à vítima. Ainda, chegaram de usar na mesma
altura, uma pá, utensilio doméstico.
Já ferido, DD, ainda agrediu outra vez a vítima,
imobilizando-a os membros superiores e inferiores com uma corrente.
Despiram-lhe e o arguido
DD, orientou que metessem fora do
seu quintal a vítima, arrastando-lhe no chão, queimando a roupa e as pulseiras
deste.
Deixaram a vítima num
local, onde no dia seguinte foi vista e encontrada morta, com fortes sinais
tanatológicos, das sevícias que sofrera no dia anterior.
O interior e exterior
do quintal da casa do arguido, os vestígios de sangue, eram patentes, e a
Autópsia que foi realizada no cadáver, aclarou devidamente do que tinha
sucedido, na noite anterior.
A vida humana é inviolável,
conforme a CRA, no seu art.º 30º, sublinha-se que, o Estado, respeita e
protege a vida da pessoa humana, que é inviolável e a pena de morte seja qual
for as suas modalidades é proibida nos termos do art.º 59º da Lei magna supra.
O direito a vida,
insere-se nos direitos de personalidade que são um certo número de poderes
jurídicos pertencentes a todas as pessoas, por força do seu nascimento. Os
direitos de personalidade incidem sobre a vida das pessoas, a sua saúde física,
a sua integridade física, a sua honra, a sua liberdade física e psicológica.
O tipo objetivo — pressupõe a conduta de matar e a
produção do resultado morte de uma pessoa, que aconteceu no caso vertente, pelo
que, o Relatório Pericial de fls. 103 a 125 ilustram claramente, Boletim de
Óbito de fls. 188, Assento de óbito nº 887 de fls. 189, Relatório de Exame
Pericial de fls. 195, 196, 197, 198, 199 e 200, e Relatório da Autópsia do Cadáver de fls. 202,
203 e
204.
Desta feita, não se pode
convolar este crime, para o de Ofensas Simples à Integridade Física, p. e p.
pelos artigos 159º nº 1, e al. a) nº 1 do art.º 161º, ambos do C.P.A., conforme
consta do Pedido do Recorrente de fls. 361, estamos diante do resultado morte,
conforme a conclusão do Médico Legal:
1- Em face dos
achados necrópsicos e da informação circunstancial fornecida pelo SIC-HUÍLA, a
morte de KK, foi devido a lesões
politraumáticas crânio-meninge encefálicas, pulmonares e apendiculares.
2-
As lesões acima
descritas, foram produzidas por mecanismo de acção de natureza contundente.
3-
Esta é uma morte de
causa violenta.
4-
Os dados disponíveis
são compatíveis com o diagnóstico deferencial médico-legal de etiologia
homicida.
A prova, é aquela que é constituída por todos os elementos destinados a
demonstrar factos juridicamente relevantes acerca da existência ou inexistência
do crime, da punibilidade ou não punibilidade do arguido, e da determinação da pena ou medida de segurança
aplicáveis e que consiste na verificação da verdade dos factos que
fundamentam a responsabilidade penal do arguido, art.º 145º e ss. do C.P.P.
e Dicionário de Direito Penal e Processo Penal.
O art.º 400º do mesmo
Diploma legal acima supra, emana que, só tem valor probatório, para efeitos de
formação da convicção do Tribunal, as provas produzidas ou examinadas em
audiência.
O Tribunal «a quo», andou bem e não se denotou no
processo, de haver erro na valoração da prova.
Atentos ao circunstancialismo que gravitou em torno
dos factos, somos de PARECER que, a decisão ora recorrida, foi bem tomada e que
se mantenham as penas principais ora aplicadas aos arguidos e as acessórias.
II.
OBJECTO DO RECURSO
Sendo o âmbito e o objecto do recurso
delimitados “para além das meras razões de direito e das questões de conjunto
oficioso” pelas conclusões formuladas pelos recorrentes – artigos 660.º, nº 2;
664, nº 3 e 690º, nº 1, todos do Código de Processo Civil), conjugados com os
artigos 464º e 465º, ambos do Código de Processo Penal.
Considerando o contexto normativo e o teor
das conclusões apresentadas pelo recorrente, as questões que importam decidir
são:
a) Reapreciar a matéria de
facto e de direito na generalidade;
b) Convolar o crime de
Homicídio Qualificado para o de ofensas simples à integridade Física;
c) Reduzir o valor da indemnização para metade.
Mostram-se colhidos os
vistos legais.
Importa, pois, apreciar e
decidir.
***
III.
FUNDAMENTAÇÃO
Dispõe o nº 3 do artigo 417º do Código do Processo Penal que, na
fundamentação, enunciam-se os factos provados e os não provados de harmonia com
as respostas dadas aos quesitos, indicam-se as provas que serviram para formar
a convicção do Tribunal acompanhadas do respectivo exame crítico e expõem-se as
razões de facto e de direito que estão na base da decisão.
Por nos parecer relevante
para a decisão tomada pelo Tribunal “a quo” iremos transcrever o acórdão
recorrido, quanto aos factos de forma resumida, subsunção destes ao direito, a pena aplicada e respectiva
indeminização.
a)
Dos factos
O infeliz KK,
já prestou serviços tanto na residência do arguido DD, como no seu local de trabalho. (fls. 155v e 310).
No dia 15 de Janeiro de 2022, por volta das 21h, nesta
cidade do Lubango no bairro --------, o coarguido EE, interpelou o infeliz KK,
quando escalava o portão da residência do arguido DD (fls. 309).
O infeliz ao tentar colocar-se em fuga, o coarguido EE agarrou-o pelo braço, na tentativa
de se soltar, a vítima segurou numa pedra e desferiu contra o coarguido EE um golpe com a mesma, na região do
rosto causando-lhe ferimento. (fls. 30 e 52v).
O coarguido EE
e o malogrado, envolveram-se numa luta, acto seguido, quando aquele gritava
gatuno, a testemunha FF, apareceu no local, tendo aquele informado que a vítima
é o jovem que tem furtado no bairro. (fls. 30 e 31).
Por alguns instantes, o coarguido EE, dirigiu-se para o interior da sua residência, momento em que o
arguido DD saiu da sua residência e
encontrou o infeliz com a testemunha FF.
Juntaram-se ao coarguido EE e a testemunha FF, as
testemunhas LL, MM, HH, OO, PP e QQ, porém, o coarguido
EE não permitia que as testemunhas
agredissem o infeliz alegando ser "seu gatuno". (fls. 34v e 52v).
Nessa altura, apareceram no local as testemunhas RR, SS e o arguido DD que
orientaram ao EE e seus comparsas
para soltarem o infeliz, porque segundo o aquele, era um bêbado, não furtou
nada e, de seguida retirou-se do local (fls. 35v, 37, 57, 133v, 136, 151v e
153v).
À dado momento, o coarguido EE resolveu levar o infeliz até a residência do mesmo para saber
com quem tem furtado, pelo caminho mudou de ideia decidindo levar o ora infeliz
para o quintal da residência do seu pai.
O coarguido EE,
achou que estavam a caminhar um passo lento, colocou o ora malogrado nos
ombros, ao entrar para o quintal, socorrendo-se da cabeça mesmo, abriu o portão
e deixou-o cair no pavimento de cimento, tendo este perdido forças (fls. 30, 57
138, 309v, 311 e 313).
Acto continuo, começou a agredir o ora infeliz com
bofetadas e pontapés, presenciando tal facto as testemunhas FF, LL e MM.
Naquele instante, o arguido DD, saiu do
interior da sua residência para o quintal, perguntou ao coarguido EE porquê é que ainda estava com o
infeliz, este mostrou o ferimento que tinha na sua testa informando que foi aquele
o causador do mesmo.
O arguido DD, enfurecido agrediu o ora malogrado com bofetadas e
pontapés, amarrando-lhe com correntes nos membros superiores, inferiores e
pescoço, ao ponto de o mesmo não conseguir respirar, acto contínuo, retirou um
barrote do cerco da horta e passou a desferir vários golpes por toda parte do
corpo até o barrote partir (fls. 138, 169, 309v, 310 e 31 1v).
Ainda no interior do quintal, empunhou uma pá, com que
agrediu na região das nádegas até que o cabo se soltou da parte metálica (fls.
136).
Quando aquele não conseguia se mover, o arguido DD orientou o co-arguido EE, para retirar-lhe a roupa e
pulseiras, porque dizia que ali estava o seu feitiço (fls. 136, 138vº,169, 310,
311vº e 313).
O arguido DD, orientou ao co-arguido EE
a arrastar o infeliz para fora do quintal, enquanto isso, pegou na roupa e
pulseiras do mesmo e queimou-as.
Naquele momento, a testemunha FF, avisou ao arguido DD que
aquela não iria resistir, porque estava a fazer muito frio, em resposta disse
que iria recuperar (fls. 312).
Quando o coarguido EE arrastou o infeliz até o local onde foi encontrado morto com
sinais de espancamento, nesta altura, o mesmo já não falava nem andava (fls.
57v, 309v e 312).
Foram encontrados vestígios de sangue no interior e
exterior do quintal da residência do arguido DD, assim como sinais do infeliz ter sido arrastado (fls. 106 e 117
a 122).
Os arguidos não contribuíram nas despesas do óbito,
entretanto, a Unidade Militar onde DD
trabalha, contribuiu com a urna, alguns bens alimentares e transporte do corpo
do ora malogrado, da morgue do Hospital Central do Lubango até a comuna da
Kapunda Kavilongo, local onde foi sepultado.
O corpo do ora infeliz foi autopsiado, tendo o perito
concluído como causa da morte lesões traumáticas crânio meningo encefálicas,
produzidas por mecanismo de acção de natureza contundente, sendo a morte de
causa violenta e de etiologia homicida (fls. 202 a 204).
Foi apreendida e examinada a pá (fls. 195 a 200).
b)
Factos não provados
O arguido DD
desferiu algumas chapadas contra o infeliz quando se encontrava na via pública.
O arguido DD desferiu só dois golpes com a pá contra o
infeliz.
Perante matéria de facto descrita, o Tribunal,
constata claramente que os arguidos agiram com a intenção e propósito
concretizado de tirar a vida do ora malogrado, mesmo sabendo que as suas
condutas eram proibidas e punida por lei, mas ainda assim, não se coibiram de o
fazer.
c)
Decisão
os arguidos DD e EE, foram condenados
na pena de 20 (vinte anos) anos de prisão, no pagamento de kz. 50.000,00
(cinquenta mil kwanzas) de taxa de justiça e solidariamente em uma indemnização
no valor de kz. 4.000.000.00 (quatro milhões de kwanzas), aos herdeiros do
infeliz, por força do art.º 89º do Código de Processo Penal.
IV.
Apreciação
a) Reapreciação da matéria
de facto.
Portanto, a matéria de facto dada como provada, associada as
regras da experiência comum e do conhecimento do olhar do homem médio, permite
a este Tribunal confirmar a matéria dada como provada pela decisão recorrida;
por resultar claramente, face ao exposto, que aquela instância observou a lei
na recolha da mesma.
Senão vejamos:
Na data dos factos, KK, ora infeliz, quando escalava o portão da residência dos
coarguidos, apercebendo-se da presença do arguido EE, tentou colocar-se em fuga, este agarrou-o pelo braço, na
tentativa daquele se soltar, segurou numa pedra e desferiu contra EE um golpe com a mesma, na região do
rosto causando-lhe ferimento, apanhado por este, foi levado ao interior do quintal.
Momentos depois, este resolveu levar o ora malogrado
até a sua residência, segundo aquele, pretendia saber com quem tem furtado. No
decurso da caminhada, decidiu levá-lo de volta ao quintal do arguido DD, que para abrir o
portão daquele, socorreu-se da cabeça do infeliz, com a qual pancou, abrindo o
mesmo e deixou cair a vítima no pavimento, tendo esta perdido forças.
Enfurecido, o arguido DD pelos ferimentos do filho
EE, agrediu o infeliz com bofetadas e pontapés, amarrando-o com correntes
nos membros superiores, inferiores e pescoço, ao ponto de o mesmo não conseguir
respirar. Acto contínuo, retirou um barrote do cerco da horta e passou a
desferir vários golpes por toda parte do corpo até o barrote partir. Ainda, com
a pá que empunhava agrediu a vítima na região das nádegas até que o cabo se
soltou da parte metálica, enquanto isto, orientou o coarguido EE, retirar-lhe a roupa e pulseiras,
porque dizia que ali estava o seu feitiço e posteriormente, arrastar-lhe para
fora do quintal, enquanto isso, pegou na roupa e pulseiras do infeliz e queimou-as.
Quando foi arrastado pelo coarguido EE, até o local onde foi encontrado
morto com sinais de espancamento, o mesmo já não falava nem andava, apenas
gemia.
Por tudo quanto os factos acima espelham, claramente
os arguidos agiram com intenção de matar o
KK, pois, se assim não fosse, o co-arguido EE não abriria o portão do quintal da sua casa com a cabeça do
malogrado e posteriormente deixá-la cair no pavimento.
O arguido DD,
ao socorrer-se de meios como: corrente, pá e barrote, para com eles agredir o
malogrado ao ponto de deixá-lo inanimado e posteriormente ordenar o EE em arrasta-lo fora do quintal,
depois de despido, retirado a sua pulseira daquele e os ter queimado, pretendia
sim com a sua actuação ver morto o infeliz, tal como aconteceu.
b)
Do direito.
Com base na matéria de facto apurada, os arguidos DD e EE, foram acusados
julgados e condenados como autores material, de um crime de homicídio
Qualificado em razão dos meios, p.e p. pelo art.º 148º do Código
Penal.
Ora, dispõe o artigo acima mencionado que:
1-É punido com pena de prisão de 20 a 25 anos o homicídio
cometido com recurso aos seguintes meios:
a) Veneno ou outro meio insidioso;
b) Dissimulação ou outro meio que torne difícil ou
impossível a defesa por parte da vítima;
c) Actos de crueldade ou tortura;
d) Por experiências medico-medicamentosas ou outros meios
tecnológicos afins sem o consentimento do paciente;
2- O homicídio é punido com a mesma pena quando o facto
for praticado:
a) Por duas ou mais pessoas;
b) Com grave abuso de autoridade, sendo o agente
funcionário público.
O objecto do crime de homicídio é a pessoa humana com
mais de oito dias de vida.
No crime de homicídio o bem jurídico protegido é a vida
humana. A vida humana é inviolável conforme consta do artigo 30º da CRA.
O direito a vida, insere-se nos direitos de personalidade
que são um certo número de poderes jurídicos pertencentes a todas as pessoas,
por força do seu nascimento. Os direitos de personalidade incidem sobre a vida
das pessoas, a sua saúde física, a sua integridade física, a sua honra, a sua
liberdade física e psicológica.
O crime de homicídio apresenta os seguintes elementos
constitutivos: a conduta do agente; o resultado (a morte); o nexo de causalidade entre a conduta do
agente e o resultado; a intenção de
matar (dolo) e o objecto (tem de
ser a pessoa humana com mais de oito dias de vida).
- Quanto a conduta
do agente - o comportamento do agente deve estar ligado objectivamente numa
relação causa.
No caso sub judice, os arguidos agrediram brutalmente a
vítima com bofetadas e pontapés, tendo o arguido DD, amarrando-lhe com corrente nos
membros superiores, inferiores e pescoço, ao ponto de o mesmo não conseguir
respirar, acto contínuo, com um barrote retirado do cerco da horta desferiu
vários golpes por toda parte do corpo até o barrote partir. Ainda, com a pá que
empunhava agrediu a vítima na região das nádegas até que o cabo se soltou da
parte metálica ao ponto de não conseguir se mover.
- O resultado do crime de Homicídio é a morte da pessoa
humana com mais de oito dias de vida.
- Do nexo de
causalidade entre a conduta do agente e o resultado - quanto ao nexo de causalidade, a doutrina e a
jurisprudência, são pacíficos em considerar que o Código Penal, acolhe a
doutrina de causalidade adequada, segundo a qual uma conduta é causa de um
resultado quando este, pelas regras gerais da experiência comum, é consequência
normal daquela.
Neste âmbito, segundo Manuel Simas Santos e Manuel Leal- Henriques “Noções de direito, pág. 65, 6.ª ed.-2018, quando o crime
exige para a sua consumação a produção de um determinado resultado material,
torna-se indispensável, por um lado, que ele derive de um comportamento humano
e, por outro, que entre a conduta e o resultado se estabeleça um nexo de
causalidade.
In casu, no entender deste Tribunal, este nexo existiu pelo
facto dos arguidos terem agredido a vítima com bofetadas e pontapés, usando pá
e barrote atingindo-a por toda parte do corpo, tirando-lhe as vestes e tê-lo
abandonado na via pública no estado crítico, causando a morte momentos depois.
Pelo que o comportamento dos arguidos foi a causa directa da morte do
malogrado.
- A intenção de
matar (dolo), resulta de vários elementos, como: a confissão do agente, seu
comportamento antes, durante e depois da prática dos actos causadores da morte,
os instrumentos usados, a quantidade e a intensidade das lesões causadas, as
regiões visadas, etc.
Falar de intenção, estar-se-ia a referir-se da culpa e a
doutrina diz que aquele ilícito típico tenha sido praticado com culpa.
Para este caso, é importante determinar o que é
materialmente a culpa de que se trata no direito penal; na sua compreensão, o
mais que pode ser dito é que, o que quer que seja materialmente, ela surge,
contudo como censura jurídica dirigida ao agente pela prática do facto.
Ir para além disto, supõe, porém que se analise mais de
perto, embora de forma sintética e sumária, a evolução do conceito durante o
último século, e que se não escamoteiem os complexíssimos problemas penais e
jurídico -filosóficos (e mesmo filosóficos gerais) que a sua determinação
acautelaria de certo modo o cometimento de infracções (Manual de Direito Penal
de Jorge de Figueiredo Dias TOMO I, 2ª Edição “questões fundamentais a doutrina
geral do crime”, pág. 510).
c) Da convolação do crime de
Homicídio Qualificado para o de Ofensas Simples à Integridade Física.
Para os recorrentes, a agressão perpetrada por eles, não foi a causa imediata
da morte ou seja o resultado morte verificou-se a posterior, desconhecendo-se
de concreto o estado físico anterior da vítima, porquanto, se mostram verificados, pelo menos,
fortíssimos indícios dos requisitos dos artigos 159º e 161º ambos do C. Penal, devendo, assim beneficiarem da aplicação do
princípio "in dúbio pró reo", mostrando-se mais que suficiente para
afastar a aplicação do Homicídio Qualificado, do qual os arguidos foram
condenados.
Conclui, assim, que deverá proceder-se
a uma alteração da qualificação jurídica atribuída aos factos em discussão,
subsumindo-os à previsão dos artigos acima mecionados, nesse sentido,
condenando-os não por um crime de homicídio qualificado em razão dos meios p. e
p. pelo artigo 148º do C. penal, mas por um crime de Ofensas Simples à
integridade Física, nos termos dos artigos já referenciados.
Da leitura minunciosa dos autos, entende-se que a conduta dos arguidos é
insubsumível ao crime estatuído nos artigos 159º e 161º do Código Penal,
porquanto, a matéria de facto provada não alicerça, de forma alguma, a Ofensas
Simples à integridade Física, definido neste artigo. A ofensa à integridade física
no entender do legislador ocorre se da ofensa ao corpo e à saúde da outra pessoa
vier a resultar a morte.
Porém, verificamos que durante as agressões, o
cabo da pá soltou-se em função dos violentos golpes, nem essa circunstância fez
o arguido perder a vontade de agredi-la. A sua conduta cessa quando sente que a
vítima deixou de reagir. Chegado esse momento, o coarguido EE a mando do
arguido DD, arrastou a vítima para fora do quintal abandonando-a na via
pública nu, sem dó nem piedade.
Por outro lado, e tal como é salientado
na decisão recorrida, o acto foi perpetrado a sangue frio, sem qualquer
discussão ou acto da vítima que o desencadeasse, sem possibilidade desta escaper-se
dos seus agressores. A violência das agressões está espelhada no número de
golpes e nas regiões corporais atingidas para efectivar as mesmas. As lesões
que a vítima apresenta em torno do corpo demonstram bem a posição de sujeição
em que se encontrava com relação os seus agressores ora aguidos, sem
possibilidade de recorrer a qualquer outro meio para se defender que são os
próprios membros superiors e inferiors, pois, estava acorrentado.
Nesta conformidade, concluímos que a matéria de
facto provada não alicerça de forma alguma, o crime de ofensa à integridade física,
definido no artigo 159º do Código Penal e não subsiste dúvida sobre a
verificação das circunstâncias do art.° 148° al. c), do C. Penal, sendo certo ainda,
que a motivação da conduta dos arguidos não encerram em si, circunstâncias que
revelem uma acentuada diminuição da ilicitude ou da culpa, ou ainda uma
acentuada diminuição da necessidade da pena.
O propósito de matar a vítima que animou os
arguidos na sua actuação, ressalta indubitavelmente das agressões por eles
protagonizadas contra ela.
Pelo que entendem os Juízes deste Tribunal estarem
preenchidos os elementos típicos do crime pelo qual os arguidos foram julgados
e condenados em primeira Instância, por terem culpa, existir nexo de
causalidade entre a conduta dos mesmos e o resultado verificado (morte).
Militam a favor dos arguidos as circunstancias atenuantes
da al. g) do artigo 71º do C. Penal, como sendo: primários, confissão parcial,
pai de --- filhos menores (no caso o arguido DD), arrependimento e humilde condição social e económica, para o
coarguido EE.
d)
Quanto a pena aplicada.
No que tange à dosimetria concreta da pena nos termos do art.º 70º do C.
Penal, posta em causa pelos recorrentes, importa referir que a respectiva
medida concreta deve ser determinada, dentro dos limites definidos na lei, em
função da culpa do agente e das exigências de prevenção, considerada a
finalidade das penas indicada no art.º 40º, n.º 1 do C. Penal e atendendo ainda,
a todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime, possam depor
a favor dos arguidos ou contra eles, designadamente o grau de ilicitude do
facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como
o grau de violação dos deveres impostos aos agentes, a intensidade do dolo, os
sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o
determinaram, as condições pessoais dos mesmos, a conduta anterior e posterior
ao facto e a falta de preparação para manter uma conduta lícita.
Ora, a pena tem como suporte axiológico uma culpa concreta, sendo certo
que a sua individualização pressupõe uma proporcionalidade entre a pena e a
culpabilidade.
Por isso, não esquecendo as exigências
de prevenção e reprovação do crime, a aplicada da pena deve manter-se num
sentido pedagógico e ressocializador, não podendo a mesma, em caso algum,
ultrapassar a medida da culpa (cfr. Art.º 42º, n.º 2 do C. Penal).
Esta, na verdade, será estabelecida com base na intensidade ou grau de
culpabilidade, não podendo, igualmente, excedê-la.
Mas, para além da função repressiva, medida pela culpabilidade, a pena
deverá também cumprir finalidades preventivas, de protecção de bens jurídicos e
de reintegração do agente na sociedade.
Portanto, a pena deverá, assim, desencorajar ou intimidar aqueles que
pretendem dedicar-se à prática delituosa, por uma parte e, ressocializar o
delinquente, por outra.
Ora, nesta conformidade, revela-se
inequívoco que o acórdão recorrido teve em devida conta o que acaba de se
enunciar.
Atendeu-se ao grau elevado de ilicitude dos factos, traduzido no modo de
execução e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos
deveres impostos ao agente.
Porquanto vejamos:
O arguido DD, desferiu vários golpes e pontapes em diversas
regiões corporais, usando uma pá para o efeito, acorrentou a vítima nos membros
superiores e inferiores com os quais a vítima se pretendia proteger, ao ponto
de difilcutar a respiração desta, como não bastasse retirou-lhe as vestes, queimando
as mesmas, deixando-a nua, posteriormente orientando que a colocasse fora do
quintal já em estado moribundo e o coarguido EE, a semelhança do
comportamento do seu pai, também agrediu a mesma com golpes e pontapes, usou a
cabeça da vítima para abrir o portão, tendo deixando-a cair no pavimento com a
cabeça perdendo assim os sentidos.
A intensidade das agressões e a sucessão das mesmas revelam uma gravidade
de grau elevadíssimo, sendo de acentuar também a crueldade ínsita na utilização
de uma pá, corrente como instrumentos do crime, provocando necessariamente
intenso sofrimento na vítima; a manifesta superioridade de meios com que agiram
em relação à vítima, sem hipótese de defesa. O que não pode deixar de patentear
uma especial censurabilidade.
Além do mais, inexistem dúvidas de que o dolo foi directo e adequado à
dinâmica delituosa.
Impõe-se, também considerar as
prementes necessidades de prevenção geral, uma vez que a prática de crime de
homicídio atenta directamente contra o bem vida, uniformemente, considerado
como valor fundamental em sociedade e o respeito pelo mesmo uma condição
essencial da relação entre cidadãos. Se a finalidade do Direito Penal é a protecção
de bens jurídicos, a vida é o primeiro dos valores a ser tutelado e protegido.
Nesta perspectiva, torna-se forçoso, desde já, salientar os propósitos
preventivos de estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na
validade da norma desrespeitada, pela frequência e intensidade com que estão a
ser conhecidas violações dos bens jurídicos em causa, crescendo
exponencialmente a prática do homicídio em todo o país, denotando a banalização
do respeito pela vida humana, tornando a necessidade de pena, actualizada e
adequada ao valor supremo, bem jurídico protegido suprimido, irrepetível, e o
mais valioso na pirâmide dos direitos fundamentais. A função de prevenção geral
que deve acentuar perante a comunidade o respeito e a confiança na validade das
normas que protegem o bem mais essencial tem de ser eminentemente assegurada,
sobrelevando as restantes finalidades da punição.
Por último, quanto às necessidades de prevenção especial não existe
notícia dos arguidos terem sido condenados por quaisquer ilícitos, sendo esta a
primeira.
Assim, perante o que acaba de se expender, a total improcedência do
recurso é mais do que evidente, já que a pena aplicada aos arguidos pelo
tribunal a quo, determinada em função da culpa dos mesmos e das
exigências de prevenção, em estrita obediência ao preceituado no art.º 70º do
C. Penal, se mostra justa e branda.
e) Da redução do valor da
indemnização para metade.
Em face da factualidade provada, merecem tutela os danos não patrimoniais
invocados, mormente o dano morte; as dores sofridas pela vítima durante o hiato
temporal em que foram cometidas as agressões até à verificação do seu óbito.
Tendo presente o quadro fáctico descrito, considerando os parâmetros e
critérios referidos, particularmente a situação económica dos arguidos e da
vítima e de acordo com os critérios a que se reporta o artigo 496º, n.º
1, do C. Civil, bem como as circunstâncias referidas no nº 3 do citado artigo,
tudo aponta para que se tenha como razoável o valor de kz. 4.000.000,00 (quatro
milhões de kwanzas) relativamente aos danos não patrimoniais aos titulares do
direito à indemnização prevista no nº 2 do artº 496º do Código Civil.
O ora malogrado a data do evento contava com 36 anos de idade, e tinha
muitos anos para contribuir para o sustento da sua família; embora o EE
não tenha trabalho fixo, o seu pai ora arguido DD, é efectivo das FAA, exercendo
a função de Piloto aviador, com uma renda mensal de kz. 425.000.00
(quatrocentos e vinte e cinco mil kwanzas), a indemnização fixada pelo Tribunal
recorrido, mostra-se razoavel, considerando o bem vida que a família em
particular e a sociedade em geral perde.
Pelo que, improcede a pretensão dos recorrentes.
V.
DECISÃO:
Nestes
termos e nos demais de direito, os desta câmara, reunidos em conferência,
acordam em nome do povo, em não dar provimento ao recurso interposto pelos
arguidos, confirmando-se a decisão recorrida.
Sem
custas.
Register e notifique.
Cumpra
o mais de lei.
Lubango,
aos 17 de Agosto de 2023.
Os
Juízes
Bento
Camenhe
Adão
Chiovo
Armando
do Amaral Gourgel