Processo
0141/2024
Relator
Dr. Armando Gourgel
Primeiro Adjunto
Dr. Adão Chiovo
Segundo Adjunto
Dra. Lúcia Santiago
Descritores:
Impugnação das penas. Imposto não pago. Rejeição de recurso.
I. O pagamento do
imposto devido pela interposição do recurso é condição “sine qua non”, nos termos do artigo 148.º, do Código das Custas
Judiciais, pois,
a obrigatoriedade de pagar um imposto ou taxa pode incentivar ou dissuadir as
partes interessadas de recorrerem a decisões judiciais.
II. Assim,
tendo faltado este quesito, o recurso deverá ser declarado deserto, pois a
falta de pagamento implica a imediata deserção do mesmo, nos termos do artigo
148.º, do CCJ. As questões suscitadas pela defesa ficam prejudicadas, pois o
recurso julgado deserto obsta o conhecimento do seu mérito.
PROC. N.º141/2024
Arguido: AAAAAAAAAAAA.
A C Ó R D Ã O
*
NA
CÂMARA CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO LUBANGO, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, EM
NOME DO POVO: ============================================
I.
RELATÓRIO
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Mediante
Processo Comum deduzido pelo Ministério Público, a Sala de Competência Genérica
da Cahama do Tribunal da Comarca do Cuanhama julgou o arguido AAAAAAAA, de 36 anos
de idade, filho de SSSSSSSS e de HHHHHHH, natural de Cambambe, Província do
Cuanza Norte, residente, antes de detido, na cidade de Luanda, no bairro
Sequele, acusado pela prática de crime de Homicídio Negligente, p. e p. pelo
n.º 2, do artigo 152.º, do Código Penal. ==========================
Efectuado
o julgamento e depois de respondidos os quesitos, foi, a acusação, julgada
procedente e provada, sendo, em consequência, o arguido condenado, por sentença
datada de 23 de Outubro de 2024 (fls. 61 a 64), nas seguintes penas: ===
a)
4 anos de prisão;
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b) Kz.
50.000,00 (cinquenta mil Kwanzas) de Taxa de Justiça;
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c)
Kz. 6.000.000,00
(seis milhões de Kwanzas a título de indemnização pelos danos não patrimoniais;
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d) Kz.
20.000,00 (vinte mil Kwanzas) de emolumentos para o defensor oficioso.
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Desta
decisão, interpôs, tempestivamente, recurso o arguido, através do seu
mandatário judicial, por não conformação, ao abrigo do disposto nos artigos
463.º, n.º 1, alínea b), 475.º, n.º 3, 469.º, n.º 1, 470.º, n.º 1, alínea a),
todos do C.P.P., tendo apresentado as suas alegações a fls. 66 a 70 das quais
se extraem, da motivação, as conclusões que a seguir se transcrevem: =======================================
“De tudo quanto se
expôs, conclui-se que o Tribunal “a quo”, ao decidir condenar o arguido
baseou-se em sua convicção e a apreciação arbitrária, condenando o arguido por
negligência grosseira, que ao certo não se sabe o que é. A referida decisão não
observou à CRA e nem os princípios do Direito Penal e Processual Penal,
conforme os comandos do artigo 9.º do Código de Processo Penal, pelo que,
condenou sem observar as leis e nem os princípios, resultado? Foi a pena
bastante excessiva, enquanto havia outras possibilidades de suspender a pena ou
mesmo pena acessória, exemplo artigo 67.º “proibição de conduzir veículos
motorizados” já que o crime foi cometido no âmbito da condução;
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A indemnização viola
os critérios estabelecidos no artigo 494.º C.C. e a jurisprudência dos
tribunais angolanos.” ==========================
Terminou
pedindo a reapreciação da decisão proferida pelo Tribunal “a quo” e, em consequência, condenar o arguido na pena suspensa,
e/ou na pena acessória. Mais pediu que, a indemnização seja reduzida de acordo
com os critérios legais e a jurisprudência dos tribunais angolanos. ===================
O
Ministério Público não contra alegou. ==================
Admitido
o recurso e fixado o efeito suspensivo, o mesmo foi remetido, nos próprios
autos a esta instância para a sua apreciação. ========================================
Chegados
aqui, foi com vista ao Digno Magistrado do Ministério Público junto deste
Tribunal, que promoveu que o arguido deve ser convidado a pagar o imposto
devido pela interposição do recurso, nos termos do artigo 148.º do Código das
Custas Judiciais, sem, no entanto, ter fundamentado. ===
Os vistos legais foram
colhidos. =========================
II.
OBJECTO DO RECURSO
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É consabido, em face do
preceituado no artigo 465.º, do Código de Processo Penal, que o objecto do
recurso penal é definido pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva
motivação, devendo, assim, a análise a realizar pelo Tribunal ad quem circunscrever-se
às questões aí suscitadas, sem prejuízo das que importe conhecer oficiosamente,
por serem obstativas da apreciação do seu mérito, nomeadamente, nulidades
insanáveis que devem ser oficiosamente declaradas em qualquer fase.
Diferentemente dos processos cíveis, em que domina o princípio do dispositivo,
onde o andamento está sujeito ao impulso das partes e os Tribunais só podem
conhecer das questões que lhes são submetidas, nos processos penais vigora o
princípio do conhecimento amplo do recurso, partindo da ideia de que o objecto
do recurso é a decisão recorrida e não a questão por ela julgada, ainda que o
recorrente restrinja o objecto de recurso, devido à finalidade de interesse
público que ele visa alcançar. (Art.º 464.º, n.º 1 do CPP e Manuel Simas
Santos, Recursos Penais em Angola, pág. 77).
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Assim que, apesar do
recurso ter sido interposto pelo arguido, que devidamente adequou, não só as
alegações, como também as conclusões, que no caso em concreto deviam delimitar
o objecto de recurso, ainda cabe a esta Veneranda Instância apreciar o processo
e a matéria de recurso na generalidade, isto é, tanto da matéria de facto como
da matéria de direito, conforme estabelece o artigo 44.º, n.º 2 da lei n.º
29/22, de 29 de Agosto, Lei sobre a Organização e Funcionamento dos Tribunais
de Jurisdição Comum e artigo 464.º, n.º do CPP, bem como, o Ac. Relação do
Porto, 06/12/1930, Gaz. Rel. Lxª 44.º-248.
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Nestes termos, do exame
atento dos autos, define-se, como objecto do presente recurso, as seguintes
questões a conhecer:
1
– Se o Tribunal “a quo”, ao condenar, não observou a CRA e nem o artigo 9.º
do C.P.P. =========================
2
– Se há lugar para a suspensão da pena e/ou condenação na pena acessória.
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3
– Se é possível reduzir o valor da indemnização. ========
III. FUNDAMENTAÇÃO ===========================
Delimitado
o objecto de recurso, cumpre-nos agora apreciar e decidir:
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QUESTÃO PRÉVIA PREJUDICIAL
Colhe-se dos autos que o
arguido se encontra solto, em virtude de ter sido posto em liberdade na fase de
instrução preparatória, pelo Magistrado Competente, (fls. 17 e 18) e é nessa qualidade
(de solto) que foi julgado, tendo a sentença, de 23 de Outubro, sido
condenatória. Porém, sobre essa pende o recurso, o qual foi atribuído o efeito
suspensivo, adiando, assim, a sua exequibilidade, ou seja, o arguido continua
na situação carcerária de solto. ===========================
A
defesa requereu a interposição do recurso em acta de audiência de leitura de
quesitos e publicação de sentença, realizada no dia 23 de Outubro de 2024. Dias
depois, concretamente, em 12 de Novembro de 2024, juntou a motivação do recurso
e o Meritíssimo Juiz proferiu o competente despacho, admitindo o recurso no dia
14 de Novembro de 2024, atribuindo-lhe o efeito suspensivo. ======
Deste
despacho, a defesa foi notificada no dia 21 de Novembro de 2024, (Fls. 71v), no
entanto, não efectuou o pagamento do imposto devido pela sua interposição e,
estranhamente, o Tribunal “a quo” mandou subir os autos a
este Tribunal, sem que para tal o arguido, diga-se, solto, pagasse o imposto
devido pela interposição do recurso, nos termos do artigo 148.º do C.C.J., como
sendo o elemento impulsor deste serviço
(recurso). ==========================================
Assim
que, o Tribunal “a quo”, “ab initio”,
decorrido que foi o prazo peremptório deveria ter declarado o recurso deserto,
mediante um despacho, pois, a obrigatoriedade de pagar um imposto ou taxa pode
incentivar ou dissuadir as partes interessadas de recorrerem a decisões
judiciais. Além de que,
É
condição “sine qua non”, nos termos
do artigo 148.º, do Código das Custas Judiciais, ao prescrever que: “Os recursos
interpostos por pessoas que não sejam o Ministério Público ou os réus presos
não poderão seguir sem que seja pago o imposto devido pela interposição do
recurso”.
Que é o caso, pois, os autos fazem
prova de o arguido se encontrar em liberdade. ==================
Embora o Digno Magistrado
do Ministério Público, junto desta Câmara, tenha promovido que o arguido
devesse ser convidado, nesta Instância, a pagar o referido imposto, o certo é
que, dispõe o n.º1
do art.º 292.º, do C.P.C., (trazido aqui, subsidiarmente, nos termos do n.º 2
do artigo 3.º, do C.P.P.), que os recursos são julgados desertos pela falta de
preparo. ==
A
parte final do ponto único do artigo 161.º, do C.C.J., refere que “... se não for pago nesse
prazo, considerar-se-á sem efeito o requerimento, não havendo lugar a execução
ou conversão.” =========
Julgar
deserto a presente causa com o fundamento no não pagamento do imposto devido
para a interposição do recurso, artigo 148.º do CCJ, não implica aqui a
denegação de justiça por insuficiência de meios económicos, como se estabelece no n.º 1 do artigo 29.º da CRA,
na medida em que, à data dos factos, o arguido era motorista da Empresa de
construção civil denominada QQQQQQQQ, proprietária da viatura com a qual causou
a morte da vítima, e, nessa qualidade, auferia salário mensalmente, mesmo que
não se saiba o quantitativo. Vide fls. 25 e 44 dos autos. Outrossim, consta dos
autos que, depois de lhe ter sido arbitrada a caução carcerária, no valor fixado
em kz. 300.000,00, acrescidos de kz. 20.360,00, para que lhe fosse reposto o
direito à liberdade, este pagou prontamente, o que prova que não estava em
situação de insuficiência de meios financeiros. Vide fls. 17, dos autos e fls. não
enumerada do processo caucional em apenso. Tal valor supera, de longe, a taxa
de imposto devida a interposição de recurso, que está fixada em kz. 8.800,00, nos termos do artigo 149.º, al.
a) do CCJ, com a redação introduzida pelo artigo 14.º da Lei n.º 5-A/21, de 5
de Março, Lei que altera a Lei Sobre a Actualização das Custas Judiciais e
Alçadas dos Tribunais. Caso para se dizer que o arguido só não pagou tal
imposto por duas razões hipotéticas: a primeira, porque não quis, ou, a segunda,
porque não sabia, já que estava a ser
representado nos autos por um Defensor Oficioso que lhe foi nomeado pelo
Tribunal, portanto, pessoa não profissionalizada para o exercício de facto da
actividade advocatícia. No entanto, ainda assim, vale lembrar que, “ignorantia legis non excusat”, nos
termos do artigo 6.º do Código Civil angolano, ou seja, “a ignorância ou má
interpretação da lei não justifica a falta do seu cumprimento nem isenta as
pessoas das sanções nela estabelecidas”.
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Portanto,
não há aqui violação do princípio do acesso ao direito e à tutela jurisdicional
efectiva. =========================
Aliás,
admitir o recurso e julgá-lo é que se configuraria numa violação da
Constituição da Repúblca de Angola, concretamente o princípio da legalidade,
pois dispõe o n.º 1 art.º 2.º da CRA que “Angola é um Estado Democrático de Direito que tem
como fundamentos a soberania popular, o primado da Constituição e da lei…”.
Tal implica a proibição de qualquer acto que seja contrário à Constituição e à
Lei, sob pena de nulidade por incostitucionalidade. Destes actos as decisões
judiciais não estão imunes. ======================================
Assim,
tendo faltado este quesito de que temos vindo a nos debruçar, o recurso deverá
ser declarado deserto, pois a falta de pagamento implica a imediata deserção do
mesmo, nos termos do artigo 148.º, do CCJ. =========================
Em
face disso, as questões suscitadas pela defesa ficam prejudicadas, pois o recurso
julgado deserto obsta o conhecimento do seu mérito. ===========================
IV.
DECISÃO
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Nesta
conformidade, acordam em conferência, os juízes desta Câmara Criminal, em nome
do povo em rejeitar o recurso interposto pelo recorrente AAAAAAAAA, com demais
sinais de identificação nos autos, por falta de pagamento da taxa pela
interposição do recurso. ==============================
Vai
o recorrente condenado no pagamento da taxa devida, nos termos do n.º 3 do
artigo 487.º do C.P. Penal. ==============
Registe
e notifique. ===================================
Cumpra-se
o mais da lei. ==============================
Lubango,
06 de Fevereiro de 2025. ======================
ARMANDO
DO AMARAL GOURGEL
ADÃO
CHIOVO
LÚCIA SANTIAGO