Processo
0006/2024-FAM1-A
Relator
Domingos Astrigildo Nahanga
Primeiro Adjunto
Marilene Camati
Segundo Adjunto
Lourenço José
Descritores:
União de Facto. Reconhecimento. Atendimento. Efeitos Patrimoniais. Inscrição INSS.
Sumário do acórdão
I. O reconhecimento da união de facto
para efeitos patrimoniais visa evitar que haja locupletamento ou empobrecimento
de quem tendo estado numa relação não reconhecível plenamente, nos termos do
número 1 do artigo 113º do CF, tenha contribuído de alguma forma, para a
formação do património detido pelos companheiros. Pois, é este o elemento que
serve de âncora ao atendimento da união para este efeito.
II. O de cujus
era o sustento da família, constituída por efeito do casamento canónico, em que
a viúva é a Apelante. E porque o falecido provia a família com a renda do
trabalho; este é um bem comum, para efeitos de transmissibilidade de qualquer
direito, decorrente da percepção do mesmo; sabendo-se, pois, que as
contribuições prestadas eram deduzidas deste fruto, pertença e património
comum, entre de cujus e a viúva, na
convicção Bíblica, de que com o matrimónio os cônjuges se tornam uma só carne.
III. O direito a assistência impõe-se ao Estado, a
favor de quem o reivindique, não havendo oposição relevante; pois, visa
proteger pessoas com insuficiências económicas. Se o direito desconsiderar este
facto, para não atribuir o direito à sobrevivência da Recorrente, porque
alegadamente só transmissível no casamento civil; já a justiça, não pode
enveredar pela mesma “miopice”.
ACÓRDÃO
Processo n.º: 006/2024
Relator: Desembargador Domingos
Astrigildo Nahanga
Data do acórdão: 03 de Abril de 2025
Votação: Unanimidade
Meio processual: Apelação
Decisão: revogada a sentença
recorrida.
Descritores: união de facto, reconhecimento, atendimento, efeitos
patrimoniais, inscrição INSS.
Sumário do acórdão
I. O reconhecimento da união de facto
para efeitos patrimoniais visa evitar que haja locupletamento ou empobrecimento
de quem tendo estado numa relação não reconhecível plenamente, nos termos do
número 1 do artigo 113º do CF, tenha contribuído de alguma forma, para a
formação do património detido pelos companheiros. Pois, é este o elemento que
serve de âncora ao atendimento da união para este efeito.
II. O de cujus
era o sustento da família, constituída por efeito do casamento canónico, em que
a viúva é a Apelante. E porque o falecido provia a família com a renda do
trabalho; este é um bem comum, para efeitos de transmissibilidade de qualquer
direito, decorrente da percepção do mesmo; sabendo-se, pois, que as
contribuições prestadas eram deduzidas deste fruto, pertença e património
comum, entre de cujus e a viúva, na
convicção Bíblica, de que com o matrimónio os cônjuges se tornam uma só carne.
III. O direito a assistência impõe-se ao Estado, a
favor de quem o reivindique, não havendo oposição relevante; pois, visa
proteger pessoas com insuficiências económicas. Se o direito desconsiderar este
facto, para não atribuir o direito à sobrevivência da Recorrente, porque
alegadamente só transmissível no casamento civil; já a justiça, não pode
enveredar pela mesma “miopice”.
*
* *
Os
Juízes da Câmara do Cível, Administrativo, Fiscal e Aduaneiro, do Tribunal da
Relação do Lubango, acordam em nome do Povo:
I.
RELATÓRIO.
Na sala
da Família do Tribunal de Comarca do Lubango, JC, solteira, nascida em
17 de Fevereiro de 1980, natural do Lubango, Província da Huíla, residente no
município da Chibia, província da Huíla;
em acção de Reconhecimento de União de Facto por Morte, contra os filhos
comuns: AK, JK, ACK, FK, JEK, HK, DK; e do falecido companheiro: FNK, EK, VK e FPK; sendo os
requeridos menores, representados pelo curador especial o Sr. FPC; pedindo seja a união de facto
atendida para efeitos de inscrição no Instituto Nacional de Segurança Social e
que seja isentada de pagamentos de custas judiciais, por ser desempregada.
Para o
efeito aduziu os seguintes fundamentos:
Que a união de facto havida com o de cujus INK, por vinte e três (23)
anos, conforme certidão de casamento religioso; gerou 7 filhos, e o de cujus teve mais quatro (4) filhos
devidamente registados; e que
ela Requerente, se encontra desempregada, passando por imensas dificuldades
financeiras, tanto para o seu sustento, bem como do seu agregado familiar;
necessitando assim, de ser inscrita no INSS (Instituto Nacional de Segurança
Social), como pensionista, para beneficiar da pensão de sobrevivência.
Os Requeridos
devidamente citados à fls. 37 e 40, não apresentaram oposição, quanto aos
factos contidos na Petição Inicial.
Finda a
fase dos articulados teve lugar a conferência de interessados e audição do
conselho de família e posteriormente proferido o Saneador Sentença que julgou improcedente, porque não provada a presente acção e, em
consequência, desatendeu o pedido com o fundamento de não se ter verificado um
dos pressupostos, singularidade.
Notificadas as partes da decisão de
fls. 60 a 71, a Requerente inconformada interpôs recurso de apelação, admitido
como o próprio, com subida imediata e com efeito suspensivo (fls. 78).
Entregues
os autos a esta instância, foi proferido despacho ordenando a revisão dos autos
e de seguida a notificação da parte recorrente para alegar (fls.91).
Feita a revisão para os termos da acção, veio
a Apelante juntar as suas alegações (fls. 97 a 101), com as seguintes conclusões:
1. O
Tribunal a quo, não se pronunciou
sobre o pedido que lhe foi formulado pela Apelante, negando assim de certa
medida a tutela efectiva e jurisdicional e o acesso aos Tribunais;
2. Enquanto
direito consagrado na Constituição da República de Angola, na medida em que, a
Apelante solicita o atendimento para efeitos patrimoniais da união de facto e todos
os efeitos legais de tal atendimento;
3. A
sentença recorrida deve ser revogada por não se pronunciar sobre o pedido que
lhe foi formulado e atendida a união de facto a favor da Apelante,
essencialmente para a inscrição no INSS;
Proferido
despacho nos termos do artigo 701º do CPC, foi recebido o recurso como sendo o próprio,
com efeito e regime de subida atribuídos (fls. 103).
Notificados os
Apelados, não juntaram as contra-alegações.
Aberto o
termo de vista ao MºPº, este veio promover, com os fundamentos elencados de
fls. 110-115, a improcedência do presente recurso.
Posto
isso, seguiram-se os vistos legais sucessivos aos Juízes Adjuntos (fls. 116 e
116 verso.
* * *
II.
OBJECTO DO RECURSO
Face às conclusões apresentadas pelo Apelante, que
delimitam o objecto do recurso, para além das excepções de conhecimento
oficioso, que decorrem do disposto nos artigos 660º nº 2, 664º, 684º nº 3 e 690
nº1, todos do Código de Processo Civil; emerge como questão a apreciar e decidir
em sede do presente recurso a seguinte:
1. A União de facto havida entre a Recorrente e o
falecido é atendível, para efeitos patrimoniais?
2.
Há
omissão de pronúncia do Tribunal em relação ao pedido formulado?
* * *
III.
FUNDAMENTO
DE FACTO
Do rol da matéria de
facto, em que assenta a decisão recorrida extrai-se como fundamentos os
seguintes:
1. A
requerente nasceu em 17 de Fevereiro de 1980, na cidade do Lubango;
2. O
alegado companheiro da Requerente INK nasceu em 16 de Abril de 1975 e faleceu
no dia 13 de Fevereiro de 2021 (fls.814);
3. A Requerente
e o falecido companheiro viveram como marido e mulher de 1998 a 13 de Fevereiro
de 2021;
4. Da união
de facto nasceram 7 filhos requeridos nos autos;
5. Para
além da Requerente, o falecido também viveu com outra mulher desde 2006 até 13
de Fevereiro de 2021, sendo reconhecida como tal pelos parentes e da relação
nascido 4 filhos (fls. 15-18);
IV.
APRECIANDO.
Fixando-se nos factos carreados nos autos, importa
responder as questões, objecto do recurso:
1. A União de facto havida entre a Recorrente e o falecido
é atendível, para efeitos patrimoniais?
Antes, impõe-se olhar para a natureza da questão a
regular, passando pela sua caracterização.
A situação desencadeante da acção, emerge da
relação matrimonial mantida pela Apelante e o falecido, desde 1998 até 13 de
Fevereiro de 2021, de forma contínua e inseparável; tendo da mesma sido gerados
7 filhos.
A união tendo terminado
por morte do companheiro é dos seus efeitos, em relação à companheira sobreviva
e Requerente que se circunscreve o objecto da acção.
A relação, por ter sido constituída sob a livre vontade entre Apelante e o de cujus, de juntos partilharem a vida
em comum de marido e mulher, para formarem família e submeterem-se aos deveres
de assistência mútua; para além da longevidade
e persistência na comunhão de leito e economia; foi sempre reputada nos moldes
em que é visto o casamento, na comunidade em que estavam inseridos.
Acresce o facto de, a relação ter sido constituída, na forma de casamento,
em 27 de Abril de 1998, com a celebração do matrimónio na Igreja Católica,
Paróquia São Pedro, no município da Chibia, Província da Huíla, à luz do Direito Canónico.
O recurso da Apelante funda-se no
facto de ter a acção improcedida, por decisão do Tribunal a quo, de fls. 60 a 71,
com a invocação, em síntese, da inexistência do pressuposto singularidade; quando o que se requereu
é o reconhecimento da união, para efeitos patrimoniais e inscrição no Instituto
Nacional de Segurança Social (INSS), a fim de satisfazer as necessidades de assistência aos filhos e sua sobrevivência, através da
atribuição da qualidade de segurado no Instituto.
Da sentença recorrida, a fls. 67,
paragrafo 4, extrai-se: “Pelo exposto,
este Tribunal não dá como preenchido o último pressuposto legal, para o
reconhecimento da união de facto vivida entre a senhora JC e o senhor IK,
singularidade” (itálico nosso.)
Sendo certo que,
a ausência da singularidade ou de qualquer outro pressuposto da união, à luz do
número 1 do artigo 113º do CF é o fundamento para o não reconhecimento; convém,
no entanto, sublinhar que no presente caso, a requerente não formula pedido de
reconhecimento da união, para efeitos plenos, tal como visa, no geral, o
Instituto da União de Facto, como bem se extrai no pedido e artigo 4º da
Petição Inicial, fls. 3 a 6: “Entretanto,
no caso concreto, apesar da convivência de ambos preencher os requisitos
temporais e a capacidade marital, a singularidade é colocada em questão, mas
ainda assim, considerando o tempo de vivência marital entre a Requerente e o de
cujus, nos termos da lei, a união pode ser atendida para efeitos patrimoniais,
em absoluto para a inscrição da Requerente no sistema do INSS (Instituto de
Segurança Social)
Diante destes
factos é de todo forçoso que o tribunal a
quo se tenha embrenhado em discutir os pressupostos para o reconhecimento
de uma união plena, quando a pretensão da Requerente são os efeitos
patrimoniais.
O reconhecimento
da união de facto para efeitos patrimoniais visa evitar que haja locupletamento
ou empobrecimento de quem tendo estado numa relação não reconhecível
plenamente, nos termos do número 1 do artigo 113º do CF, tenha contribuído de
alguma forma, para a formação do património detido pelos companheiros. Pois, é este
o elemento que serve de âncora ao atendimento da união para este efeito.
Dito doutro
modo, na petição do reconhecimento da união de facto, visando efeitos
patrimoniais, o cerne da questão são os bens e/ou direitos constituídos na
pendência da relação. Sendo que, a questão há decidir, nestes casos passa por
saber sobre: existência de bens, a
sua constituição, forma, localização e o grau e
espécie de comparticipação, na
sua formação, para se aferir o grau de pertença do reivindicante na
compropriedade, porque o direito a definir tem implicações na esfera
patrimonial de cada um.
Sobre estas
questões a sentença passou ao lado, para se ocupar extensamente aos
pressupostos da união de facto com efeitos plenos, fazendo uma minúscula
referência a lei o que regimenta o subsídio de sobrevivência, para depois
decidir, pelo não reconhecimento, com o seguinte suporte de fls. 70, último
parágrafo e fls. 71:
“É reconhecido a qualidade de pessoas em união de
facto as pessoas (homem e mulher) cuja vivência marital seja reconhecida por
mútuo acordo e também pela via judicial. Não sendo tal reconhecimento operado,
ou seja, não sendo o homem ou a mulher reconhecidos como pessoa em união de
facto com a pessoa falecida, e vistos que, os direitos e benefícios do cônjuge
ou companheiro sobrevivo são recebidos em razão do que seja atribuído ao
requerente o direito a que se arroga.
Pelo que não poderá a requerente JC vincular-se a
protecção Social Obrigatória na condição de dependente do segurado, pelo facto
de não ter sido reconhecida como pessoa em união de facto com o malogrado INK,
com a consequente impossibilidade de adquirir no decurso da relação fortuita os
direitos, benefícios e regalias que o seu pretenso companheiro em vida teve
direito enquanto segurado do Instituto Nacional de Segurança Social (itálico nosso.)
Posterior ao matrimónio
religioso, o de cujus estabeleceu
mais uma relação marital, facto em que se apega a decisão impugnada; todavia, esta
poderia ser impedimento, quando muito, para a validação de uma relação
constituída antes, só no período concorrente. E aqui pode-se depreender que a
relação que o de cujus manteve com
outra mulher, por tudo acima expendido; não chega a “ensombrar” o casamento
Canónico, por mais factualização que àquela tenha tido, no meio.
Ainda que, ao pé da lei (artigo 113º /1 do CF) se
retire a enunciação de que a união de facto só pode ser reconhecida, nas
situações de singularidade, perduração no tempo superior a 3 anos e capacidade matrimonial; seria, de todo,
uma justiça imponderada,
diante da situação em concreto, desatender a pretensão da requerente viúva,
pelo seguinte:
a) As duas relações, mesmo tendo coexistido, tal
facto não é impeditivo para que se revindique validamente a pretensão em
relação ao património ou outros direitos adquiridos na pendência da relação,
por quem se acha no direito; já que o invocado pressuposto singularidade não é aqui convocado; considerando o facto de que
este tipo de relação pode produzir os efeitos restritos previstos na segunda
parte do número 2 do artigo 113º, de resto; o que é reiterado por Maria do Carmo Medina, in DIREITO DA FAMILIA, Colecção da Faculdade de Direito UAN, 2001,
p. 283.
b) Na ponderação de interesses, tem que se olhar
para a controvérsia instalada, a existência do conflito e o prejuízo potencial
ou efectivo, daí resultante para as partes, terceiros e/ou Estado, pois:
i.
No presente caso, não há
nem controvérsia e tão pouco conflito entre pessoas, daí a ausência de qualquer
oposição dos requeridos;
ii.
Não
se verifica qualquer situação potencial ou efectivamente causadora de
prejuízos, para as partes, que por hipótese poderiam desaconselhar o
atendimento da união havida, para os efeitos pretendidos;
iii.
Negar-se à Apelante o
direito à uma digna sobrevivência na viuvez, com o não atendimento da relação
havida; tendo ela, se mantido fiel, durante 23 anos consecutivos de casamento,
cumprindo com o ditame consagrado no Can. 1141, que
impõe que: “o matrimónio único e
consumado não pode ser dissolvido por nenhum poder humano, nem por outra causa
que não a morte”; é uma vã tentativa de impedir a
justiça do caso.
c) O matrimónio da Recorrente ocorreu em 1998, de
acordo com as leis Canónicas. Embora a acção, cuja decisão se impugna, não
tenha por objecto o reconhecimento geral da União de facto e, sim o seu efeito
patrimonial. No entanto, não é despiciendo dar nota que, no âmbito do casamento
Canónico Concordatário e, à luz do Decreto Executivo nº 510/21, 11 de Outubro, à
este casamento, embora anterior, era potencialmente reconhecível efeitos civis,
nas condições previstas no artigo 18º do mesmo diploma. Todavia, sendo este
facto lateral ao objecto do recurso e da nossa apreciação; não deixa, no
entanto, de sinalizar a atenção, que teria, em condições normais e;
d) O desembolso do subsídio de sobrevivência, a que
o Estado faz, no âmbito da contraprestação, não resulta qualquer prejuízo e tão
só a colocação do segurado ou seus dependentes, em caso de morte daquele, na
situação em que estariam minimamente, se inexistisse a causa desencadeante.
O Tribunal recorrido ao não reconhecer a união de
facto, que persistiu por 23 anos, em que os companheiros contraíram casamento
canónico, impediria à Recorrente aceder ao subsídio de sobrevivência pelo
estado de viuvez.
2. Há omissão de pronúncia do Tribunal em relação ao
pedido formulado?
A Apelante veio alegar que tendo requerido a
acção de reconhecimento da união de facto, para efeitos patrimoniais, visando
inscrever-se no INSS, houve, no entanto, omissão de pronúncia do Tribunal, em
relação a pretensão colocada.
Dispõe o artigo 660º do CPC, no seu número 2: “O juiz tem o dever de resolver todas as
questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas,
cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Não pode ocupar-se senão das questões
suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento
oficioso de outras”.
Deste comando resulta que o juiz não deve omitir
a sua posição em relação as questões a decidir.
Diante da abordagem feita na sentença, se não
resulta omissão total de pronúncia, verifica-se ausência de um firmamento em
relação ao aspecto fulcral, que decorre de um vício, na interpretação do
problema.
Não se pode dizer que o facto de se ter abordado
os pressupostos da união de facto, tem-se por efeito disso resolvido o pedido
em relação aos efeitos pretendidos. A 2ª parte do número 2 do referido artigo
660º do CPC, nem chega para amparar a posição do juiz, se, se pretendesse
invocar a prejudicialidade; já que o direito que se pretende, nada tem a ver
com o reconhecimento pleno da união de facto.
O subsídio de sobrevivência é um bem futuro ou
presente, dependendo do momento de formação ou usufruto efectivo. Este subsídio
resulta das contribuições fruto da remuneração do trabalho ou serviço prestado.
E a remuneração, independente do tipo de relação ou regime económico, desde que
efectivamente exista, pode ser visto como um bem partilhável pelos cônjuges ou companheiros,
em comunhão de mesa, dado o fim económico a que está vocacionado. Aliás, isso para
além de depreender-se dos artigos 43º, 45º e 46º do CF, decorre também de um
dever de solidariedade natural dos unidos em matrimónio ou união de facto. Se
ao salário pode ser computado os abonos de família, pagos pela entidade
empregadora, tal espelha bem a transmissibilidade dos direitos dalí decorrentes,
a quem se julgue no direito.
Assim visto, eis
a questão emergente:
O que mais
repugnaria à justiça do presente caso? Reconhecer ou não à Recorrente o direito a
percepção do subsídio, por falecimento do companheiro?
Os
factos e a lei devem ser interpretados na justa medida que se impõe ao caso.
A Apelante não pede o reconhecimento pleno da
união de facto. Delimita o objecto do pedido e efeitos, tão só a inscrição no
INSS e percepção do subsídio de sobrevivência na viuvez, por efeito do
falecimento do companheiro.
Embora a inscrição como segurado no INSS, decorra
dos pressupostos previstos no Decreto Presidencial nº 227/18, de 27 de Setembro; o
certo é que, tendo sido o
marido, em vida, o suporte financeiro e económico da família fundada no
matrimónio religioso; todos os seus ganhos de natureza onerosa, pressupondo sacrifício
comum dos companheiros devem ser partilhados por quem, fez o percurso em
comunhão de vida com o falecido, durante 23 anos, se não vejamos:
a)
As contribuições para Instituto Nacional de Segurança Social (INSS) não são
mais, do que aforros valorizados no tempo e feitos com carácter obrigatório
pelo prestador de serviço ou trabalho e a entidade beneficiária, para num
momento posterior de invalidez, incapacidade física do contribuinte ou morte do
mesmo, servir de amparo financeiro próprio ou de seus dependentes;
b)
Sendo que, as contribuições são deduzidas da remuneração auferida em cada
mês, pelo prestador de trabalho intelectual ou braçal; tal prestação representa
um sacrifício anterior na renda comum da família; razão porque os benefícios daí
decorrentes, possam ser auferidos pela companheira sobreviva;
c)
O direito da Recorrente justifica-se também pelo facto de inexistir,
qualquer oposição válida e relevante; não podendo, pois, “morrer solteiro”, o
direito à prestação do subsídio, cuja vocação é suprir minimamente as carências
sobrevenientes à morte, de quem era o sustento da família.
O
matrimónio celebrado à luz das escrituras sagradas é indestrutível. Esta é a crença viva de quem sendo crente exercita
a fé. Pelo temor reverencial das escrituras sagradas ninguém ousa afrontar a
sacralidade da união instituída por quem, se tem por superior, independente da
designação que se lhe dê, independente da religião ou confissão religiosa que
professe.
Na visão cristã que guiou os cônjuges, havendo
perdão, pouco importa as infidelidades que o marido tenha cometido em vida. Daí
que, quem se manteve fiel às juras matrimoniais, não pode ser-lhe imposto uma
consequência de que não lhe é imputável, estando de boa fé.
Embora o matrimónio tenha ocorrido
numa altura em que o casamento Católico já não tinha validade jurídica, para
efeitos civis, por força da laicidade do Estado angolano; não é de ignorar a
carga moral que o matrimónio religioso, com os valores que lhe estão
associados, sempre exerceu na sociedade, em toda sua dimensão cultural, psicossociológica, moral e
antropológica.
Ademais, não é
inoportuno referir que o Estado angolano, mantendo-se, laico por força do
princípio constitucional do artigo 10º, retornou, no entanto, a dignificar o matrimónio
Canónico, à luz do Acordo-Quadro
havido com a Santa Sé, aprovado pelo Decreto Presidencial nº 302/19, de 21 de
Outubro, repristinando a validade civil do referido casamento.
Embora, a
referida validade, não releve para este caso, pelo facto de não ser objecto do
presente recurso e acrescido o limite imposto ao julgador, por força do número
2 do artigo 713º. do CPC; ainda assim, o facto de a validade ter sido estendida
inclusive aos casamentos Canónicos Pré-Concordatários, à luz do artigo 18º do
seu Regulamento; tal facto daria azo a que, este matrimónio, anterior ao Acordo,
pudesse ser validado mediante transcrição; inexistindo quaisquer pressupostos contra;
já que a união de facto oponente e posterior não tinha sido até então reconhecida.
Só nos permitimos dar este salto, para equacionar a justiça que se impõe.
Está comprovado, que o de cujus era o sustento da família, constituída por efeito do
casamento canónico, em que a viúva é a Apelante. E porque o falecido provia a
família com a renda do trabalho; este é um bem comum, para efeitos de
transmissibilidade de qualquer direito, decorrente da percepção do mesmo;
sabendo-se, pois, que as contribuições prestadas eram deduzidas deste fruto,
pertença e património comum, entre de
cujus e a viúva, na convicção Bíblica, de que com o matrimónio os cônjuges se
tornam uma só carne.
O direito a assistência impõe-se ao Estado, a favor
de quem o reivindique, não havendo oposição relevante; pois, visa proteger
pessoas com insuficiências económicas. Se o direito desconsiderar este facto,
para não atribuir o direito à sobrevivência da Recorrente, porque alegadamente só
transmissível no casamento civil; já a justiça, não pode enveredar pela mesma “miopice”.
Diante dos
factos, valores sociais e morais associados ao relacionamento matrimonial
havido, a justiça não pode negar-se a olhar para estas evidências e não lhe
atribuir os efeitos de que se reclamam.
Na situação presente é atendível a união de facto
para efeitos patrimoniais em relação ao subsídio de que se pretende beneficiar.
Se não para evitar o enriquecimento ilícito; será para impedir o empobrecimento
da Requerente; pois, o direito visado, não deixa de ter tutela do INSS,
observadas que estiverem as condições, em que é atribuível o subsídio ao
companheiro sobrevivo.
Os processos estão sujeitos a custas,
decorrentes da responsabilidade de quem dá causa a acção ou dela tira proveito,
nos termos combinados do nº 1 do artigo 446º do CPC, e do artigo 1º Código das
Custas Judiciais.
No caso, em sede
de recurso, tal responsabilidade imputar-se-ia a Apelante, todavia, assim não
será, pelo benefício de isenção por custas, concedido atento a situação de
carências em que a mesma se encontra.
Tudo visto e
ponderado, eis o momento de proferir;
V.
DECISÃO
Nestes termos e fundamentos expendidos, os Juízes desta Câmara acordam em
dar provimento ao presente recurso e, em consequência, revogam a sentença
recorrida e reconhecem a união de facto por morte, para efeitos patrimoniais.
Sem Custas.
Registe e notifique.
Lubango, 03 de Abril de 2025
Os Juízes Desembargadores
Relator: Domingos Astrigildo
Nahanga
1.º Adjunto: Marilene Camati
2.º Adjunto: Lourenço
José