Processo
0016/2025-CIV3-A
Relator
Dr. Domingos A. Nahanga
Primeiro Adjunto
Dra. Marlene Camate
Segundo Adjunto
Dr. Lourenço José
Descritores:
Penhora do Hotel. Assembleia de sócios. Embargos de Terceiro. Notificação do despacho.
Sumário do Acórdão
I- A oposição por Embargos de Terceiros, de quem se ache ofendido no seu património ou direito, só pode ser viável, nas circunstâncias em que o titular, tendo interesse legítimo em defender a integridade do seu direito ou património, tenha estado à margem de todo processo e actos lesivos à propriedade defendida.
II- Na defesa de direitos, não basta a mera reivindicação de pretensa propriedade. Será necessário que a qualidade em que se intervém no processo, se alicerce no interesse de agir, resultante da lesão efectiva causada ou potencial lesão objectiva e directa que o acto a atacar cause, na esfera patrimonial ou de outra natureza do titular do direito ofendido. É nisso em que se circunscreve a legitimidade substantiva, à luz do número 1 do artigo 26º do CPC, que dispõe: “o autor é parte legítima quando tem interesse directo em demandar…” (itálico nosso).
ACÓRDÃO
Processo n.º: 016/2024
Relator: Desembargador Domingos Astrigildo Nahanga
Data do acórdão: 20 de Maio de 2025
Votação: Unanimidade
Meio processual: Agravo
Decisão: Confirmado Despacho recorrido
Palavras-chaves: Penhora do Hotel, Assembleia de sócios, Embargos
de Terceiro, notificação do despacho, Moçâmedes.
Sumário do Acórdão
I- A
oposição por Embargos de Terceiros,
de quem se ache ofendido no seu património ou direito, só pode ser viável, nas
circunstâncias em que o titular, tendo interesse legítimo em defender a
integridade do seu direito ou património, tenha estado à margem de todo
processo e actos lesivos à propriedade defendida.
II- Na defesa de direitos, não basta a mera reivindicação de
pretensa propriedade. Será necessário que a qualidade em que se intervém no
processo, se alicerce no interesse de agir, resultante da lesão efectiva
causada ou potencial lesão objectiva e directa que o acto a atacar cause, na
esfera patrimonial ou de outra natureza do titular do direito ofendido. É nisso
em que se circunscreve a legitimidade substantiva, à luz do número 1 do artigo
26º do CPC, que dispõe: “o autor é parte
legítima quando tem interesse directo em demandar…” (itálico nosso).
* * *
Os juízes desta Câmara reunidos em conferência, acordam
em nome do povo:
I.
RELATÓRIO.
Na 3ª Secção do Tribunal de Comarca de Moçâmedes, HC, solteiro, natural de Lobito,
província de Benguela e residente no Bairro (…), casa nº (…);
DC, solteiro, natural do Lobito, Província de Benguela e
residente no (…), casa nº (…) e;
AC,
solteira, natural de Menongue, Província do Cuando e residente à Rua (…), casa
nº (…), Bairro (…), cidade de Luanda vieram deduzir Embargos de Terceiro
contra:
WW, casado e residente, à Rua (…), no Bairro (…), na cidade
do Namibe.
Pedindo sejam os Embargos de Terceiro procedentes,
levantada a penhora feita ao HCC Moçâmedes e a acção executiva para pagamento
de quantia certa declarada nula.
Para o efeito alegaram em suma, que são accionistas do (…)
e só tiveram conhecimento da penhora do HCC Moçâmedes, no dia 22 de Maio de
2024, aquando da realização da Assembleia Geral Extraordinária, onde o ponto
único foi informar aos Accionistas da notificação do despacho de penhora do HCC.
Que o valor da penhora do HCC Moçâmedes, nada tem a ver
com o valor constante no título executivo.
Proferido despacho de fls. 54 a 59, com os fundamentos
nele insertos foram os Embargos indeferidos.
Notificados da
decisão e, inconformados com a mesma vieram os Embargantes interpor recurso de
Agravo, que foi admitido com subida imediata e efeitos suspensivo, conforme
fls. (63, 65 e 67).
Apresentadas as alegações de fls. 73 a 76, extrai-se
delas o seguinte:
Que os Embargantes
são accionistas do (…) e apenas tiveram conhecimento da penhora através do
Presidente do Conselho de Administração, na Assembleia de sócios com este
propósito.
Que têm a posse do HCC e só tiveram conhecimento da
penhora no dia 22 de Maio de 2024.
A penhora visando a venda do HCC é incompatível com o
direito dos Agravantes.
A sentença ao não ter mencionado na condenação os juros
de mora, os Agravantes sentem-se ofendidos pelo despacho de penhora do HCC, que
faz parte do património do (…) em que os mesmos são accionistas.
Que a penhora seja levantada e declarada nula a acção executiva.
Acto subsequente veio o juiz em Despacho de Sustentação
com os fundamentos nele contidos, manter o decidido (fls. 78 e 79).
Remetidos os autos a esta instância e feita a revisão
proferiu-se despacho nos termos do artigo 701º do CPC, recebendo o recurso na
espécie, regime e efeito, nos termos em que foi admitido.
Aberta vista ao MºPº, veio este promover a improcedência
do presente recurso, por inexistência de argumentos e factos contra o
posicionamento do Tribunal a quo,
(fls. 109 a 112).
Posto isso, seguiram-se os vistos legais sucessivos aos
Juízes adjuntos (fls.183 e verso).
* * *
II. OBJECTO DO RECURSO
Face as conclusões
apresentadas pelos Agravantes, que delimitam o objecto do recurso, para além
das excepções de conhecimento oficioso, que decorrem do disposto nos artigos
660º nº 2, 664º, 684º nº 3 e 690º nº1, todos do Código de Processo Civil;
emerge como questão a apreciar e decidir em sede do presente recurso saber:
Assiste razão aos Embargantes quanto ao levantamento da
penhora sobre o HCC Moçâmedes?
* * *
III.
FUNDAMENTOS DE
FACTO
Do despacho impugnado
extraem-se com relevância para a decisão os seguintes factos:
1.
Os Embargantes são sócios
da (…), proprietária do HCC, Moçâmedes, penhorado nos autos de execução;
2.
O despacho determinativo
da penhora foi notificado ao mandatário e representante do (…), filial do
Namibe;
3.
Os sócios embargantes
tomaram conhecimento da penhora na Assembleia de sócios convocada e realizada
para este propósito e;
4.
Os embargantes
apresentaram seu requerimento no dia 28 de Maio de 2024, 20 dias, depois do
conhecimento do acto de penhora.
* * *
IV.
APRECIANDO
Posto isso, atentemos
para a natureza do procedimento donde resulta o despacho impugnado.
O meio processual usado,
trata-se de Embargos de Terceiro; mecanismo cujo regime está previsto nos
artigos 1037º e seguintes do CPC, que visa acautelar lesões efectivas ou
potenciais, de quem se vê ameaçado ou ofendido no seu direito, pela penhora de
bens, que não fazendo parte do acervo patrimonial do executado, tenham sido, no
entanto, objecto da diligência ofensiva da penhora, por razões de conexão
diversa, com o executado.
Na presente situação, os Recorrentes titulam-se sócios da
sociedade detentora do direito de propriedade do imóvel penhorado – HCC Moçâmedes
e disso fazem prova da sua qualidade, através da Acta da Assembleia Geral
Extraordinária de fls. 9 e do Pacto Societário do (…) (…)-SA.
Os Recorrentes, tendo visto em primeira instância a sua
pretensão de levantamento da penhora desatendida, vêm em recurso pedir a
revogação do despacho com a alegação principal de não terem sido notificados,
em momento algum, sobre as diligências ofensivas à sua propriedade-HCC Moçâmedes.
Ocorre, no entanto, que a notificação da penhora foi
efectuada a quem representa a sociedade, detentora da propriedade do HCC
penhorado, na cidade do Namibe, tendo os Embargantes tomado conhecimento do
acto de penhora, no dia 22 de Maio, em que teve lugar a Assembleia, para o
efeito, conforme fls. 9 e 10.
A Assembleia de sócios, ainda que tivesse mandatado os
Embargantes para representar a sociedade em juízo; ainda assim actuariam como
sociedade e não como Terceiros.
Dito doutra forma, por qualquer das hipóteses que
eventualmente lhes tenha ocorrido, nunca poderiam opor-se validamente, mediante
Embargos de Terceiro. Primeiro, porque
a lesada é uma sociedade e com vários sócios, que eles não representam em juízo;
e mesmo que assim fosse, os embargos nunca estariam ao serviço dos interesses
que pretendem defender aqui; Segundo,
não há lesão a nenhum deles, com carácter autónomo, para que viessem em defesa
individual da propriedade penhorada, mediante este mecanismo processual, por não
a possuírem em nome próprio, para que se presuma a titularidade, por eles
alegada.
Mesmo que se avente algum direito próprio a defender,
dado os efeitos lesivos a que sempre, estariam indirectamente submetidos, com a
efectivação da penhora; porém, em circunstância alguma a sua oposição seria nos
termos em que se apresenta, porque tendo a qualidade de accionistas do (…), proprietária do HCC Moçâmedes,
imóvel sobre o qual incide a penhora; há uma contaminação de interesses, adveniente
da qualidade accionista, o que afasta a legitimidade de se opor.
Os sócios, ainda que tenham interesses na preservação do activo, em que detêm
participações societárias, a Sociedade proprietária do HCC, não pode ser
fraccionável, numa acção de execução como executada
e autora de Embargos de Terceiro; já que estas duas qualidades são
incompatíveis, nos embargos. Ainda que os Recorrentes tentem demarcar-se da
Sociedade, eles fazem parte dela e, por conseguinte, são os mesmos interesses
que estão em causa.
A oposição por Embargos
de Terceiros, de quem se ache ofendido no seu património ou direito, só
pode ser viável, nas circunstâncias em que o titular, tendo interesse legítimo
em defender a integridade do seu direito ou património, tenha estado à margem
de todo processo e actos lesivos à propriedade defendida.
Na presente situação, o facto de serem sócios fê-los,
para todos os efeitos, intervir em todos os actos e processo, mediante
representação, de quem tem poderes estatutários de actuar, em nome da Sociedade
em que são partes. Por esta razão,
perdem a qualidade de terceiro, para se oporem como embargantes, contra a
penhora por força do disposto no número 2 do artigo 1037º do CPC, de resto,
como extensamente expendido no despacho recorrido, de fls. 54 a 59.
Na defesa de direitos, não basta a mera reivindicação de pretensa
propriedade. Será necessário que a qualidade em que se intervém no processo, se
alicerce no interesse de agir, resultante da lesão efectiva causada ou potencial
lesão objectiva e directa que o acto a atacar cause, na esfera patrimonial ou
de outra natureza do titular do direito ofendido. É nisso em que se
circunscreve a legitimidade substantiva, à luz do número 1 do artigo 26º do
CPC, que dispõe: “o autor é parte
legítima quando tem interesse directo em demandar…” (itálico nosso).
Não havendo nos autos demostração da titularidade pessoal
e individual, dos embargantes, em relação ao bem penhorado; não é detectável da decisão recorrida, qualquer vício
relevante que justifique uma tomada de posição contrária.
Portanto, não assiste razão aos Embargantes, esteve bem o Tribunal recorrido ao decidir nos termos em que o fez.
Os processos estão
sujeitos a custas, decorrentes da responsabilidade de quem dá causa a acção ou
dela tira proveito, nos termos combinados do nº 1 do artigo 446º do CPC e do
artigo 1º Código das Custas Judiciais. No caso, em sede de recurso, tal
responsabilidade deve ser suportada pelos Agravantes.
Tudo visto e ponderado,
eis o momento de proferir;
V. DECISÃO
Nestes termos e fundamentos expendidos, os Juízes desta
Câmara acordam em negar provimento ao presente recurso e, em consequência, confirmam
o despacho recorrido.
Custas pelos Agravantes.
Registe e
notifique.
Lubango, 20 de Maio
de 2025
Os Juízes Desembargadores
Relator: Domingos Astrigildo Nahanga
1.º Adjunto: Marilene Camati
2.º Adjunto: Lourenço José